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O que levou dois programas de pós-graduação da UFPR à excelência internacional

Pesquisadores em laboratório de Bioprocessos e Biotecnologia da UFPR | Daniel CaronGazeta do Povo
Pesquisadores em laboratório de Bioprocessos e Biotecnologia da UFPR (Foto: Daniel CaronGazeta do Povo)

 

Produzir Ômega 3 a partir de um processo fermentativo da cana-de-açúcar, como alternativa à pesca comercial em larga escala, que afeta a saúde dos mares mundo afora. Esse é apenas um exemplo das pesquisas inovadoras que estão sendo realizadas por laboratórios da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e que contribuíram para que dois cursos de pós-graduação atingissem a nota máxima na avaliação quadrienal da Capes, órgão vinculado ao Ministério da Educação, divulgada em 20 de setembro. 

Os programas de Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia e o de Química conquistaram a nota de excelência 7, o que equivale ao desempenho das universidades de ponta em países plenamente desenvolvidos. No Brasil, de 3.472 programas acadêmicos avaliados, 179 tiveram nota máxima, em diversas áreas de conhecimento. No Paraná, além dos dois cursos da UFPR, apenas a UEL repetiu o feito. 

Para a equipe de Bioprocessos da UFPR, houve uma satisfação a mais: o programa conquistou a maior pontuação do Brasil entre todos os 65 avaliados na área de biotecnologia. A Capes levou em conta toda a produção em relação ao núcleo permanente de professores, que são 12. Nesta área de conhecimento, foram considerados produção de teses, dissertações e artigos em revistas conceituadas, o tempo que os alunos demoram para se formar e, especialmente, número de patentes. O programa da UFPR registrou muitas invenções: 68 nos últimos quatro anos. 

“Somos o programa top no Brasil de depósitos de patentes de produtos e processos, explorando a biodiversidade brasileira e tentando agregar valor às nossas cadeias produtivas. Em vez de exportar nossa matéria-prima básica para ser transformada em outros países, para que nos vendam produtos que valem 100 vezes mais, nossa missão é ajudar o Brasil a evoluir nesse processo”, explica o professor Carlos Ricardo Soccol, mentor da pós. Ele ajudou a organizar o doutorado em 1997, programa que não existia na área de engenharias no Brasil até então. A graduação foi criada em 2000 e o mestrado, em 2003. 

Para Soccol, ele próprio envolvido em mais de 81 patentes ao longo da carreira, essa é a maneira de um curso de tecnologia dar retorno ao dinheiro público investido. “Um programa desses custa caro para a sociedade manter. Com as patentes, estamos protegendo o conhecimento, porque elas são de propriedade da UFPR. Uma pequena parte dos royalties de produtos que venham a ser licenciados vão para os inventores, mas a maior parte fica com a universidade”, explica. A preocupação com inovação e transferência de tecnologia é a essência do curso. “Formar cidadãos na área tecnológica significa torná-los aptos a gerar riquezas ao Brasil, gerar produtos, que vão gerar impostos, retorno para todos”, acrescenta. 

Segundo a vice-coordenadora da pós, Luciana Vandenberghe, empresas de todos os tamanhos procuram o curso em busca de novos produtos ou ajuda para melhorar processos. Recentemente houve contato com a Vale, Ajinomoto e Ouro Fino, por exemplo. O programa conta com uma planta piloto de validação de tecnologias, para testar processos em escala semi-industrial. No dia em que a reportagem visitou o local, pesquisadores envasavam dezenas de litros de biofertilizante natural, que seriam levados para uma empresa interessada testar a tecnologia. 

O foco principal do programa é nas áreas de agroindústria e biocombustíveis, biotecnologia agroalimentar, mas também há pesquisas voltadas para a saúde humana e animal. Uma das patentes é hoje usada em secretarias de saúde, como os kits de diagnóstico para doenças infectoparasitárias. 

Química 

Quando a Capes divulgou o resultado que mostrava nota máxima da pós-graduação em Química da UFPR, a equipe envolvida estava em meio à celebração dos 25 anos do programa. Segundo o vice-coordenador, Luiz Pereira Ramos, esse curso é um dos mais competitivos do país, e estar entre os melhores foi uma grande conquista. Segundo ele, além da produção acadêmica, a gestão do programa também contribuiu para o resultado positivo. “Grande parte dessa avaliação está baseada na submissão à Capes de um relatório que deve ser comprovado em todas as suas nuances para chegar ao nível de qualidade que a Capes exige”, explica. 

O acompanhamento da formação do aluno também é essencial. “Há um rigor muito grande no acompanhamento dos alunos. Também temos grande visibilidade nacional e internacional reconhecidas com premiações, atestando a qualidade dos docentes que trabalham aqui conosco”, diz. O programa conta com 33 docentes e um deles, Aldo José Zarbin, é atualmente presidente da Sociedade Brasileira de Química, que em julho organizou o 46º Congresso Mundial de Química em São Paulo, com a presença de três vencedores do prêmio Nobel. 

O programa atua nas linhas de pesquisa físico-química, química analítica, química inorgânica e química orgânica. Entre as conquistas recentes está a participação de professores da área, juntamente com os de bioquímica, no desenvolvimento de uma tecnologia com potencial de diagnóstico rápido e acessível da dengue. 

Bom momento 

Além dos dois cursos com nota máxima, vários outros resultados foram comemorados pela UFPR. A maré de boas novas ajudou a melhorar o ânimo da instituição, que se viu envolvida em um esquema de fraude no pagamento de bolsa, desvendado pela Operação Research, deflagrada pela Polícia Federal em fevereiro deste ano. 

De 66 programas avaliados pela Capes, 29 conseguiram aumentar a nota em relação ao levantamento anterior, de 2013. Outros 33 mantiveram a mesma nota; 4 tiveram redução. O pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFPR, Francisco Mendonça, destacou que há oito cursos com nota 6, também considerados de alto nível. Além disso, o número de programas com nota 5 quase dobrou, de 14 para 27 em 2017. “Antes o nosso desempenho formava uma pirâmide com base muito larga, com muitos cursos nota 3. Isso mudou, são poucos os que estão nesse nível, e conseguimos mudar a pirâmide, que ficou mais encorpada em cima”, relata. 

Segundo Mendonça, os colegiados atuaram com muita dedicação para chegar a esses resultados. Ele destacou também o trabalho final feito pela Reitoria, para enviar os dados necessários para a Capes. Ele diz que o desempenho da pós-graduação se reflete na qualidade dos cursos de graduação. “Isso induz a formação dos professores e pesquisadores, e envolve os estudantes, que podem começar suas pesquisas em iniciação cientifica”, acrescenta. 

Retrato disso já aparece no ranking Universitário Folha 2017, divulgado em 18 de setembro. De 37 cursos de graduação avaliados, 17 estão entre os dez melhores do país. Para Eduardo Barra, pró-reitor de Graduação da UFPR, esses levantamentos devem sempre ser vistos com cuidado, porque podem mostrar retratos momentâneos. Mas ele considera que o resultado é fruto de anos de investimento na educação superior. “Entre 2005 e 2015 as verbas para educação cresceram 100%. Foi feito um investimento volumoso, que deixou de ir para outras áreas, para cumprir a ideia de que a educação não é custo, é investimento. Claro que não é colhido na primeira safra, mas ao longo de decênios”, observa. 

Barra atribuiu o desempenho geral dos cursos a dois fatores: qualificação dos professores e ingresso esclarecido do estudante. “Nossa universidade tem um programa expressivo de qualificação do corpo docente, que aumenta a produtividade. A cada seis, sete anos, o docente passa pelo menos um período letivo seis meses de tempo de pesquisa em outra universidade, normalmente no exterior”, observa. Além disso, a universidade tem investido em feira de profissões e na prestação de informações sobre o curso ao interessado. “Dessa forma os alunos compreendam melhor a natureza do curso, o que envolve, qual o currículo, quais as exigências, e assim ele escolhe o curso mais consciente, o que chamamos de ingresso esclarecido”, diz. 

Futuro 

A crise econômica e redução nos repasses para a educação preocupa diversos professores e coordenadores. Mas há uma postura mais otimista para enfrentar as dificuldades. “Passamos anos em que a universidade deixou de ser instituição que estava em crise permanente. O recuo de 2017 é muito expressivo, mas para os anos seguintes ainda vamos colher os frutos do período em que tivemos acréscimo exponencial de investimentos em educação”, opina Barra. 

“A pós é um grande investimento no desenvolvimento do país. Países desenvolvidos têm pós de ponta. Quero crer que a crise que vivenciamos seja passageira, porque ela existe, mas não coloca nosso país na situação anterior que estávamos. O Brasil é um país rico e a ciência é base para o desenvolvimento. A classe dirigente saberá rever a situação tão grave neste ano para que retomemos os investimentos em pesquisa”, avalia Mendonça. 

Soccol, do programa de Biotecnologia, também tenta ver saídas. Ele usa um argumento ainda mais prático: o do emprego. “Com esforço e dedicação, conseguimos superar dificuldades, mas se tivéssemos mais recursos, os avanços seriam mais expressivos em todas as áreas. E, na medida em que transformamos nossos produtos nas diferentes cadeias produtivas, em especial no agronegócio, nós empregamos brasileiros. Senão empregaremos na China, Europa, Estados Unidos”. 

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