A meta de vagas em creches ainda está longe de ser cumprida pelo governo federal e prefeituras do país. É o que mostram os dados divulgados na quarta-feira (19) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ao todo, das 10,1 milhões crianças de 0 a 3 anos, 34,2% estão matriculadas. O percentual fora das creches representa 6,7 milhões de crianças, das quais pelo menos 61,8% das famílias tinham interesse em conseguir uma vaga, segundo levantamento do IBGE de 2017.
Leia também: Um aluno no ensino superior custa 10 crianças na creche, afirma ministro
E também: A primeira infância em primeiro: por que focar os investimentos nessa fase é mais inteligente
Ao mesmo tempo, o Brasil tem 1.085 obras de escolas e creches paralisadas, segundo o Sistema de Execução e Controle do Ministério da Educação (SIMEC). Entre as causas para esse quadro estão a má gestão de recursos e fraudes, aponta a ONG Transparência Brasil, que fiscalizou 135 obras de creches no país entre 2017 e junho de 2019.
O índice de 34,2% de crianças atendidas por creches ou escolas no Brasil teve um aumento de 1,5% em comparação ao ano anterior, quando registrou 32,7%. Ainda assim, o indicador está distante da meta do Plano Nacional de Educação (PNE) de ofertar educação infantil para 50% das crianças de 0 a 3 anos, principalmente entre os mais pobres, onde a demanda é maior. A intenção é alcançá-la em 2024.
Fraudes, abandonos e falta de fiscalização: os motivos das obras paradas
A quantidade de crianças matriculadas poderia ser maior se as obras projetadas desde 2007 pelo programa ProInfância tivessem saído do papel. Das 29.117 construções, apenas 13.974 foram concluídas ao longo dos 12 anos da iniciativa. O número corresponde a menos da metade, 47,9%.
A investigação realizada pela ONG Transparência Brasil revela falhas em todas as etapas do ProInfância desde a licitação e contratação, passando pela execução da obra até chegar à entrega da creche.
Das 135 obras acompanhadas desde 2017 pelas equipes de fiscalização da ONG, 55 iniciaram e foram canceladas, deixando um prejuízo de R$ 23,8 milhões de recursos já investidos.
Outras 25 foram concluídas, mas não sem enfrentar desafios. Dessas, 13 transcorreram sem que o contrato fosse rescindido entre prefeitura e empresas e, mesmo assim, apenas uma foi entregue no prazo inicialmente determinado. As outras 12 tiveram atraso médio de 481 dias, mais de um ano depois do cronograma prévio, em decorrência de rescisão contratual.
Os números ainda mostram que 34 estão em andamento, outras 18 encontram-se paralisadas e três ainda nem foram iniciadas.
Entre os problemas apontados no relatório estão a escolha de terrenos impróprios, atraso no recebimento dos recursos públicos, burocracia na prestação de contas, mecanismos vulneráveis de controle cidadão e deficiências na elaboração, fiscalização e execução dos contratos.
“De maneira geral, as obras do Proinfância são, na melhor das hipóteses, entregues com alguns meses de atraso; e na pior, iniciadas e abandonadas por anos a fio, sem perspectiva de retomada e gerando desperdício de recursos públicos”, diz um trecho do relatório da Transparência Brasil.
O Centro Municipal de Ensino Infantil Avelino Piacentini, em Campo Mourão, no Paraná, é exemplo da ineficiência da execução do ProInfância. A obra, de R$ 1.927.667,98, tinha previsão de entrega para 1º de fevereiro de 2018. Contudo, em agosto de 2016, o Ministério da Educação bloqueou os repasses. Atualmente, ela está paralisada, com 59,12% concluída e com nova data de entrega para 8 de dezembro de 2019.
A prefeitura de Campo Mourão respondeu à Transparência Brasil que a empresa abandonou o contrato, causando a paralisação e que aguarda autorização do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para licitá-la novamente.
O Ministério da Educação, por meio do FNDE, é o gestor máximo do ProInfância. Além do recurso ao município, o programa prevê assistência técnica às prefeituras. Por outro lado, as cidades são responsáveis por lançar licitação, contratar a empresa e acompanhar a execução da obra.
“Nessa parceria, há muitas falhas e parece que fica cada vez menos provável que as obras sejam concluídas e entregues em condições de bom funcionamento”, comentou Bianca Mondo, coordenadora da fiscalização do ProInfância na Transparência Brasil.
Erros de gestão
Um dos motivos para o cancelamento de muitas obras foi uma decisão equivocada tomada pelo governo, em 2012. Naquele ano, o governo federal tentou implantar a construção de creches por meio de “metodologias inovadoras de construção”, com o uso de materiais pré-moldados, ao invés da alvenaria convencional, até então praticada pelas empresas.
A medida foi adotada com as obras em andamento, fazendo com que empresas desistissem da construção por não trabalharem com o novo sistema. Além disso, por esse motivo alguns projetos nem chegaram a ter empreiteiras contratadas.
Em 2015, o MEC retomou ao modelo de construção convencional de alvenaria, causando ainda mais confusão entre empresas e prefeituras.
O vai e volta de medidas do governo federal gerou o abandono de 249 obras em estágio de execução, pois elas não permitiam mais a readequação, alcançando um dano de R$ 210 milhões de verba pública, segundo mostra outro relatório sobre o ProInfância, dessa vez produzido pela Controladoria-Geral da União (CGU). Publicado em 2018, o relatório mostrava que de 8,8 mil obras previstas entre 2007 e 2017, apenas 39% haviam sido concluídas.
Na licitação, um problema comum encontrado tanto pela Transparência Brasil como pela CGU tem relação com a questionável capacidade financeira de muitas das empresas contratadas. Em Gravataí, no Rio Grande do Sul, por exemplo, a prefeitura contratou emergencialmente uma empreiteira com capital social de R$ 20 mil, apenas 0,5% do valor da construção de três creches, que totalizaram R$ 4,3 milhões. Nenhuma das obras foi entregue depois de dois anos da contratação.
Para Bianca Mondo, do Transparência Brasil, os municípios brasileiros apresentam insuficiência técnica e de efetivo de servidores para acompanhar todas as etapas do programa ProInfância.
“O município tem que licitar, contratar e fiscalizar, mas é possível ver que, na média, as cidades estão fazendo de maneira inadequada”, lamenta.
Dos estados com obras paralisadas, Maranhão registra o maior número, com 142 obras estagnadas. Lá, mostra o IBGE, a taxa de escolarização é de 30% entre crianças de 0 a 3 anos.
Para piorar esse cenário, entre janeiro e abril de 2019 o investimento reservado ao ProInfância foi de apenas R$ 10,3 milhões, o menor recurso para o programa desde 2009. A previsão orçamentária foi realizada em 2018, durante o governo de Michel Temer. No primeiro quadrimestre de 2018, esse valor foi de R$ 81,6 milhões.
Procurado, o FNDE informou apenas que, em relação às construções paralisadas, está sendo “desenvolvido um tratamento especial de contato direto com os entes federados, a fim de auxiliá-los quanto a eventuais dúvidas e retomada da execução das obras”.
Deixe sua opinião