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Revisão da lei após 10 anos

Oposição blinda Lei de Cotas no Congresso enquanto universidades ampliam “bancas raciais”

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Lei de Cotas nas universidades completa dez anos em agosto. (Foto: Marcos Santos/USP Imagens)

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A Lei de Cotas, que reserva vagas em universidades e instituições federais a grupos específicos da população, completará dez anos em 29 de agosto. Nas últimas semanas, o debate sobre o tema tem se intensificado no Congresso e em universidades, não só pelo marco de uma década em si, mas porque há um dispositivo prevendo revisão da legislação em um prazo de dez anos.

Na Câmara, a votação de um projeto sobre a revisão da Lei das Cotas estava prevista para a última quinta-feira (14), mas foi adiada para agosto. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), assumiu o compromisso de colocar o tema em pauta na primeira sessão após o recesso do Congresso, que começa no próximo dia 18 e vai até 31 de julho.

A discussão giraria em torno de um projeto da deputada Maria do Rosário (PT-RS) que prevê a prorrogação do prazo para a revisão da Lei de Cotas para 2027, isto é, daqui a cinco anos. Com isso, o texto da lei passaria a falar em um prazo de 15 anos para a revisão, em vez dos dez anos previstos originalmente.

Relator do projeto, o deputado Bira do Pindaré (PSB-MA) disse em vídeo divulgado nas redes sociais que o tema “já está amplamente debatido” e que colocá-lo em pauta será prioridade na volta do recesso. “Não foi possível neste primeiro semestre, mas, num esforço concentrado da primeira semana de agosto, a gente tem expectativa de que entre em votação, e a gente consiga aprovar a prorrogação do prazo revisional da lei de cotas em nosso país”.

Maria do Rosário afirmou no mesmo vídeo que há "segurança de nenhum retrocesso”, em referência a possíveis iniciativas de modificação de dispositivos da lei. "O cuidado que está sendo tomado aqui é muito grande. Nosso primeiro objetivo é dizer que a Lei de Cotas continua em vigor, mesmo sem a votação em Plenário”, disse ela.

O que diz a Lei de Cotas e qual é o clima para sua revisão no Congresso

A Lei de Cotas prevê que as universidades e instituições federais de educação devem reservar em seus concursos de ingresso no mínimo 50% de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Essas vagas devem ser preenchidas por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência na mesma proporção em que haja pessoas desses grupos na população do estado a que pertence a instituição, de acordo com os dados do censo mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Atualmente, há divergências sobre o tema das cotas no Congresso, mas é baixo o engajamento daqueles que são contra a prorrogação da Lei de Cotas tal como ela está hoje. Alguns políticos do Legislativo e do Executivo já se manifestaram favoráveis a derrubar os critérios raciais e manter somente as chamadas “cotas sociais” – que consideram critérios de baixa renda e de tipo de escola frequentada –, mas é improvável que eles tenham força para modificar a lei no momento - às vésperas das eleições.

O principal opositor da Lei de Cotas no Congresso é, atualmente, o deputado Kim Kataguiri (União-SP). Ele é autor do Projeto de Lei 4125/21, que pretende acabar com a “discriminação positiva para o ingresso nas instituições de ensino com base em cor, raça ou origem”, isto é, remover da lei as cotas para pretos, pardos e indígenas.

“Além de inconstitucionais, as políticas de discriminação positiva com base em cor e raça não fazem o menor sentido. Quem é excluído da educação é o pobre, que tem que entrar cedo no mercado de trabalho e depende dos serviços educacionais do Estado, que em geral são de péssima qualidade. A pobreza, como se sabe, não tem cor; atinge negros e brancos”, diz Kataguiri na justificativa da proposta.

Entre os parlamentares favoráveis às cotas, o principal temor está relacionado com possíveis interpretações da lei. Há quem defenda que a falta de revisão não acabaria com a vigência de nenhuma parte da lei, mas também há os que interpretam que a revisão em dez anos é obrigatória, e que os dispositivos da lei submetidos a esse prazo perderiam a vigência se a revisão não for feita.

Uma universidade que fizesse a segunda interpretação poderia alegar que a decisão de acabar com a política de cotas está de acordo com a lei. A partir daí, seria necessária uma batalha judicial para definir qual interpretação é válida. Com a prorrogação da revisão, os parlamentares querem evitar essa hipótese.

Debate também cresce nas universidades

A Lei de Cotas também ganha atenção crescente em universidades públicas pelo Brasil. As chamadas “comissões de heteroidentificação” – em que um grupo de funcionários da universidade avalia a autenticidade da declaração do candidato sobre seu pertencimento à categoria de preto, pardo ou indígena – têm ficado mais comuns e gerado controvérsias.

A Universidade de São Paulo (USP) anunciou no dia 23 de junho que terá uma comissão do tipo a partir de 2023. “A composição da comissão e os critérios para a verificação da autodeclaração ainda serão definidos pelo Conselho de Inclusão e Pertencimento da USP”, disse a universidade.

“Teremos uma comissão ampliada constituída por docentes, funcionários e também pela representação estudantil. Todos os candidatos da Fuvest são fotografados durante o exame e, para aqueles candidatos que se autodeclararem pretos, pardos ou indígenas, haverá uma primeira etapa de análise dessas imagens e, se não houver unanimidade pelos membros da banca, haverá uma segunda etapa presencial”, afirmou à Rádio USP o pró-reitor adjunto de Graduação da universidade, Marcos Garcia Neira.

A Universidade Federal do Ceará (UFC) aplicou a heteroidentificação pela primeira vez neste ano, e identificou 127 candidatos como falsos pretos, pardos ou indígenas – 5% do total de matriculados como cotistas.

Em março, uma estudante foi barrada pela comissão de heteroidentificação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que existe desde 2018. Ela foi às redes sociais, a órgãos de imprensa locais e à Justiça para defender a autodeclaração que havia feito como parda. A banca afirmou que ela “apresenta cabelos lisos, com lábios, nariz e traços finos, não apresentando fenótipo que atenda às exigências para obtenção de cota” e negou dois recursos da candidata, que conseguiu entrar na universidade por uma liminar da Justiça.

No mesmo mês, um caso semelhante ocorreu em Campinas (SP), onde um candidato autodeclarado pardo foi desclassificado pela comissão de heteroidentificação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele também conseguiu o ingresso na instituição por uma liminar da Justiça.

A Unicamp foi procurada pela reportagem da Gazeta do Povo, mas não havia se manifestado sobre o assunto até o fim da tarde desta sexta-feira (15). Já a UFPE afirmou que "a candidata foi avaliada pela Comissão de Heteroidentificação e, tendo sua autodeclaração não confirmada, recorreu à instância administrativa por meio da comissão recursal, sem deferimento da solicitação. Após passar por todo processo administrativo, a candidata recorreu a instâncias externas à UFPE. O processo para reserva de vaga sub judice foi recebido em março de 2022 e está sendo analisado pela Procuradoria jurídica para trâmites iniciais".

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