A história da legalização do ensino domiciliar na África do Sul precisa ser mais conhecida, especialmente pela esquerda brasileira, pois explicita de forma muito intensa e simbólica o fato de que a pauta pertence ao campo dos direitos humanos. A lei que deu às famílias daquela nação a possibilidade de educar seus filhos em casa foi apoiada e sancionada em 1996 por Nelson Mandela, um ícone mundial da luta contra o racismo, que completava na ocasião dois anos como o primeiro presidente negro do país.
No início da década de 90, a África do Sul estava em plena ebulição social, com uma crescente revolta popular contra o regime segregacionista do apartheid, que dava à minoria branca significativos privilégios em relação aos negros, provocando frequentes situações de violência. A questão da igualdade racial, é claro, era o principal item na reivindicações por mais respeito aos direitos humanos, mas não o único. Vários temas humanitárias foram abraçados pelos movimentos reformistas e foi nesse contexto que um caso concreto envolvendo o ensino domiciliar, considerado ilegal pelo regime segregacionista, ganhou repercussão mundial.
Em dezembro de 1993, o casal Andre e Bokkie Meintjies foi condenado à prisão por educar os filhos em casa. Andre ficaria dois anos na cadeia e sua mulher, um ano. Enquanto isso, seus três filhos foram enviados para um orfanato e privados do contato com os pais. O extremismo da decisão judicial levou entidades internacionais dedicadas ao direito das famílias a agirem, provocando uma intensa campanha pela libertação do casal e pelo reconhecimento jurídico do direito de se educar os filhos em casa. A ação foi bem-sucedida e os Meintjies foram libertados, mas chegaram a cumprir seis meses da pena, encarcerados.
Em abril do ano seguinte, Nelson Mandela venceu a primeira eleição multirracial na história da África do Sul e seu governo engajou-se na aprovação do direito ao homeschooling. A primeira grande conquista se deu em novembro de 1996, com o South African School Act 84, que criou a modalidade de ensino domiciliar em seu artigo 51, no qual é determinado que as famílias optantes devem encaminhar a solicitação para a autoridade educacional local, permitindo que cada província estabeleça as próprias regras. O texto afirma que os requerentes devem seguir “os requisitos mínimos do currículo adotado nas escolas públicas” e que a qualidade da educação fornecida em casa deve seguir “um padrão não inferior ao padrão de educação oferecida em escolas públicas”.
Cerca de um mês depois, em 18 de dezembro, o presidente Mandela promulga a nova Constituição da África do Sul, agora, livre do apartheid. A fim de fortalecer o direito das famílias, o homeschooling também foi incluso no novo texto constitucional.
Hoje, o direito de educar os filhos em casa é intocável e respeitado por políticos de diferentes espectros ideológicos. O número de famílias registradas junto ao governo sul-africano que praticam ensino domiciliar gira em torno de 30 mil.
* Jônatas Dias Lima é jornalista e assessor parlamentar na Câmara dos Deputados, onde atua junto à Frente Parlamentar em Defesa do Homeschooling. E-mail: jonatasdl@live.com .
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