Comparar o ato de ler com uma espécie de “exercício físico” para o cérebro, como ocorre na musculação sobre a massa corporal, está longe de ser adequado – e com as últimas descobertas da neurociência, essa analogia serve apenas para dar uma ideia distante do seu efeito real. O percorrer os olhos sobre palavras ordenadas com um sentido faz muito mais: ajuda o cérebro a absorver conceitos da realidade e a dominá-la. Quanto maior o vocabulário, a fluência na leitura e a sua complexidade, maior a capacidade de compreender a si mesmo, interagir socialmente e ser bem-sucedido no mercado de trabalho. Se uma pessoa não sabe ‘nominar’ algo, em geral, não a assimila com clareza.
O processo de entender o mundo começa na infância. A rede neural tem sua idade de ouro nos primeiros anos, quando é maior a neuroplasticidade (a capacidade de reter conhecimentos). Quando uma criança começa a ler, entre 5 e 8 anos, o cérebro fica mais eficiente e, para eliminar sobras e aumentar a sua agilidade, ocorre a chamada poda neuronal, a perda de bilhões de neurônios até os 10 anos, algo natural para o organismo. Esse recuo é tão grande que até a espessura do córtex cerebral diminui.
Estudantes que liam diariamente o “Huffington Post” tiveram a menor pontuação em seus escritos do que os que liam, ainda que com menos frequência, o “The New York Times”.
O maior efeito disso incide sobre o aprendizado, principalmente em relação à linguagem escrita. Se a rede neural não é estimulada, falta essa poda ‘qualificada’ e a criança sofre os efeitos do desuso – e aqui a comparação do organismo com músculos atrofiados e excesso de massa gorda pode ajudar. “Se não ocorre essa simplificação neuronal nessa fase crítica, você não é capaz de desenvolver uma linguagem mais complexa quando adulto”, explica o neurocientista Renato Sabbatini, pós-doutor pelo Instituto Max Planck. “Pouco dessa situação pode ser sanada nos anos seguintes, mas é preciso um esforço maior, mais ou menos como quando um idoso aprende a dirigir, demora mais”.
Da infância à vida adulta, para que esse processo não regrida, é necessário colocar o cérebro em contato com conteúdos cada vez mais complexos. Se a pessoa se contenta com linguagem simples – frases curtas da televisão e das redes sociais, vocabulário pobre e sintaxe pouco elaborada –, o desenvolvimento cerebral se estabiliza e a pessoa se torna incapaz de compreender ideias com consequências significativas para si mesmo e para a sociedade. As pesquisadoras Yellolees Douglas e Samantha Miller perceberam, por exemplo, que estudantes que liam diariamente o “Huffington Post” tiveram a menor pontuação em seus escritos do que os que liam, ainda que com menos frequência, o “The New York Times”.
O esforço para ler e entender textos mais complexos, por outro lado, aumenta a qualidade da chamada ‘fala silenciosa’, o discurso interior feito por quem é capaz de escrever frases coerentes. Ao mesmo tempo, exercita a memória, necessária para falar, escrever e entender. “O contrário se pode perceber em uma pessoa que vai morar em outro país, que começa a utilizar um português mais simples porque vai esquecendo as palavras”, exemplifica Sabbatini.
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