Artigos recentes da Gazeta mostraram que o Brasil, apesar do 14º lugar no ranking mundial de quantidade de publicações científicas, está em posição extremamente desfavorável no ranking de impacto e relevância científica. Para determinar o impacto das publicações de um país, medimos as citações por artigo (CPP, citations per paper). Analisando o Brasil no ranking CPP de nações que publicaram pelo menos 2 mil trabalhos, ficamos em 61º lugar entre 73 países em 2015. Nesse ano a pequena Estônia, última colocada em quantidade de publicações (63º lugar), ficou em 1º no ranking CPP: seus 3.037 artigos receberam 28.680 citações, resultando em um CPP = 9,44. Embora o Brasil tenha publicado 22 vezes mais que a Estônia (68.684 publicações em 2015), nosso impacto científico (CPP = 3,97) foi pífio, representando 42% do impacto estoniano.
Para começar a entender a Estônia, vamos primeiro analisar o impacto das suas publicações ao longo de 20 anos. Entre 1997 e 2003, o impacto estoniano oscilou entre 52% e 62% do 1º lugar do ranking mundial de CPP (Suíça ou Dinamarca), apresentando um grande salto em 2004. Subiu para 70,8% do 1º lugar e oscilou entre 62,5% e 71,3% até 2011. Em 2012, apresentou um segundo grande salto de qualidade, subindo para 85,5% do 1º lugar. Alcançou o 1º lugar em 2015 entre países com pelo menos 2 mil publicações.
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A Estônia destacou-se em (i) física e astronomia, (ii) bioquímica e genética, (iii) biologia e agricultura e (iv) medicina, oscilando entre 1º a 3º lugar do mundo em 2015, dentre os países que publicaram ao menos 300 artigos nessas áreas.
Qual é a posição do Brasil em relação ao 1º do mundo em impacto? Passamos de 40,4% em 1997 para 49,4% em 2005 (o melhor ano). Depois disso, caímos até 41,8% do 1º lugar em 2017, apesar da imensa pressão da Capes para se publicar em revistas de elevado fator de impacto. Tendo em vista as altas taxas de depressão e ansiedade de doutorandos (principal mão de obra da ciência), assim como os vultosos recursos públicos, é válido sustentar esse custo socioeconômico para um resultado de tão baixo impacto?
Os críticos habituais diriam que o problema seria o pequeno investimento em ciência e tecnologia e inovação (CT&I). Mas não é verdade. De acordo com a Unesco, o Brasil investiu em 2016 aproximadamente 1,3% do PIB em CT&I. Tal percentual é o mesmo que outros países com impacto científico maior que o nosso: Irlanda, Itália, Hungria, Nova Zelândia, Espanha e Portugal, com CPPs de 5,64 a 7,57.
A Estônia também aplicou 1.3% do PIB em CT&I em 2016. Qual seu segredo? Localizada no leste do Mar Báltico, a Estônia dispõe de uma longa história que remonta aos vikings. Porém, sua república só existe há 28 anos e tem apenas 1,3 milhão de habitantes. Essa pequena república integrou a antiga URSS até 1991, mas hoje é vista como uma das nações mais livres do mundo. De acordo com o livro Why Nations Fail (2012), a Estônia é tida como um dos maiores sucessos do Leste Europeu. Mas quais seriam os motivos?
A Estônia começou a realizar profundas reformas nos anos 90, quando especialistas não viam esperança no país. A população chegou a viver na linha da pobreza, com um salário médio de 2,73 dólares por dia em 1993. Contudo, o salário médio saltou para 1.310 euros/mês em 2018. Em meio à crise dos anos 90, uma das primeiras medidas foi o combate à inflação, reduzida de 1000% em 1992 para 29% em 1995. Na tentativa de superar esse cenário hostil, o país recorreu a medidas impopulares como a busca do equilíbrio fiscal, privatização, reforma tributária e corte de subsídios.
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Um dos principais responsáveis por essa agenda reformista dos anos 90 na Estônia foi o primeiro-ministro Mart Laar, cujas ações deram sustentação à robusta taxa de crescimento de 6 a 10% ao ano, entre 2001 a 2007. Foi nessa época que a Estônia teve seu 1º grande salto de qualidade científica. De acordo com o Fraser Institute, a Estônia chegou ao 13º lugar de liberdade econômica em 2016, enquanto o Brasil sustentava o 144º lugar. Esse conjunto de medidas contribuiu para que o PIB per capita da Estônia chegasse a 19,7 mil dólares em 2017, comparado com 9,8 mil dólares do Brasil.
Paralelamente a essas reformas econômicas, a Estônia investiu em educação. Destacamos o projeto governamental Tiger Leap, que introduziu tecnologia no sistema educacional. O governo forneceu computadores para todas as salas de aula, adaptando os estudantes ao mundo digital desde cedo. Como todas as escolas ficaram online, o ex-presidente Toomas H. Ilves chamou o país de E-stonia. O país passou a ser também um dos mais avançados no uso da tecnologia nas atividades governamentais, reduzindo a burocracia e aumentando a eficiência na emissão de documentos oficiais. Não é por acaso que a abertura de uma empresa na Estônia leva 15-20 minutos, o que contribuiu para que se tornasse um dos países europeus com o maior número de startups.
Com um índice de alfabetização de quase 100%, o país lançou o ProgeTiiger em 2012, um projeto para ensinar programação para crianças de escolas públicas e privadas a partir dos 7 anos. Assim, as crianças podem desenvolver suas próprias histórias interativas com o auxílio do Scratch do MIT Media Lab. Essas medidas permitiram um currículo escolar especializado em tecnologia, cuja área é uma das principais da economia do país. Resultado: destacou-se em 3º lugar no exame PISA de ciências em 2015. Ficou em 8º lugar em matemática, com uma pontuação próxima do 1º lugar (520 versus 564 pontos de Singapura), enquanto o Brasil obteve apenas 377 pontos.
Devemos reconhecer que há diferenças consideráveis quanto às dimensões populacionais e geográficas entre o Brasil e Estônia, mas a república báltica é a prova de que uma sociedade responde a incentivos, o que permite reduzir burocracias e suplantar determinismos. Investimentos em educação com qualidade, em uma economia de livre-mercado, permitiram um grande avanço da Estônia em CT&I. Tal avanço é utilizado para melhorar ainda mais a educação e a economia, num ciclo virtuoso. Temos muito que aprender com os estonianos!
*** Fontes de dados sobre a Estônia