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Opinião

O problema não está nas ciências humanas. Mas no que fizeram com elas

Foto: Unsplash. (Foto: )

Recentemente duas afirmações causaram comoção na mídia e em parte do meio acadêmico: uma, que afirmava que “quem destruiu o Brasil foram os professores de filosofia, direito e ciências sociais”; outra, que alegava, categoricamente, que “as universidades federais destruíram esse país”. Somada a essas duas afirmações ainda há o fato de o atual ministro da educação estar estudando “descentralizar o investimento em faculdades de filosofia e sociologia", passando a investir prioritariamente em áreas que “gerem retorno imediato ao contribuinte" (como, por exemplo, engenharia, medicina, etc.).

Obviamente, a reação em parte do meio acadêmico foi imediata. Rapidamente surgiram manifestações de indignação, especialmente das ‘humanidades’, ofendidas, em sua vaidade e arrogância, com as referidas afirmações (e, sobretudo, com a perspectiva de verem seus subsídios diminuírem). Mas que esperar de uma “elite” acadêmica que julga que a vida intelectual se reduz ao currículo Lattes? Que esperar de uma “elite” avessa à realidade e preocupada apenas com sua ideologia?

Ressalvado o aspecto impactante dessas afirmações, poder-se-ia dizer que elas não são nem exageradas nem absurdas. Basta que as coloquemos em sua devida perspectiva.

Por que, então, tais afirmações não são, segundo vejo, nem exageradas nem irreais? Por que é razoável, penso, também reduzir os investimentos nas ‘humanidades’?

(E vejam que eu teço minhas opiniões desde dentro das ‘humanidades’ em uma universidade pública).

O problema não está nas ‘humanidades’

Primeiramente, cabe notar que o problema não está nem nas universidades nem nas ‘humanidades’ mesmas, mas naquilo em que elas foram transformadas especialmente desde seus departamentos ‘humanísticos’. Na verdade, existe ampla bibliografia, fortemente documentada, que nos revela como, especialmente no decorrer do século XX, as universidades e as ‘humanidades’ se afastaram radicalmente de seus propósitos originários, tendo passado a se ocupar especialmente de uma agenda ideológica e política.

Abordei esse ponto em meu primeiro texto (acesse aqui) na Gazeta do Povo (e em outros artigos publicados).

Mas gostaria agora, um ano depois desse texto, de voltar ao tema, pois parece que ele ainda carece de discussão, embora muitos já estejam se apercebendo da dimensão do problema e da necessidade de o governo, mediante o MEC, intervir no resgate das universidades das mãos dos bárbaros que hoje a dominam, o que passa, a meu ver, pela adoção de medidas (como corte de subsídios, por exemplo) voltadas para seus centros de ‘humanidades’, para seus sindicatos e para suas administrações, hoje instrumentalizados (assim como os sindicatos, diretórios acadêmicos, etc.), por partidos políticos de esquerda (sobretudo PSOL e PT).

Assim como ocorre com a chamada ‘teologia da libertação’, nossas universidades se tornaram braços ideológicos de partidos de esquerda (ou seja, elas não estão voltadas para a excelência – intelectual e moral –, mas para a defesa de uma agenda ideológica). E hoje isso é algo simplesmente inegável: que aluno nas ‘humanidades’ nunca testemunhou seu professor se posicionando em favor dos partidos suprarreferidos? Que aluno nas ‘humanidades’ nunca escutou seu professor falando da teoria do “golpe”? Que aluno nas ‘humanidades’ nunca escutou críticas ao ‘neoliberalismo’ e ao ‘conservadorismo’? Que aluno nas ‘humanidades’ não tem escutado, ad nauseam, que com a reforma da previdência todos vamos trabalhar até a morte?

Ouso afirmar que todo aluno nas ‘humanidades’ já teve que testemunhar, frequentemente de forma silenciosa, seu professor ocupar seu pouquíssimo tempo de aula com proselitismo político vulgar.

A origem da universidade e a traição dos intelectuais

Com efeito, para entendermos em que sentido as afirmações que abrem esse texto não estão desprovidas de sentido, cabe consideramos, ainda que brevemente, o contexto em que surgiram as universidades. Sim. O primeiro passo no resgate das universidades e das ‘humanidades’ é ir às suas origens, aos seus fundamentos. Assim, no que concerne às universidades, elas têm uma longa história. Precedidas pelas escolas monacais, presbiteriais, episcopais e palatinas (palacianas), as universidades surgiram (como a ciência) dentro de uma cultura fortemente cristã, a qual as fomentou.

Na verdade, os mosteiros e as catedrais foram as duas colunas sobre as quais se apoiou a cultura medieval, sendo a “universitas” a sua abóboda, isto é, o coroamento de um desenvolvimento que, no século XII, exigiu uma nova instituição, mais complexa que as existentes escolas, a qual abarcasse os desdobramentos da ciência e a contribuição dos árabes para a matemática, para a astronomia, para medicina, etc.

Além disso, dado se tratarem de instituições de um ensino “superior”, o ingresso nelas demandava o domínio de certas “artes propedêuticas”, as quais ficaram conhecidas como “artes liberais”: as do Trivium (gramática, lógica e retórica) e do Quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música).

Acrescente-se a isso, ainda, o fato de fazer parte do itinerário formativo dos estudantes o estudo da Bíblia, da gramática, dos poetas latinos, dos historiadores romanos, etc. Portanto, originariamente as universidades estavam voltadas tanto para a busca pela verdade quanto pelo aperfeiçoamento moral do homem, algo que pode ser observado, por exemplo, nos estudos eruditos do historiador Christopher Dawson.

Nesse sentido, as universidades foram, por séculos, responsáveis pelo progresso civilizatório; noutros termos, elas foram uma das principais causas de nossa prosperidade.

Não obstante, eis que surge, especialmente no século XX, uma ruptura com esse desígnio das universidades, isto é, ocorre aquilo que Julien Benda denominou de “traição dos intelectuais” (na obra homônima de 1927).

Os “intelectuais”, desde o interior das universidades (nomeadamente das ‘humanidades’), traíram os propósitos originários que serviram de fundamento para as universidades. Segundo Benda, eles traíram sua vocação à verdade, à “vida do espírito”. Um sinal dessa traição foi seu abandono de um ideal de “humanidade” e o enaltecimento do relativismo. Mais do que isso, preocupações políticas passaram a interferir em sua vocação à verdade. Hoje, por exemplo, os “intelectuais” estão mais preocupados com sua ideologia do que com a verdade e com a formação de seus estudantes, o que explica a constante doutrinação recebida nas salas de aula, mesmo nas universidades (sobretudo, lamentavelmente, nas ‘humanidades’).

Após a publicação do livro de Benda a situação se agravou, especialmente com o ulterior avanço de correntes como Escola de Frankfurt, pós-modernismo, pós-estruturalismo, entre outras aberrações orientadas ideologicamente. Assim, ao longo das últimas décadas temos acompanhado, em nossas Universidades (a exemplo do que também tem ocorrido nas demais Instituições de ensino), o avanço de um ímpeto anti-intelectual, o qual tem criado um ambiente ideologizado e cada vez mais distante tanto da preocupação com a busca pelo conhecimento quanto dos problemas reais (alguém realmente acredita que as pessoas estão preocupadas com ‘ideologia de gênero’, por exemplo?).

Nossas universidades têm se afastado de seus propósitos mais nobres, os quais constituem seus alicerces desde sua origem: busca pelo conhecimento – o que inclui sua preservação e fomento – e prosperidade. Dado sermos naturalmente inclinados ao saber (sua busca), a universidade medieval foi uma fascinante e revolucionáriacriação humana (e Cristã), cujo propósito foi não apenas fazer avançar o conhecimento (e a prosperidade – material e ‘espiritual’), mas desenvolver nossas capacidades mesmas.

Além do livro de Benda, caberia citar aqui livros como “As ideias têm consequências” (1948), de Richard Weaver, “O ópio dos intelectuais” (1955) de Raymond Aron e, mais recentemente, “Radicais nas Universidades” (1990), de Roger Kimball.

Ou seja, há décadas temos autores analisando e documentando os danos causados à sociedade desde nossas universidades, particularmente desde nossas ‘humanidades’. A leitura dessas obras nos mostra que as afirmações que abrem esse texto estão muito próximas da realidade. Mostram que fomos “contaminados” por diversas ideologias fracassadas (Escola de Frankfurt, Pós-Modernismo, Pós-Estruturalismo, etc.) que se infiltraram parasitariamente nas Universidades.

Estudos sobre “produção do olhar pornô”: pesquisa científica? Quanto custam?

Nesse sentido, não surpreende, para o leitor desses livros, que atualmente nossas Universidades estejam formando, especialmente nas ‘humanidades’, analfabetos funcionais especialistas em temas irrelevantes atinentes ao ‘multiculturalismo’, à ‘ideologia de gênero’, altamente “qualificados” para discutir temas como ‘reforma agrária’, ‘aquecimento global’, ‘preconceito linguístico’, ‘banheiros transgênero’, ‘sexualidade fluida’, ‘descolonialismo’, ‘mansplaining’, ‘manterrupting’, ‘gaslighting’, “políticas afirmativas”, ‘políticas redistributivas’ e tantas outras tolices engendradas desde dentro de nossas Universidades e simplesmente ignoradas pela sociedade civil (e por qualquer sujeito dotado de bom senso), a qual paga (mediante seus impostos) para que alguns realizem suas perversões acadêmicas.

Mas, como diz o texto bíblico, “pelos seus frutos os conhecereis”.

Vejamos, então, alguns “frutos” de nossas universidades, especialmente aqueles que resultam de sua degenerescência:

1. “A folia dos cus prolapsados: pornografia bizarra e prazeres sexuais entre mulheres”

2. “Feminilidades, masculinidades e glamour: Uma etnografia da rede de concursos de beleza gay cearenses”

3. “O diabo em forma de gente: (R)existências de gays afeminados, viados e bichas pretas na educação”

4. “Negras raízes questionam a ciência ocidental”

5. “Orgias entre homens: territórios de intensidade e socialidade masculina”

6. “A produção das masculinidades e socio-espacialidades de homens que buscam parceiros do mesmo sexo no aplicativo Tinder em Rio Grande, RS”

7. “Prazeres sexuais anais e a produção do olhar pornô em vídeos pornográficos”

Quase todos esses exemplos são de dissertações e teses realizadas em universidades públicas, nos últimos anos, eventualmente com bolsas mensais (R$ 1.500,00 a de mestrado e R$ 2.200,00 a de doutorado) providas por agências governamentais (portanto, subsidiadas com nossos impostos).

Se considerarmos que, além das eventuais bolsas, um estudante em uma universidade pública custa em torno de R$ 41.500 ao ano (em torno de R$ 3.500,00 por mês), devemos, sim, perguntar pelo impacto positivo dessas pesquisas e pelas atividades que são realizadas no interior de nossas universidades.

Temos o direito de demandar uma justificativa atinente ao impacto positivo dessas “pesquisas” em nossa realidade. Em que medida elas fomentam a busca pela verdade? Como elas contribuem para a solidificação dos pilares morais que estabeleceram e protegem o mundo civilizado? De que maneira elas promovem a prosperidade?

Essas são apenas algumas das questões que deveriam ser colocadas diante dos exemplos acima, os quais, aliás, estão longe de serem incomuns (especialmente nas ‘humanidades’).

Mas, tendo em vista o que lemos nos resumos dessas dissertações e teses, podemos antecipar uma resposta para as perguntas acima. O tipo de “pesquisa” que elas representam é justamente uma tentativa de perverter todos os meios de prosperidade individual e social, desde os valores morais até a ciência (que algumas dessas pesquisas rejeitam por representar uma ciência ‘masculina’, ‘branca’, ‘heteronormativa’, etc., como se a lei da gravitação universal estivesse imersa em algum preconceito e devesse ser revogada por ter sido postulada por um homem branco europeu - Newton).

Retirada do tumor

Mas acredito que a questão que se coloca para nosso sistema educacional nesse momento é a seguinte: Como frear e fazer retroceder a metástase de uma mentalidade antiliberal e antiocidental que hoje está enraizada em nossas universidades? Ora, parece-me que é o caso de uma ressecção do tumor que se espraiou pelas universidades. E, uma vez que a fonte do tumor se encontra em nossas ‘humanidades’, talvez ali encontremos o órgão adoecido, alvo da ressecção. Afinal, é desde elas que a metástase tem se espraiado.

Portanto, urge uma medida como a estudada atualmente pelo ministro da educação. Faz-se necessária uma intervenção como a que está sendo considerada. Mas não para que tenhamos o fim das ‘humanidades’. Em verdade, se trata de, com medidas como a que está em discussão, de resgatá-las das mãos dos bárbaros que hoje as dominam.

* Carlos Adriano Ferraz é graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito.

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