No papel, ninguém é contra a melhoria da educação no Brasil. Mas, na prática, sempre há divergência de como chegar lá. A campanha eleitoral de 2018 trará novamente o ensino brasileiro para o centro da pauta – a situação das escolas públicas, o acesso à universidade, as cotas. Em um momento de corte de verbas e uma recuperação econômica ainda lenta, soluções inovadoras podem aparecer no discurso dos candidatos.
Com trajetórias políticas diversas, os possíveis presidenciáveis tiveram oportunidades diferentes de atuar em torno do tema. Nomes como Geraldo Alckmin e Ciro Gomes já tiveram experiência em cargos no Executivo, enquanto outros, como Jair Bolsonaro, Marina Silva e Manuela D’Ávila, têm uma caminhada apenas legislativa. Ainda há os novatos no jogo político, que tentam pela primeira vez ocupar um cargo eletivo, como João Amoêdo e Henrique Meirelles.
A Gazeta do Povo foi atrás daquilo que os nomes cotados à Presidência já disseram – e fizeram – a respeito da educação ao longo dos anos.
Ciro Gomes
Os bons resultados do modelo educacional do Ceará são uma das principais bandeiras de Ciro Gomes às vésperas das eleições de 2018. Em suas falas, o político costuma citar as conquistas de seus aliados, sobretudo o bom desempenho do estado no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que compara escolas do país inteiro.
De acordo com a última avaliação do Ideb, 77 das 100 melhores escolas nos anos iniciais (até a 5ª série) estão localizadas no estado, e a melhor do Brasil se situa em Sobral – reduto eleitoral de Ciro e de seu irmão, Cid Gomes, governador do Ceará entre 2007 e 2015. Até o 9º ano do ensino fundamental, são 35 escolas cearenses entre as 100 melhores do país, segundo o Ideb.
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Ciro, que se manifestou contra a PEC do Teto dos Gastos Públicos, menciona o caso cearense como exemplo de que é possível otimizar os investimentos mesmo em um contexto de dificuldades. Para o pré-candidato, os investimentos per capita em áreas como educação e saúde estão abaixo do ideal devido ao que considera a “despesa mais perversa” – os juros da dívida pública.
Os críticos de Ciro apontam que a maioria das escolas bem avaliadas no Ceará não são de competência estadual, mas municipal, e que o sistema de ensino local teria se adaptado para burlar a prova do governo federal: a oposição acusa os governos cearenses de dar mais foco ao ensino de português e matemática (disciplinas avaliadas pelo Ideb) enquanto minimiza as outras matérias, e inflar as taxas de aprovação (o Ideb é resultado da multiplicação das notas dos alunos na avaliação nacional pela aprovação média registrada em suas escolas).
Geraldo Alckmin
Governando São Paulo desde o início do século, com uma interrupção entre 2007 e 2011, Geraldo Alckmin também usa o Ideb para propagandear as políticas educacionais adotadas em seu estado. Se o Ceará possui as melhores escolas individuais, especialmente nos anos iniciais, é São Paulo que conta com as melhores médias estaduais: o estado aparece em 1º lugar nos anos iniciais do ensino fundamental, em 2º nos anos finais, e em 1º no ensino médio.
Nos últimos anos, o governo instituiu um bônus a ser pago aos funcionários de escolas que atinjam ou superem as metas estabelecidas pelo próprio governo paulista, em um valor que chega a até 70% de um salário mensal. Em abril deste ano, cerca de R$ 290 milhões foram distribuídos entre 200 mil professores, diretores e técnicos pelos resultados registrados em 2016.
São Paulo também vem investindo na educação de tempo integral, com cerca de 152 mil alunos (número inferior a 4% do total das matrículas estaduais) em escolas do tipo, que têm jornadas de até nove horas e meia e três refeições diárias, além de disciplinas eletivas para compor o currículo obrigatório.
O governo paulista, porém, também enfrentou forte resistência do movimento estudantil em episódios como a tentativa de reorganização escolar ocorrida no final de 2015. Na época, para conter despesas, foi anunciada uma mudança no funcionamento do sistema em algumas cidades, que causaria o fechamento de quase cem unidades de ensino e transferências de alunos. O episódio foi marcado por ocupações de estudantes contrários à medida em todo o estado, e o projeto foi deixado de lado.
Guilherme Boulos
Coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e pré-candidato do PSOL à presidência, Boulos prevê a ampliação da participação do governo federal nos investimentos da educação. Segundo o presidenciável, como hoje a maior parte da conta recai sobre municípios e estados, as dificuldades financeiras são maiores para oferecer vagas e ensino de qualidade do que se a União estivesse mais envolvida.
Boulos considera “inadmissível” que uma economia como a brasileira destine “apenas” 5,5% do PIB à educação, e trabalha com uma plataforma de ampliação desse investimento para a faixa de 10%. Para bancar os custos, o PSOL trabalha com projetos de reforma tributária progressiva, impostos sobre grandes fortunas e um aumento do imposto sobre herança. Em uma edição do “Café com Boulos”, exibido no canal do pré-candidato no YouTube, ele afirma que essas reformas garantiriam 120 bilhões de reais a mais para o governo.
Os planos de Boulos preveem um maior número de vagas em universidades públicas e o controle de mensalidades em instituições particulares de ensino superior. Na escola, o pré-candidato se opõe ao ensino religioso e ao Escola Sem Partido. Segundo ele, “ninguém defende escola com partido. O que não podemos admitir é uma escola com um pensamento único, sem diversidade, sem pluralidade de opiniões e sem espírito crítico”.
Henrique Meirelles
Ex-presidente do Banco Central e ex-Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles foi lançado como pré-candidato do MDB à presidência sem ter ocupado nenhum cargo eletivo, mas com uma carreira fortemente ligada à área econômica. Em suas propostas, esse viés fica bastante claro – o presidenciável já chegou a declarar que, quando se fala sobre educação ou segurança pública, é preciso pensar primeiro na economia, central para as duas áreas.
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Segundo o coordenador econômico de Meirelles, José Márcio Camargo, o pré-candidato vai enfatizar a educação infantil, que hoje considera prejudicada pela prioridade dada pelo governo ao ensino superior. A ideia é aproveitar o “auge” de aprendizado das crianças, que seria entre os 6 e os 7 anos de idade. “Se perde esse começo, perde também uma parte importante do crescimento”, declarou Camargo, em entrevista recente. Para viabilizar a questão, a equipe de Meirelles estuda a criação de incentivos fiscais que permitam a abertura de vagas para crianças pobres em instituições particulares – uma espécie de “Prouni (Programa Universidade para Todos) para creches”.
O pré-candidato do MDB também pretende reformular o ensino médio, e diz se inspirar no modelo sul-coreano para implementar uma reforma que valorize o desempenho: “a educação brasileira precisa de mais desempenho e menos aprovação automática”, afirmou em seu Twitter, em maio. Acusado de tentar restringir os recursos para a pasta, Meirelles garante que os investimentos em educação seriam preservados em seu eventual governo. Seu plano é limitar o investimento mínimo na área, que será incrementado de acordo com a inflação do ano anterior.
Jair Bolsonaro
Além da sua conhecida trajetória militar, Bolsonaro também foi professor de educação física antes de iniciar a carreira política. Mas foi a vivência da caserna que marcou, principalmente, sua trajetória legislativa até hoje: seus primeiros mandatos foram conquistados com propostas voltadas a questões militares e, com o passar dos anos, a pauta gradativamente passou a incorporar temas relacionados à segurança pública.
Em 26 anos de Câmara, o pré-candidato que hoje ocupa o segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto foi autor de apenas um projeto ligado à educação. Ainda na década de 90, em seu primeiro mandato, Bolsonaro apresentou uma proposta que buscava conceder descontos em mensalidades escolares para famílias de militares que tivessem mais de um filho. O projeto não virou lei.
O que mais se destaca na atuação de Bolsonaro quanto à educação não é o que ele aprovou, mas o que contribuiu para vetar. Em 2011, foi um dos deputados mais ativos no processo que impediu a distribuição de um material sobre a homofobia nas escolas públicas brasileiras. Elaborada durante o ministério de Fernando Haddad, a cartilha foi apelidada de “kit gay” pelos opositores e acabou rejeitada.
Em entrevistas e nas redes sociais, o deputado usa as escolas militares como exemplo de excelência, e indica que sua presidência veria a militarização de um número ainda maior de escolas públicas – seguindo o modelo adotado em Goiás, onde a abertura de novos centros militares de ensino melhorou os índices de educação em escolas antes mal avaliadas. Bolsonaro também declarou que, se fosse presidente, convidaria um general ex-diretor de colégio militar para o cargo de Ministro de Educação.
João Amoêdo
Fundador e primeiro presidente do Partido Novo, o ex-banqueiro João Amoêdo defende uma inversão nas prioridades do investimento na educação existentes hoje no Brasil. Para ele, o governo federal deve deixar em primeiro plano o ensino básico, substituindo a atenção atualmente conferida ao ensino superior.
Na escola, Amoêdo propõe que o currículo do ensino fundamental inclua, além das disciplinas tradicionais, conhecimentos básicos de economia. “O entendimento das leis de mercado é fundamental nas decisões que tomaremos ao longo da vida”, escreveu, quando ainda era colunista da Folha de S. Paulo.
Outra proposta do Novo é que o governo não se dedique necessariamente à gestão direta da educação: em vez de investir diretamente em escolas e universidades, a União passaria a subsidiar os próprios estudantes, que poderiam escolher onde estudar. O pré-candidato usa como exemplo o Prouni, que oferece financiamento público para os alunos frequentarem faculdades privadas, e sugere que a mesma dinâmica poderia ser aplicada para outros níveis de ensino.
Manuela D’Ávila
Manuela D’Ávila é a mais jovem entre os cotados para o pleito presidencial do ano que vem. Aos 37 anos, ela já foi vereadora em Porto Alegre e deputada federal pelo Rio Grande do Sul entre 2007 e 2015, antes de regressar à capital gaúcha para ocupar um cargo de deputada estadual – a saída de Brasília foi, segundo a política, para favorecer a criação da filha, à época com cinco meses de idade.
Como deputada federal, Manuela D’Ávila foi ativa na discussão do novo Plano Nacional de Educação, iniciada em 2010 e só aprovado definitivamente em 2014. Entre as emendas que propôs, e acabaram não sendo incluídas, estava a destinação de 50% dos recursos do pré-sal para a educação pública, a realização de eleições diretas e paritárias para os conselhos universitários e o compartilhamento de responsabilidades dos Hospitais Universitários pelos Ministérios da Educação, Saúde e Ciência e Tecnologia.
Na Assembleia Legislativa gaúcha, como Procuradora Especial da Mulher, Manuela tem viajado o Rio Grande do Sul nos últimos meses para promover o “Seminário Educação sem Machismo”. O projeto que busca “capacitar os e as participantes para a aplicação de aulas e oficinas que abordem temas como as desigualdades de gênero e o machismo”, segundo o material de divulgação da Assembleia.
Marina Silva
Eleita senadora no Acre pela primeira vez em 1995, quando ainda militava no PT, a filha de seringueiros Marina Silva alcançou proeminência nacional defendendo a causa ambientalista. Durante o governo Lula, chegou a se afastar do Senado por cinco anos para ocupar a pasta de Meio Ambiente. Permaneceu como ministra entre 2003 e 2008, o que a afastou de votações relacionadas à educação – seu posicionamento mais recente sobre o tema apareceu, sobretudo, nas promessas das últimas duas campanhas presidenciais.
A plataforma de Marina Silva apregoou a necessidade de promover a educação integral no ensino básico do país inteiro, tendo como objetivo primordial atingir as metas internacionais de combate ao analfabetismo. A própria Marina cresceu sem acesso à educação básica, alfabetizando-se somente aos 16 anos de idade, por meio do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização, programa federal existente entre 1971 e 1985).
Com propostas incipientes, o programa de governo apresentado por Marina nos pleitos anteriores é marcado por um tom de promessa, com poucos detalhes de como seria implementado. Entre as propostas, estava a abertura de mais universidades no interior do Brasil, para suprir a demanda de concluintes do ensino secundário em regiões remotas, e mais oportunidades de intercâmbio fora do país para estudantes do ensino médio, além da valorização dos professores.
Partido dos Trabalhadores
Ainda sem candidato definido em um cenário sem Lula, a tendência é que qualquer nome escolhido pelo PT se escore nos números do ex-presidente para seduzir o eleitorado. Priorizando o ensino superior, o governo Lula promoveu a maior expansão universitária no Brasil desde o regime militar. Entre 2002 e 2010, o número de vagas em universidades do país quase dobrou, passando de 3,52 milhões para quase 6,38 milhões de alunos matriculados em instituições públicas e privadas.
A ampliação de vagas veio acompanhada de medidas criticadas tanto pela oposição – como a adoção de cotas raciais nos processos seletivos – quanto por apoiadores do governo – com um número cada vez maior de instituições de ensino superior privadas no país, favorecidas pela flexibilização de critérios nas avaliações federais de qualidade.
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Apesar de apontar a expansão das universidades federais como uma de suas conquistas, o governo Lula fez a fatia de mercado ocupada por universidades particulares bater recordes históricos, chegando a mais de 74% das matrículas em 2010.
O foco dado ao ensino superior não foi equiparado por uma mesma atenção na educação básica. Embora a taxa de analfabetismo tenha se reduzido ao longo dos oito anos de governo (de 11,8% dos brasileiros acima de 15 anos em 2002 para 8,6% em 2011), o Brasil seguiu ocupando as últimas posições nos rankings internacionais de educação, em avaliações como o Pisa (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Estudantes).
A falta de investimentos de longo prazo na educação básica fez o Brasil piorar o já pífio desempenho e perder posições na classificação mundial do Pisa durante o governo seguinte, de Dilma Rousseff. Na avaliação mais recente, feita em 72 países em 2015, o Brasil ocupava a 59ª posição em leitura, 63ª em ciência e 66ª em matemática.
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