Drogas, armas brancas e baixa aprendizagem são o prato do dia a dia das escolas de regiões vulneráveis no Brasil. Esse cenário não era diferente no Colégio Waldocke Fricke de Lyra, no perigoso bairro Tarumã, em Manaus, até a Polícia Militar assumir o controle da escola, em 2012.
Desde então, o quadro mudou completamente: seguindo a tradicional disciplina militar – que inclui farda obrigatória, gritos de guerra e proibição do uso de celulares, além da expulsão dos “incorrigíveis” –, o colégio tornou-se um lugar seguro e atingiu um patamar de qualidade acima da média nacional e de muitas escolas particulares. Em 2015, o Ideb do colégio, índice de desempenho medido pelo Ministério da Educação, foi de 7,7, do 1º ao 5º ano do ensino fundamental, e de 5,9, do 6º ao 9º ano (a média nacional nessas etapas foi de 5,5 e 4,5, respectivamente).
Essa história de sucesso não é a única no país, o que deixa os críticos do modelo com os cabelos em pé. Animados com essa performance, estados como Goiás já repassaram escolas públicas para a administração de militares – e estão satisfeitos com os resultados – e outros governos pensam seriamente em tentar esse caminho.
Além desses casos, há ainda a experiência bem-sucedida das 13 unidades do Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB), criadas pelo Exército preferencialmente para a educação dos filhos de integrantes das Forças Armadas, a maior parte delas entre as melhores instituições do país.
Mas qual é o segredo desses colégios?
Para os gestores, um dos trunfos é conseguir, por meio da disciplina, a motivação para o estudo contínuo e não apenas o “estudar para a prova”. O outro caminho que influencia nos resultados é a seleção dos alunos. Na maioria dos colégios do SCMB, como o Colégio Militar de Curitiba (CMC), o melhor ensino fundamental público do Paraná, antes de ingressar no 6º ano, os filhos de militares passam seis meses em aulas de reforço de português e matemática. Por sua vez, os alunos que vêm de fora precisam passar por uma prova de seleção. Com isso, um dos principais obstáculos das escolas públicas, a diferença de aprendizagem entre os alunos, é minimizada.
Essas instituições também mantêm um grupo de professores responsáveis por avaliar os alunos de forma personalizada e os que apresentam problemas de aprendizagem contam com reforço no contraturno. No caso do CMC, os professores passam por capacitação continuada e uma parcela significativa tem mestrado e doutorado.
“O corpo docente é altamente qualificado”, diz o professor capitão Genivaldo Pavanelli, chefe da seção de supervisão escolar do CMC. Outro ponto importante, ressalta, é que a maioria dos professores do CMC dedicam sua docência exclusivamente ao Colégio. “Desta forma, o tempo de trabalho desses profissionais está voltado para a pesquisa, planejamento e execução da atividade docente”. Outro ponto alto é a infraestrutura, que conta com quadras de esporte, ginásios, piscinas, laboratórios de física, química e biologia.
Críticas
O mesmo colégio, porém, que foi exemplo de desempenho em 2015, acaba de ser alvo de uma polêmica ideológica. Os alunos da escola gravaram um vídeo convidando o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) para a formatura da classe. Nas imagens, o parlamentar é saudado como “salvador da pátria” pelos alunos e professores. Episódio considerado “escandaloso” pelo fundador do movimento da Escola Sem Partido, Miguel Nagib. “Não pode haver esse tipo de manifestação dentro da escola. Fere o princípio constitucional da impessoalidade”, afirmou.
O fato alimenta medos de educadores e políticos que acreditam que a militarização muitas vezes se dá sem um estudo crítico da história, com a ausência da conscientização dos estudantes sobre o perigo de extremismos e de que o poder de coação do Estado deve seguir regras que respeitem os direitos humanos de todos.
“Militarizar escolas para resolver problemas é um retrocesso que acredito que temos que tentar reverter”, afirmou o também polêmico ex-ministro da Educação do governo Dilma Rousseff, Aloizio Mercadante, no Pleno do Fórum Nacional de Educação (FNE), em março de 2016, mas dessa vez apoiado por educadores de todas as cores políticas. Na ocasião, o então ministro disse que historicamente essas ações tiveram resultados indesejados e tomou como exemplo a Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, que conseguiu avanços tecnológicos a custo de sacrifícios éticos e morais. “Faltava uma visão de democracia, de direitos humanos, de tolerância, de valores de cidadania que nós queremos na escola, que precisa construir. Não é batendo continência e marchando que você resolve estes problemas”, criticou.
Professores como Thiago Melo, professor de Filosofia graduado pela UFPR e que exerceu a docência no Colégio da Polícia Militar do Paraná (CPM), a 31ª melhor nota do estado no Enem 2015, também não veem com bons olhos o processo de militarização dos colégios. E lembram que boa parte das boas notas vem da seleção dos alunos.
“É um processo muito equivocado”, diz. “O problema da educação brasileira não está na ausência de ‘virtudes’ que, supostamente, só os militares possuem. É a falta de autonomia administrativa na maior parte das escolas, de autonomia pedagógica e o respeito à capacidade profissional do professor. Nesta situação, por exemplo, o professor não pode nem cobrar disciplina dentro da sala. A disciplina não é um hábito exclusivo de militares, mas, infelizmente, até isso se tornou um privilégio deles”, lamenta.
Rede “particular”
A discussão vai longe. Em defesa dos colégios militares, professores afirmam que o caso envolvendo o deputado Bolsonaro é uma exceção. E é verdade. Seja como for, os bons resultados acadêmicos desses colégios estão desencadeando mais um fenômeno: a criação de escolas particulares inspiradas nos moldes militares, como o Colégio da Vila Militar (CVM), em Curitiba, que será mantido pela Associação da Vila Militar (AVM). Um mês depois do anúncio da criação da instituição, 700 adolescentes registraram interesse em se inscrever.
“A nossa maior inspiração é o CPM, que já vem atuando durante muitos anos e é referência no ensino paranaense”, declara o Coronel Douglas Sabatini Dabu, da AVM, um dos responsáveis pela implantação do CVM. “Vimos a possibilidade de fazer o colégio para atender os associados e a demanda que o CPM não é capaz. É particular porque é ligado à associação”.
Sobre a militarização em outros estados, Dabul prefere não generalizar. “Cada estado tem uma característica própria para a militarização e seus próprios motivos para suas ações”, afirma. “É uma somatória de esforços. Não existe desempenho escolar sem participação da família, dos professores e do próprio aluno”, garante.
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