Dominado por estudantes de esquerda há, pelo menos, seis décadas, o ambiente acadêmico brasileiro assiste ao crescimento exponencial de jovens com um pensamento bem diferente. A onda de alunos autodeclarados de direita e liberais não é nova, mas tem crescido sensivelmente, impulsionada por grupos conservadores que mostraram a sua força nas eleições do ano passado.
Atualmente, as principais instituições de ensino superior do Brasil possuem grupos organizados pela juventude de direita. Eles estão nas mais conhecidas, como a Universidade de São Paulo (USP), de Campinas (Unicamp), Federal do Paraná (UFPR) e Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), até nas instituições do interior, como a Federal de Alfenas (Unifal), em Minas Gerais; e a Estadual de Londrina (UEL), no norte paranaense.
Para o professor do Instituto de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Dennys Xavier, até 2016, esses grupos de direita universitários viviam o ostracismo em razão da superioridade numérica de docentes e leituras alinhados ao pensamento de esquerda. Somado a isso, na visão dele, a crise econômica acentuada no segundo governo de Dilma Rousseff (PT) causou um "choque de realidade" sobre o modelo estatizante vigente no país. As redes sociais viraram o ponto de encontro.
“Os grupos de direita sempre existiram em algum grau de organização, mas ainda estavam engatinhando dentro das universidades e no ostracismo. As eleições catalisaram isso e as redes sociais tiveram papel fundamental porque com elas aqueles que pensavam pela liberdade e direita viram que não estavam sozinhos. Houve uma reafirmação dessa tendência e ventilação desse movimento. De repente, o menino de direita não ficou mais sozinho na sala de aula”, comentou.
A Gazeta do Povo ouviu oito organizações universitárias autodeclaradas antagônicas aos grupos de esquerda em diferentes instituições de ensino pelo país. Os relatos de seus líderes apresentam marcas em comum. Como a de, por exemplo, terem surgido após o crescimento do movimento conservador. Enquanto seis surgiram em 2016, durante os pleitos municipais, outros dois apareceram em 2018, quando houve o acirramento da polarização entre grupos de direita e esquerda.
Um dos mais tradicionais é o UFPR Livre. Criado em 2016, reúne atualmente mais de 60 pessoas. Para entrar, o universitário deve prestar um processo seletivo para que a diretoria saiba se o candidato é alinhado com os “os fins, princípios e valores” do grupo, segundo Bruno Kaiser, de 34 anos, um dos fundadores do movimento.
“A principal motivação [para criar a UFPR Livre] foi a necessidade de oferecer uma alternativa aos alunos que não se sentiam representados por correntes progressistas dentro da universidade. Entendemos que o ambiente universitário deve prezar pela pluralidade de ideias”, completou Kaiser, que cursa ciências contábeis.
Na Unifal, em Minas Gerais, a deliberação de uma greve em setembro de 2016 pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) virou o estopim para o surgimento da juventude de direita. Um dos fundadores, Vinícius Albano, de 25 anos, conta que o movimento grevista impediu outros estudantes assistirem às aulas. Isso provocou a criação da página no Facebook da UNIFAL Livre para se opor ideologicamente ao DCE.
“O grupo acabou agregando estudantes mais alinhados ao eixo centro-direita da política, mas principalmente liberais e libertários de todos os quatro campi da UNIFAL. O movimento cresceu e se fortaleceu aos poucos, passando a criar uma identidade pró-liberdades individuais e econômicas”, frisou.
As redes sociais também se tornaram o canal para a criação da UERJ Livre. Segundo um dos membros do grupo, Gabriel Silva, de 21 anos, “um grupo de alunos, professores e intelectuais da UERJ, cansados da atuação dos partidos políticos de esquerda, criaram um grupo no Facebook, chamado UERJ Liberal”, em 2016. Com o tempo e adesão de mais pessoas, foi criado um conselho deliberativo sobre a atuação política dentro dos campi da universidade.
Na Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), a greve desencadeada pelos estudantes contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Teto dos Gastos, em 2016, fez com que os jovens de direita reagissem.
“Surgimos na tentativa de greve de 2016. Estávamos cansados de greves longas e não aguentávamos mais ir para casa ficar quatro meses sem estudar e retornar numa angústia de ter que retomar o conteúdo em apenas uma semana já para fazer uma prova. Somos liberais e a proposta também é descontaminar a Unesp”, comentou João Felipe, de 25 anos, um dos fundadores da Unesp Livre.
Bandeiras: o indivíduo no centro e menos estado
Adeptos ao liberalismo econômico, os grupos de direita universitários defendem a presença cada vez menor do estado na vida do indivíduo.
Nossas convicções: O princípio da subsidiariedade: menos Estado e mais cidadão
De acordo com o filósofo Dennys Xavier, a centralidade no indivíduo é característica das graduações que sustentam os ideais desses grupos de direita, que são os das profissões liberais, a exemplo da medicina, direito, economia, etc.
“Esses cursos têm uma forte interface com uma realidade que as humanidades tentam manter afastadas, que é a realidade do capital, do lucro, trabalho, esforço e mercado. São cursos que oferecem um 'choque de realidade' que interfere no perfil do egresso e mesmo no ingressante. Não quer dizer também que não tenha um estatizante lá, porque estamos falando de um processo de 30 anos. Agora, esses cursos são mais permeáveis. O médico não quer saber se Marx está certo ou errado, ele quer abrir a clínica dele e ganhar dinheiro”, comentou.
Na Universidade de Campinas, por exemplo, os jovens da direita defendem que a instituição firme parcerias com a iniciativa privada para conquistar mais benefícios tanto para a instituição como para os estudantes, além de conseguir
uma maior transparência em seus gastos, afirmou um dos membros, o estudante de economia, Mateus Valadão, de 25 anos.
Menos estado é o que também propõe a UEL Livre, na Universidade Estadual de Londrina. O movimento na instituição no norte paranaense é um dos mais recentes. Surgiu como oposição, em 2018, aos grupos de esquerda que concorriam ao DCE.
“A bandeira principal é a do liberalismo econômico. Não somos a favor da privatização do ensino, não é disso que estamos falando. Pensamos em financiamentos, patrocínios e demais parcerias com a iniciativa privada que podem melhorar toda a prestação de serviço no campus. Por que não pegar um patrocínio de um supermercado para o Restaurante Universitário para baixar os gastos?”, salientou o acadêmico de medicina e um dos fundadores da UEL Livre, Dalton Ferreira, de 22 anos.
Na Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp Livre diz defender a “liberdade consciente” e pluralidade de ideologias nos debates acadêmicos. A posição contrária a movimentos historicamente hegemônicos dentro do ambiente universitário fez com que membros do grupo sofressem represálias. Por esse motivo, eles optaram em responder aos questionamentos da Gazeta do Povo por meio de nota. Todos os demais movimentos também pontuaram repressão de grupos antagônicos.
“Defendemos a liberdade consciente no entendimento de que todo indivíduo é livre para pensar e agir da maneira que bem entender, mas deve-se respeitar o ambiente acadêmico, que consideramos sagrado, já que é das universidades que saem os futuros profissionais de alta qualificação. Os alunos precisam entender que um ambiente público e acadêmico deve ser respeitado, bem cuidado, e agradável para todos, sem exceção”, apontou a Unifesp Livre.
Também para se contrapor ao DCE à época vigente, o movimento UFSC Zero, da Universidade Federal de Santa Catarina, tem a bandeira mais característica. Além de se aliar ao pensamento da direita liberal, os estudantes avaliam que o diretório central não deve ser usado como manobra de legendas políticas. “O DCE deve servir aos estudantes e não a interesses políticos e partidários”, resumiu o acadêmico Yago Messias, de 23 anos, de Engenharia de Produção.
Apesar de os grupos de direita se considerarem apartidários, nas eleições de 2018, membros foram liberados para atuarem em campanhas. João Amoedo (NOVO) e Jair Bolsonaro (PSL) estiveram entre as principais preferências no primeiro e segundo turno, respectivamente. O caso mais emblemático é o da UERJ Livre, que fez campanha gratuita ao então candidato ao governo Wilson Witzel (PSC).
Menos Marx, mais Von Mises
As principais fontes intelectuais de inspiração para a juventude de direita são os clássicos liberais, surgidos no século XVIII, mas que ganharam impulso no século XX como contraponto ao comunismo e ao nazismo, linhas de pensamentos que buscam a intervenção cada vez maior do estado na vida da pessoa.
Entre os principais autores das cartilhas dos grupos liberais das universidades estão o britânico Adam Smith; o austríaco Friedrich Von Hayek, defensor da tese de que quanto mais estado, mais opressão; Milton Friedman, defensor norte-americano do livre mercado; e o francês Alexis de Tocqueville.
Nenhum outro, entretanto, é tão citado pelos grupos como o austríaco Ludwig Von Mises. Considerado um dos principais autores da Escola Austríaca de Economia, é utilizado para contrapor o sistema econômico do socialismo, baseada principalmente em Karl Marx.
“Uma das bandeiras desse movimento que surgiu deve ser alargar a bibliografia universitária de modo a incluir Mises, Hayek e até Olavo de Carvalho. Por que não? O que percebemos é que há um cenário de omissão das administrações dos cursos em função do aparelhamento ideológico, o que impede inovações nos currículos”, frisou Bruno Kaiser, da UFPR Livre.
“Nossa sociedade não comporta mais a visão clássica do marxismo porque já existem outros contemporâneos que colocam um novo conceito de classe social. Essa leitura venceu. O Marx clássico não serve mais para a nossa sociedade atual (...) A nossa visão é organicista. Acreditamos que trabalho gera cliente, cliente gera dinheiro e dinheiro é bom”, comentou Dalton Ferreira, da UEL Livre.
A preferência da juventude de direita por leituras alinhadas ao pensamento contrário ao da esquerda esbarra em um problema nas universidades: a falta de diversificação das obras nas bibliotecas. Um levantamento realizado em 2017 pela Gazeta do Povo no acervo das cinco principais universidades do país revelou uma proporção de quatro títulos literários de esquerda para cada um de direita.
“Dentro da universidade não existe diversificação de leitura. Dificilmente iremos encontrar Hayek, Mises ou Tocqueville. Não é que não seja procurado pelos alunos, mas os administradores das bibliotecas já têm um pensamento declinado à esquerda. Não existe um equilíbrio. Assim, os alunos devem procurar outras formas de encontrar esses autores”, ratificou o estudo, Gabriel Silva, da UERJ Livre.
Com base nessa demanda, um novo nicho editorial surgiu no Brasil nos últimos dois anos, pontua o filósofo Dennys Xavier. É o de leituras de direita e liberal. Ele coordena a elaboração de uma coleção literária com textos de autores clássicos dessa linha ideológica, a ser lançada em breve. A inversão da vantagem sobre os intelectuais marxistas nos acervos universitários ainda deve demorar, pondera Xavier.
“Esses grupos começaram a pressionar e procurar professores para que fossem ofertadas leituras liberais. Agora, não nos iludamos. Esse processo de descontaminação vai demorar mais uns 20 ou 30 anos. A universidade é o último bastião da esquerda estatizante e ela não vai entregar os pontos facilmente”, acredita.