Fundado há 14 anos e instaurado em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), o Fundeb funciona como uma poupança nacional, dedicada à educação. Em 2019, ela alcança o montante de R$ 156 bilhões, com a garantia de investimento mínimo, por aluno, por ano, de R$ 3016.67. Atualmente, 85% dos gastos com educação básica no Brasil são sustentados pelo fundo. Acontece que o Fundeb foi criado com data de validade: ele expira em dezembro de 2020. O que virá depois dele?
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Possivelmente o programa será mantido, ainda que com alterações. “A nossa sugestão, que já foi encaminhada ao Congresso, é inserir critérios de desempenho”, já declarou o ministro da Educação, Abraham Weintraub. “Para receber mais dinheiro tem que ter sim um bom desempenho. Tem que universalizar a pré-escola, tem que atingir metas de colocar crianças nas creches”. O governo vem atuando dentro do Congresso Nacional, onde tramitam diferentes propostas referentes ao Fundeb.
Critérios de repasse
Neste momento, o Fundeb funciona da seguinte forma: parte das taxas coletadas pelos estados, como o Imposto sobre Circulação de Bens e Mercadorias (ICMS), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Propriedades de Veículos Automotores (IPVA) e o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), seguem direto para um fundo conjunto, formado pelos valores reunidos por todas as unidades da federação, incluindo o Distrito Federal. O governo federal acrescenta o equivalente a 10% do total computado pelos fundos estaduais.
A distribuição dos valores para todas as modalidades de educação básica, de creches e pré-escolas à Educação de Jovens e Adultos, incluindo todas as etapas da educação infantil e do ensino fundamental, segue uma série de critérios. O total de matrículas de cada município é multiplicado por um fator de ponderação, formado por 19 diferentes componentes, que diferenciam, por exemplo, as escolas integrais ou no campo, que demandam mais recursos. Para sustentar essas informações é realizado, anualmente, um censo.
De acordo a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o dinheiro não pode ser utilizado para gastos com merenda escolar, programa de assistência social ou de saúde, nem remuneração de profissionais da educação que estejam em desvio de função. Mas o valor pode pagar salário de professores na ativa, assim como diretores, orientadores pedagógicos e funcionários, além da financiar a formação continuada de professores, o transporte escolar, a construção e manutenção dos edifícios das escolas e a compra de equipamentos e materiais didáticos.
Em 4.810 dos 5.568 municípios brasileiros, o Fundeb responde por mais de 50% do orçamento da educação básica. Em 1.102 destes municípios, a participação é ainda maior: o Fundeb responde por 80% de todo o dinheiro disponível. Na média nacional, 40% de todos os gastos em educação vêm do fundo. Segundo o Estudo Técnico 24/2017 da Câmara dos Deputados, sem essa ferramenta de gestão, a desigualdade entre o orçamento das escolas mais ricas, em relação às mais pobres, seria de 10.000%. Graças ao fundo, a distância é de 564%.
“Algumas propostas hoje em debate sugerem que a distribuição da complementação leve em conta não apenas as receitas do Fundeb, mas todas as receitas vinculadas à educação”, afirma Tassia Cruz, professora da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Além disso, propõe-se que os recursos da complementação da União sejam distribuídos diretamente para as redes municipais que estiverem abaixo do mínimo. Tais mudanças seriam muito benéficas para reduzir distorções ainda existentes da distribuição de recursos”.
Propostas de mudança
Um dos temas mais recorrentes entre as propostas de mudanças do Fundeb é o percentual de participação do governo federal – afinal, no formato vigente, o governo começa distribuindo dinheiro suficiente para que o estado de menor orçamento alcance o 26º colocado, e assim por diante, até o equivalente a 10% do total. Em 2018, por exemplo, nove das 27 unidades da federação receberam ajuda de custo da União: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí. Se o percentual aumentar, mais estados serão beneficiados.
De autoria da então deputada Raquel Muniz (PSC/MG), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 15/2015, por exemplo, propõe um aumento, dos 10% atuais, para 30%. Já a PEC 65/2019 leva a 40%. “O Fundeb, como está hoje, não é suficiente para garantir a educação pública de qualidade para todas as redes de ensino. Isso acontece especialmente porque ele não consegue enfrentar integralmente a necessidade dos entes federados mais pobres de garantir o direito à educação para sua população”, afirma Andressa Pellanda, coordenadora executiva da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
“O mínimo constitucional vigente hoje para a complementação da União – que é o ente com maior poder arrecadatório – de 10% foi atingido, mas de piso se tornou também teto. Para corrigir a necessidade de maiores aportes às redes subfederais, é necessário um aumento da complementação da União ao Fundo”. Nos cálculos da instituição, para alcançar esse objetivo, o percentual deveria saltar para 40%.
O Ministério da Educação propõe que o valor chegue a 15% em cinco anos. “A proposta do MEC para a ordem de 15% foi construída em parceria com o ministério da Economia. É um aumento sustentável”, afirmou Sylvia Gouveia, diretora de programa da Secretaria Executiva do MEC, durante um seminário sobre o Fundeb realizado no dia 26 no UniCEUB (Centro Universitário de Brasília) e organizado pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca).
Tramita também a PEC 33/2019, apresentada pelo senador Jorge Kajuru (PSB-GO), que aumenta a participação mínima da União para 30%.
A PEC 65/2019 é de autoria do senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP) e conta com o apoio da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, do Fórum de Governadores e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação. Também tramita o Projeto de Lei 2595/2019, apresentado pela deputada Tabata Amaral (PDT-SP), que sugere oferecer um recurso adicional para as escolas com melhor desempenho, considerando a situação social e econômica de seus alunos.
Propostas reunidas
Mas a tendência é que todas as propostas sejam anexadas ao principal projeto debatido na Câmara desde 2016, a PEC 15/2015. Por isso, alguns parlamentares têm se dedicado a sugerir mudanças e acréscimos a essa proposta, em vez de sugerir novos projetos.
O deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), por exemplo, apresentou uma emenda à PEC 15/2015 propondo que estados e municípios possam converter parte dos recursos para financiar o ensino público em instituições privadas – dessa forma, criaria a figura dos vouchers para alunos frequentarem escolas particulares.
“Existem propostas, que são profundamente transformadoras dos sistemas educacionais. Além do valor da complementação do governo federal, há a questão do desenho redistributivo do Fundeb”, afirma Caio Callegari coordenador de projetos da organização sem fins lucrativos Todos pela Educação. Para a entidade, o novo Fundeb poderia ampliar sua capacidade de distribuir renda para escolas que mais precisassem, desde que o foco mudasse dos estados para os municípios. “Hoje, o dinheiro da União chega para os estados mais pobres, sem olhar para os municípios que mais precisam. Essa ineficiência locativa beira os 30%”, diz Caio Callegari.
Sobre a proposta do ministro, de valorizar as escolas por desempenho, Callegari vê um risco. “A medida pode beneficiar municípios que já têm capacidade instalada em detrimento daqueles que não contam com o mínimo de investimento necessário para alcançar bons resultados”.
Certo mesmo é que o Fundeb certamente será renovado, ainda que o novo formato precise ser aprovado e transformado em lei até o final do ano que vem, e a participação do governo federal irá aumentar, como já declarou o consultor legislativo Paulo Martins, em audiência na Comissão de Educação do Senado. “Já consultamos e nos reunimos com praticamente todos os setores envolvidos na educação brasileira, desde autoridades nos três níveis da administração aos mais significativos representantes na academia e na sociedade civil”, ele declarou. “Todos veem como primordial que o Fundeb deixe de ser uma política temporária e entre definitivamente na Constituição, e que o governo invista mais”.