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Chamado de “demissionário” por seus inimigos, o ministro da Educação Abraham Weintraub está na corda bamba. Melhor, ele sempre esteve na corda bamba. Desde o dia que assumiu a pasta, em 9 de abril de 2019, o economista entrou pisando forte e nunca escondeu seu objetivo de fazer uma verdadeira mudança no MEC, doa a quem doer: “quem continuar com guerra dentro do MEC, está fora”, disse a servidores, na cerimônia de transmissão do cargo.
Weintraub não foi escolhido por acaso pelo presidente Jair Bolsonaro. Um dos motivos que levou Bolsonaro ao poder foi a promessa de mudar a educação do Brasil, lutando contra uma das principais causas do seu fracasso, na visão do recém-eleito e de seus eleitores: a doutrinação marxista na educação básica e nas universidades federais. Era preciso dar espaço para a difusão de ideias diferentes, como o liberalismo econômico e a meritocracia, e aplicar melhor uso do dinheiro público. A gestão desastrosa do primeiro ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, necessitava de uma resposta rápida e nada como um reconhecido professor de universidade pública, com experiência na iniciativa privada e temperamento colérico, que não tem vergonha de falar com veemência contra o “marxismo cultural” para assumir as rédeas da pasta.
Em uma das suas primeiras entrevistas à imprensa após a posse, Weintraub confirmou as expectativas do presidente: fazer mais com menos dinheiro – “o Brasil gasta como um país rico e tem indicadores educacionais de um país pobre”, disse –, melhorar a alfabetização no Brasil e tomar decisões de acordo com evidências científicas e não “de acordo com a ideologia de esquerda”. O orçamento do MEC é de cerca de R$ 130 bilhões anuais e o gasto per capita por aluno é maior do que o de outros países que têm desempenho muito melhor em testes internacionais.
Não se sabe se Weintraub imaginava a resistência que iria enfrentar nas escolas e universidades públicas. Não se sabe também se depois dos atritos com a oposição e com o Supremo Tribunal Federal – com os quais o presidente está tentando negociar para manter a sua governabilidade –, o presidente conseguirá e quererá manter Weintraub na Educação.
Mas tirando toda a nuvem de fumaça de tuítes agressivos, palavras e gestos problemáticos, o fato é que Weintraub iniciou, sim, mudanças importantes para a educação – e mexeu no bolso de muita gente.
Confira abaixo algumas iniciativas realizadas sob a batuta de Weintraub, em qual estágio estão, quais são as forças contra elas e o que pode ocorrer se o MEC decidir voltar atrás. No fim da matéria, assista a vídeos em que Weintraub fala sobre o marxismo cultural, o aparelhamento e a corrupção no MEC e as universidades federais.
Alfabetização: menos Paulo Freire e mais ciência
Por mais louvável que possa parecer o trabalho de Paulo Freire, e sem entrar na discussão se é possível separar o seu método de alfabetização da doutrinação política, não há mais dúvidas científicas de como o cérebro aprende a ler e a escrever e como os caminhos técnicos apontados por Freire para alfabetizar e educar, mesmo depurados de ideologia, continuam precários.
Além de Paulo Freire, os péssimos índices educacionais no Brasil, com melhoras ínfimas nos últimos anos, não deixam dúvidas que o país segue outras teorias, chamadas por alguns de “pedagogia do fracasso”, que congelaram um modo de formar professores baseado em ideias há muito ultrapassadas pela ciência.
O difícil é que, para mudar esse modo de ensinar, é preciso lidar com estruturas cristalizadas nas universidades, nas secretarias de educação, nos sindicatos de professores e até no relacionamento com empresas de educação que há anos enriqueceram com livros didáticos bancados pelo governo e iniciativas fundamentadas nesse ideário. Esse movimento vai demorar anos, mas tem de começar logo, com diálogo, quebrando a resistência de educadores.
E não é a primeira vez que se tenta fazer isso: em 2011, a Academia Brasileira de Ciências publicou um documento que reuniu estudos de anos anteriores sobre a Aprendizagem Infantil, reunindo descobertas da neurociência e da psicologia cognitiva. Mas ele ficou apenas no papel.
Ao assumir a pasta, Weintraub deu continuidade ao Plano Nacional de Alfabetização já iniciado com Vélez, mesmo com todas as críticas dos grupos citados acima contra essa iniciativa. Em outubro de 2019, reuniu cientistas e pesquisadores internacionais na 1ª Conferência Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências (Conabe) – cujos vídeos, que reúnem a nata da ciência cognitiva da leitura, estão publicados na íntegra no canal do MEC no YouTube.
Sem obrigar os educadores a nada, Weintraub disponibilizou um programa que ensina os professores a utilizar um sistema de alfabetização baseado em evidências científicas, bastante criticado também, mas que já teve mais de 200 mil inscritos de 2 milhões de visualizações.
Na entrevista exclusiva que deu à Gazeta do Povo em novembro de 2019, ele falou que pretende bonificar professores com bons resultados em alfabetização, sem verificar o método utilizado, mesmo que seja Paulo Freire.
“Se eles querem continuar usando o vodu que é Paulo Freire – porque é um vodu, não tem comprovação científica nenhuma; aliás, tem, não funciona – podem continuar, só que o resultado vai ser ruim e eles vão receber menos recursos no futuro, porque o resultado é ruim. Mas se eu estiver errado, e o Paulo Freire, depois de 25 anos que ele é louvado aqui no Brasil, começar a funcionar, mérito dele, vai receber dinheiro. Meu objetivo não é utilizar ou não Paulo Freire. O objetivo é que as crianças do Brasil, ao terceiro ano do ensino fundamental, saibam ler”, disse.
Colégios cívico-militares
Outra iniciativa bastante criticada pelos educadores de esquerda é o programa de Weintraub que pretende transformar 216 colégios públicos de ensino fundamental e médio em escolas com professores civis e administração militar.
O modelo é parecido ao adotado em Goiás, que tem 53 escolas desse estilo, um dos motivos pelos quais o estado conseguiu saltar, entre 2007 e 2017, do 16º lugar para primeiro lugar no Ideb, o índice que mede a qualidade do ensino Brasil.
Nesses colégios há disciplina, meritocracia e o ingresso dos alunos, no caso de Goiás, é por sorteio. Em dezembro de 2019, o governo formou profissionais para começar a atuar em 54 escolas no Brasil, escolhidas após a adesão voluntária de estados e municípios.
Weintraub rechaçou análises de que o aluno seria militarizado e falou apenas na necessidade de disciplina e de melhorar a qualidade do ensino.
“Eu peço um pouco de paciência. Assim como a grande maioria dos brasileiros quer escola cívico-militar, existe um pequeno grupo de pessoas organizadas, de movimentos ideológicos, tentando impedir, então não há margem para fracasso. E por que a escola cívico-militar é tão importante? As que já existem têm um desempenho acadêmico de seus alunos muito superior à média nacional, equiparando os nossos alunos ao nível dos países ricos. O grau de segurança das crianças aumenta imensamente”, disse.
Bolsas da Capes para pesquisas de qualidade: “muita produção irrelevante”
Outro vespeiro que Weintraub mexeu foi na concessão de bolsas pela Capes, fundação do governo responsável pela expansão dos cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado).
Como já mostraram reportagens da Gazeta do Povo, há manobras para inflar notas de cursos e outras práticas questionáveis, mas o ministro só apontou só um item: a falta de qualidade de algumas das pesquisas realizadas, que demandam dinheiro público que poderia ser melhor aproveitado.
Usando dados da plataforma Web of Science, que mostram que o Brasil ocupa a 13º posição em quantidade de pesquisas (571 mil papers), mas está apenas no 74º lugar em impacto científico, atrás de países como Chile, Argentina, Uruguai e Peru (que investem menos que o Brasil em pesquisa), a Capes anunciou mudanças, retirando bolsas de cursos com notas baixas e privilegiando cursos com os melhores desempenhos.
"Meu objetivo não é dar bolsa, mas descobrir a cura da dengue. Meu objetivo não é dar bolsa, meu objetivo é que se descubra o mal de chagas; que a gente selecione professores melhores para ensinar as nossas crianças a ensinar e a escrever melhor. O objetivo final é o bem-estar da população. O que a gente está fazendo é buscar eficiência, gerar recursos e colocar métricas muito claras", disse Weintraub.
Leia também: “Tamanho não é documento”: nossas universidades produzem milhares de pesquisas, mas impacto global é pequeno
Universidades: mais retorno para a sociedade, sem medo da iniciativa privada
A parceria universidade e iniciativa privada, com investimento público para pesquisa, é a fórmula de sucesso das melhores universidades do mundo e das regiões mais ricas do planeta. O exemplo mais citado nesse sentido é a região do Vale do Silício, na Califórnia, onde está, por exemplo, a Universidade de Stanford, há anos entre as 10 melhores universidades do mundo e uma das que têm o maior número de prêmios Nobel.
O Brasil, porém, está longe desse quadro – ainda que tenha ilhas de excelência. Ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, onde 80% dos pesquisadores doutores das universidades estão em empresas privadas de inovação, esse número não chega a 20% em solo brasileiro. Hoje, as universidades brasileiras têm centenas de patentes, cujos registros são mantidos a altos custos, mas que estão na gaveta, porque nenhuma indústria se disponibilizou a colocá-las no mercado. Dinheiro público gasto na produção de conhecimento, mas que não teve retorno para a sociedade.
Isso ocorre porque o país mantém ainda um conjunto de entraves que impedem a transferência de conhecimento produzido nas universidades para a sociedade ou vice-versa. O primeiro e mais forte deles é cultural: há reitores que ainda ganham eleições com o discurso de manter as universidades longe das empresas. O segundo, são obstáculos legais, enraizados em um modelo estatizante.
Confunde-se autonomia universitária com exclusividade de financiamento estatal. Mas se é verdade que a maior parte das pesquisas importantes do mundo conta com investimento público, também o é que em nenhum ponto do planeta a aplicação da pesquisa realizada nos laboratórios se dá sem a parceria com a iniciativa privada e outras organizações sociais. Em polos de desenvolvimento de países como Estados Unidos e China, as universidades se transformam em grandes empresas e vice-versa. O conhecimento produzido é rapidamente viabilizado comercialmente.
A mudança desse engessamento cultural vai demorar anos e não depende só do MEC, mas Weintraub tentou catalisar essa transformação com o projeto “Future-se” – que causou uma série de protestos de professores e estudantes que o acusaram de querer “prostituir a universidade com o mercado”, ainda que também teve apoio de algumas instituições.
De adesão voluntária, o Future-se quer estimular o aumento do financiamento privado nas instituições públicas de ensino, melhorar a eficácia das pesquisas dando a elas exigências de mercado e dar a oportunidade de que professores com talento possam ganhar dinheiro com suas descobertas.
Ao estimular que as universidades públicas se unam às empresas, o governo também quer mais transparências nas contas para fiscalização pública sobre o uso dos recursos investidos e apertar o cerco à corrupção.
Um levantamento do Tribunal de Contas da União demonstrou que 86% das instituições federais de ensino superior têm nota abaixo de 5, em uma escala de 0 a 10, em gestão do dinheiro. Ou seja, as universidades têm dificuldade para detectar irregularidades ou desvios na execução dos recursos, bem como para promover as mudanças necessárias. E os valores não são pequenos, uma universidade como a UFRJ, por exemplo, tem um orçamento anual de R$ 3 bilhões, sendo que quase 90% desse valor é usado em folha de pessoal.
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Os casos de corrupção e irregularidades também não são raros. Para citar um exemplo, a gestão da ex-reitora da UFMT, em Cuiabá, Myrian Thereza de Moura Serra, exonerada em 1º de abril, é um bom exemplo do desperdício de dinheiro público. Relatório da Controladoria-Geral da União encontrou danos graves ao erário, com pagamentos indevidos a fornecedores e parceiros.
“É uma destruição de dinheiro gigantesca. São bilhões e bilhões e bilhões de reais que, todos os anos, são jogados na privada. Mais que jogados na privada, eles servem para alimentar uma militância espúria que se volta contra a própria sociedade, contra nós, pagadores de imposto”, disse o ministro em entrevista para a Gazeta do Povo.
“Foi criada uma máquina, um mecanismo, a serviço de movimentos políticos. Não é que todas as universidades sejam assim, o que torna mais dramática a situação. Há o joio e o trigo, você tem um Coppe [Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia] na Universidade Federal do Rio de Janeiro, tem áreas maravilhosas. Odontologia no Brasil é top, é referência.”
“O Future-se permite libertar. A primeira coisa importante: a gente não diminuiu nenhum centavo para essa turma. São bilhões que vão para lá, são valores gigantescos. A gente poderia reduzir do orçamento do ano que vem [das universidades], mas não estamos reduzindo, está mantido. A gente quer criar um estímulo para que o trigo germine mais. Com o Future-se, podendo buscar parceria com a iniciativa privada, achamos que os bons elementos dentro das universidades, que são muitos, vão estar mais fortes, vão poder se organizar, poder buscar recursos da iniciativa privada e, com isso, vão trazer mais pessoas para a carreira acadêmica que queiram produzir conhecimento ou formar alunos. E não ficar na militância.”
Após abertura para consulta pública, o Projeto do Future-se foi enviado para apreciação do Congresso no fim de maio.
Menos dinheiro para a UNE, reduto dos partidos de esquerda
Outra medida bastante questionada pela oposição foi a tentativa de Weintraub de dar um golpe mortal na União Nacional de Estudantes (UNE), que é um reduto da esquerda: com exceção do período entre 1950 e 1956, quando foi comandada por um grupo ligado à União Democrática Nacional (UDN), a organização estudantil ficou o resto do tempo nas mãos de líderes de partidos como PT, PCdoB.
Ao criar a carteirinha de estudante digital, online e grátis, por meio de medida provisória (MP), o ministro ameaçou a principal fonte de renda da UNE, as carteirinhas de papel, que custam R$ 35 ao ano e permitem algumas facilidades, como a meia-entrada em espetáculos. “Vou facilitar a vida dos estudantes. Não vai ter mais que pagar para a UNE, que quem manda lá é o PCdoB. Vai faltar dinheiro para o PCdoB”, disse Weintraub.
A MP acabou caducando, porque deputados e senadores não analisaram a proposta. Mas quem fez a carteirinha durante o período de vigência da medida, mais de 300 mil estudantes, acabou sendo beneficiado com o recurso.
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Enem rumo ao modelo digital
No início de 2019, com a economia do Brasil depauperada, o contingenciamento de recursos em vários setores, também na educação, e com os embates que Weintraub já tinha começado a provocar com suas medidas, propagou-se a ideia de que o Enem 2019 não iria ocorrer. A edição ocorreu normalmente nos dias das provas, com poucos percalços em comparação com os últimos anos, mas teve problema de contagem de pontos em 6 mil das 5 milhões de provas, que depois foram corrigidos pelo MEC.
Agora, o MEC pretende transformar o Enem impresso em digital, para economizar e fazer mais edições do exame ao longo do ano, como ocorre com o SAT nos Estados Unidos. O objetivo é que o exame seja 100% digital em 2026. A estimativa de custo para o Enem Digital, em 2020, é de R$ 20 milhões. A prova impressa custa quase R$ 500 milhões.
O que pode ocorrer se Weintraub sair?
A maior parte dos projetos acima – e os não descritos, como a quebra de contratos com suspeitas de irregularidades, fechados há anos com grandes organizações – depende de uma personalidade decidida a mexer com essas estruturas questionáveis, irregulares, ilegais e corruptas.
Goste-se ou não de Weintraub, e dos seus modos, ele abriu várias frentes para mudar a educação e tentou fechar a torneira de gastos públicos inúteis. Ameaçado várias vezes, ele admitiu ter medo de morrer por causa disso e que era movido pelo ideal de “livrar o país da ‘tigrada’”, das ações totalitárias que tentam dominar os recursos econômicos do Brasil.
“Não tenho nada a ganhar com isso e é lógico que eu tenho medo. Não sou louco, eu tenho medo físico de morrer, tenho medo que façam mal físico a alguém da minha família (...). Se esse país, por acaso, cair na mão do PT de novo, eu tenho que sair do país, não tenho a menor dúvida do que eles vão fazer”, disse.
Caso Bolsonaro ainda esteja disposto a lutar pelas mesmas bandeiras que defendeu na campanha e tiver de prescindir de Weintraub, terá de encontrar alguém tão disposto quanto ele. Só não se sabe se, agora, com tantas pressões, ele ainda vai continuar a bancar tudo isso. Só o tempo dirá.
* Entrevista dada à Gazeta do Povo em novembro de 2019:
* Entrevista dada à Gazeta do Povo em abril de 2020:
* Participação de Abraham Weintraub em dezembro de 2018, na Cúpula Conservadora das Américas: