
Quando se fala em jogo, logo se pensa em competição. Muitas pessoas (se não a maioria) acreditam que a graça de uma brincadeira está em vencer e eliminar os adversários. Por outro lado, há mais de 50 anos pesquisadores da área da educação estudam jogos voltados à colaboração entre os participantes, os chamados "jogos cooperativos". Essas experiências surgiram da preocupação com a excessiva valorização do individualismo e hoje são utilizadas nas escolas para desenvolver atitudes mais solidárias entre os estudantes.
"Essa discussão começou a ter mais relevância quando se percebeu que, em vez de o jogo funcionar como atividade integrativa dentro da escola, trazia muitos conflitos. Os próprios professores de Educação Física começaram a buscar alternativas para que as brincadeiras não trouxessem consequências desastrosas", explica João Eloir Carvalho, professor do curso de Educação Física da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e doutorando em Estudos da Criança pela Universidade do Minho, de Portugal.
Os jogos cooperativos são organizados para que os participantes joguem "um com o outro", e não "um contra o outro". O objetivo não é derrotar o adversário, mas superar desafios. Um bom exemplo é a adaptação feita na "dança das cadeiras". No jogo tradicional, os participantes andam em volta de cadeiras e, quando a música é interrompida, elimina-se o estudante que não conseguiu se sentar. No final, existe somente um ganhador. No jogo cooperativo, o número de cadeiras também é menor que o de participantes, mas a finalidade é que todos terminem a brincadeira sentados nos bancos que sobrarem. Os participantes podem se sentar nas cadeiras, nos colos uns dos outros, ou de qualquer outra maneira criada por eles.
Essa nova modalidade da dança das cadeiras é considerada um jogo cooperativo propriamente dito. Nela, todos os participantes podem ganhar e ninguém precisa perder. Mas também há atividades cooperativas que envolvem disputa entre equipes. "Um jogo é cooperativo quando permite que todas as pessoas tenham o seu lugar garantido. Ele jamais cria situações de exclusão. Qual é o desafio? Criar um ambiente tão criativo que todas as pessoas encontrem possibilidades efetivas de participação", afirma o professor Fábio Otuzi Brotto, um dos principais representantes dos debates sobre jogos cooperativos no Brasil.
Segundo Brotto, a diferença entre jogos competitivos e cooperativos está no grau de colaboração entre os participantes. Em um jogo tradicional de futebol, por exemplo, um passe bem feito pode fazer com que o jogador que receba a bola faça um gol. Mas quem controla o jogo normalmente são os dois ou três estudantes mais habilidosos do time. Uma das propostas para tornar a brincadeira cooperativa é a obrigatoriedade de que todos os membros da equipe tenham de receber a bola antes do chute para o gol, explica a professora Marynelma Camargo Garanhani, vice-coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Infância e Educação Infantil (Nepie) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Segundo ela, o que faz uma atividade competitiva ou colaborativa são as suas regras.
Habilidade social
Na rede municipal de educação de Curitiba, os jogos cooperativos foram testados e aprovados. Para a pedagoga de educação infantil Mirani Pereira de Almeida Silva, do Núcleo Regional da Matriz da Secretaria Municipal de Educação, as atividades são importantes tanto para o desenvolvimento físico quanto para a obtenção de atitudes mais colaborativas entre as crianças.
Desde 2006, a secretaria desenvolve um trabalho sistemático com jogos cooperativos em alguns Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI). As atividades terminam com um encontro, no fim do ano, entre crianças de CMEIs diferentes. "No final há um momento de confraternização em que todas as crianças recebem medalhas. A cooperação é uma habilidade social que precisa ser ensinada", afirma Lorena de Fátima Nadolny, do Departamento de Educação Infantil da secretaria.
Jogos diminuem casos de bullying
Um estudo desenvolvido pelo professor João Eloir Carvalho em uma escola municipal de São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba, mostra que os jogos cooperativos podem diminuir as ocorrências de bullying atos de violência intencionais e frequentes contra uma mesma pessoa no ambiente escolar. Durante cinco meses, crianças do 3.º e do 4.º ano do ensino fundamental do Colégio Narciso Mendes participaram de atividades cooperativas nas aulas de Educação Física. Ao final do período, a porcentagem de alunos que disseram ter sofrido mais de cinco agressões vindas de colegas ao longo de um semestre caiu de 12,8% para 8%. O índice de crianças que não sofreram nenhuma agressão em um semestre passou de 57% para 64%.
"Só com esses dois dados dá para verificar que houve uma resposta bem significativa. Nos jogos cooperativos ocorre a união do grupo em torno de um objetivo comum. Também é necessário haver criatividade dentro da ação; juntos, os alunos precisam encontrar estratégias para atingir o objetivo", afirma Carvalho.
A pesquisa é parte da tese de doutorado em Estudos da Criança que o professor está concluindo na Universidade do Minho, em Portugal. Carvalho conta que também acompanhou os padrões de agressividade em um grupo de controle, uma escola semelhante ao Colégio Narciso Mendes em número de estudantes e de violência. Na escola controle, onde não houve a intervenção, a porcentagem de crianças que sofreram mais de cinco agressões passou de 13% para 16%. Ao mesmo tempo, o índice dos que não foram agredidos nenhuma vez caiu de 64% para 48%. Os números foram obtidos por meio de questionários aplicados às crianças e aos professores, antes e depois das mudanças nas aulas de Educação Física.
Carvalho explica que brincadeiras tradicionais foram adaptadas, e alguns jogos foram aplicados primeiro na versão competitiva e depois na cooperativa. Ele admite, porém, que no início não foi fácil. "As crianças valorizam muito mais a competição, elas olham mais para o resultado do que para o processo. Mas as atividades podem ser muito interessantes, desde que o professor explique aos alunos a importância desse tipo de jogo. Ele não deve aplicar o jogo sem discuti-lo com a criança", diz.
Serviço:
Confira uma lista de sites com dicas de jogos cooperativos e mais informações sobre o tema:
http://jogoscooperativosefe.ning.com
http://blogquestjogoscooperativos.blogspot.com



