A pandemia que enfrentamos atualmente tem trazido grandes perdas de diversas ordens. Mais de 125.000 vidas foram perdidas só no Brasil até hoje e o alcance das consequências econômicas e sociais ainda segue obscuro. Em meio a este cenário desolador, tornou-se ainda mais clara a importância da ciência na solução de problemas emergentes dessa magnitude. Além da iminente vacina contra o vírus da Covid-19 (SARS-CoV-2), resultados da pesquisa científica têm contribuído muito para a superação dessa crise multidimensional. Um exemplo didático é o ventilador pulmonar emergencial desenvolvido pela Universidade de São Paulo e que custa cerca de 10% ventilador convencional.
Na contramão da história recente e de todas as evidências da importância da ciência, o governo do Estado de São Paulo enviou à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, ALESP, um projeto de lei que, entre várias propostas, inclui em um dos seus artigos o confisco de recursos das universidades estaduais paulistas, USP, UNICAMP e UNESP, e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP. Entre os possíveis desdobramentos, o Projeto de Lei 529 fere frontalmente a autonomia das universidades estaduais paulistas, acaba com o planejamento de longo prazo - essencial para a realização de pesquisa mundialmente competitiva, e incentiva a má gestão - induzindo o gasto açodado de recursos sob pena de perdê-los ao final do ano.
Na campanha ao Palácio dos Bandeirantes o então candidato João Doria garantiu que preservaria e, vejam só, até aumentaria os recursos da FAPESP. Com o PL 529 fica a impressão de que a defesa da FAPESP não passava de uma forma de polarizar com o seu adversário na ocasião, Márcio França. Nas frequentes coletivas de imprensa que tem participado recentemente, o governador reiterou diversas vezes a importância da ciência. Alinhado com vários líderes de peso na Europa, o governador enalteceu a ciência e o método científico, atacando de forma contundente o negacionismo em voga entre outros líderes de menor relevo. O envio do PL 529 à ALESP evidencia que as juras de amor à ciência eram palavras ao vento, ditas apenas para rivalizar com declaração vindas do governo federal. Essa disputa mesquinha indica que, para o governador, mesmo diante das difíceis circunstâncias que estamos vivendo, é mais importante alimentar uma disputa política do que passar uma mensagem clara de que o governo se preocupa de fato com a ciência e a saúde da população.
Desde o envio do PL 529 à ALESP em agosto, a população vem reagindo contra o projeto. Foram vários artigos, manifestações das reitorias das universidades, do conselho Superior da FAPESP, uma carta aberta com mais de 150.000 assinaturas organizada pela Academia de Ciências do Estados de São Paulo, ACIESP, e, mais recentemente e com grande repercussão, depoimentos de alguns atores famosos. O governador escolheu o seu lado e pode entrar para história como aquele que destruiu o sistema de ensino superior, pesquisa e desenvolvimento do Estado de São Paulo. Nos resta a todos torcer que a Assembleia Legislativa de SP vete os pontos críticos do PL 529 e ajude a proteger a pesquisa científica da miopia do governo atual.
* Hamilton Varela é Professor Titular do Instituto de Química de São Carlos da USP.
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