Na iminente apresentação de um novo projeto de lei para alterar a reforma do ensino médio, o Ministério da Educação se encontra em um fogo cruzado: de um lado estados que já investiram milhões na mudança do sistema; de outro, entidades de esquerda que pressionam o governo para uma revogação por interesses corporativistas da classe educacional. Enquanto isso, alunos recebem uma educação desprezível, considerada uma das piores do mundo.
Conciliar os interesses dos estudantes em prol da aprendizagem, diminuir a evasão escolar e melhorar os índices educacionais eram alguns dos objetivos ao discutir a proposta ainda em 2017. Na época, o Ideb (índice utilizado no Brasil para medir a qualidade do ensino) mostrava que os alunos terminavam o terceiro ano sabendo menos que a média de seus colegas de outros países. Pior: esse quadro estava igual nos últimos 12 anos.
No novo ensino médio, o estudante poderá se aprofundar em matérias específicas e utilizá-las na escolha do curso superior ou já começar um ensino técnico, podendo terminar as três séries exercendo uma profissão. O que já acontece em países como Chile, considerado o melhor ensino dos países da América do Sul, segundo o Programa de Avaliação Internacional de Alunos (PISA).
Essa é a teoria. Na prática, o Ministério da Educação tem encarado grandes desafios na concretização, que começou há pelo menos seis anos, quando o ex-presidente Michel Temer assinou uma medida provisória que instituiu o novo ensino médio. A MP foi aprovada pelo Congresso Nacional e virou lei.
A implementação estava prevista para 2020, ano da pandemia da covid-19. No Brasil, as escolas foram fechadas e o cenário não era o melhor para as mudanças previstas. Dessa forma, o governo federal, na época já comandado pelo presidente Jair Bolsonaro, não elaborou diretrizes para os estados – que, na divisão de atribuições dos sistemas de ensino, é o principal responsável pelas escolas de ensino médio.
Sem orientação do governo federal, os estados começaram a organizar as mudanças necessárias. Com realidades tão diferentes, o panorama atual é de discrepantes níveis de implementação em cada parte do país. Enquanto há estados que desejam oferecer 28 itinerários formativos - opções de caminhos para os alunos trilharem -, outros conseguirão oferecer apenas três.
Uma auditoria do Tribunal de Contas da União pontuou vários obstáculos que o MEC precisará enfrentar: corrida contra o tempo diante dos atrasos na execução, mudanças nas estratégias para focar nos resultados, lidar com um orçamento menor que o previsto. Essas são algumas das inúmeras dificuldades apontadas pelo TCU.
Para completar, uma grande resistência de entidades educacionais de base para as mudanças. Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), União Nacional dos Estudantes (UNE) e inúmeros sindicatos têm feito oposição às modificações. Sob pressão, o MEC decidiu suspender a execução do novo ensino médio por 60 dias, através de uma portaria. Esse tempo permitirá que o governo federal converse com a base em uma tentativa de acordo, além de organizar os trabalhos para serem mais efetivos.
O MEC está elaborando um projeto de lei para apresentar ao Congresso Nacional ainda este mês. O texto deve conter mudanças relevantes na lei que se originou na MP de Temer. A primeira delas é em relação a carga horária, que era de 1.800 horas nos três anos e passará para 2.400 horas. As matérias básicas também devem ser ampliadas.
O que será avaliado no Enem?
O governo federal não chegou a passar informações concretas de como ficariam as mudanças para o Enem, prova de admissão para diversas universidades no Brasil. “Estamos trabalhando há dois anos sem saber o que vai cair no Enem do ano que vem”, reclama Bruno Eizerik, diretor da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep).
Nos bastidores, o MEC sinaliza que as alterações no exame aconteçam apenas em 2025. O que, de acordo com os especialistas, seria mais prudente, visto que o calendário para o ano de 2024 já começou a ser elaborado em vários estados.
Lado A: “interesses corporativistas”
“Interesses corporativistas” foi o termo usado pela especialista em educação Cláudia Costin ao falar sobre as principais críticas dos sindicalistas. Com as mudanças do novo ensino médio, os professores terão a oferta de matérias reduzidas. Além disso, vão precisar se capacitar para irem além da formação básica e entregar conteúdos multidisciplinares, ofertando itinerários que despertem interesse no aluno. Ou seja, precisarão investir tempo e dinheiro para se desenvolverem com um salário menor, diante da redução de horas trabalhadas.
Cláudia espera que os parlamentares diminuam novamente o tempo de horas e as matérias obrigatórias previstas. “O governo federal colocou um número excessivo de horas para formação geral básica, para garantir todas as disciplinas como filosofia, sociologia, química, física - por conta de carga horária de professor -, e pouquíssimo tempo para as áreas de aprofundamento. Na prática, isso significa que o aluno não vai se aprofundar em quase nada”.
Para Bruno Eizerik, o novo ensino médio está parado somente por motivações políticas, já que o governo petista não gostaria de desagradar sua base política, que são os sindicatos.
“O Brasil não gasta pouco em educação, ele gasta mal em educação. Se tiver vontade política, faz acontecer. O velho ensino médio, o novo ensino médio, o “novo novo ensino médio” [se referindo a proposta do governo atual], tendo vontade política e a educação sendo levada como prioridade, vai acontecer”, ressaltou.
Lado B: a educação no Brasil precisa avançar
Costin e Eizerik têm claro que revogar não deveria ser uma opção do governo. “Pouco mais de dois bilhões de reais foram gastos na implementação do novo ensino médio, com formação de professores, publicações, ajustes dos livros didáticos. Revogar é inconsequente, o Brasil já avançou bastante”, pondera Costin.
Ao mesmo tempo, Cláudia Costin também fala sobre a necessidade de uma reorganização. “É importante, sim, e acho que agiu correto o governo em tentar dar um freio de arrumação, porque há estados que fizeram um monte de itinerários formativos e outros que não sabiam como avançar, outros ofereceram um número excessivo de matérias eletivas. Precisava de uma arrumação”, pondera.
Sobre a dificuldade de alguns estados acompanharem as mudanças, Bruno Eizerik afirma que os problemas serão praticamente os mesmos. “Com o antigo ensino médio, era a mesma coisa. Não tem recurso, não tem sala de aula, não tem nada. As dificuldades de estrutura que as escolas têm existem independentemente de como será o ensino médio”.
Para o diretor, a melhor solução é fazer os ajustes necessários depois de avaliar os primeiros resultados. “O primeiro passo seria respeitar o que está acontecendo até o ano que vem, pelo menos. Depois constrói junto com os estados, e aí rede pública e rede privada, um modelo de transição, possibilitando definições como quantidades de itinerários”, propõe.
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