Quer fazer parte da casta de mestres e doutores no Brasil? Prepare-se para estudar muito, levantar rápido e com serenidade após sofrer humilhações e recomeçar todas as vezes que forem necessárias. E tente encontrar um bom orientador que, na opinião de quem atua na área, não é uma tarefa tão difícil como possa parecer.
RELATOS: Leia testemunhos de quem teve um relacionamento difícil com o orientador: plágio e assédio, ausência na banca, desejo de ‘engordar’ o Lattes às custas do aluno, aluno usado como ‘escravo bajulador’, falta de competência, dificuldades para encontrar um orientador e orientador que nem lê nem corrige o trabalho.
“Apesar de histórias bizarras sobre orientadores e alunos, na maioria das vezes o que ocorre é o contrário, nasce uma relação enriquecedora. De pronto não existe problema: o que existe é uma potencial relação muito legal, com conversas sobre o tema que você gosta e não tem com outras pessoas no dia a dia. Com metas e prazos, isso sim, mas algo prazeroso”, garante Clovis Ultramari, professor da PUCPR e autor do livro “Como não fazer uma tese”.
O que pode nublar esse cenário é, em primeiro lugar, a imaturidade ou o desconhecimento do aluno do que deve fazer e quais são os diferentes objetivos, seja de um trabalho de conclusão de curso (TCC) na graduação, de uma dissertação de mestrado ou de uma tese de doutorado. E, no caso da pós-graduação, muitas vezes a existência de motivações viciadas para ter um título, mesmo que o estudante não tenha perfil e nem goste de fazer pesquisa científica.
“Na pós-graduação, o aluno precisa de fato estar disposto a fazer um mestrado ou um doutorado, que exige horas de estudo e de dedicação. Precisa ter consciência de que o trabalho é dele, não é o professor que vai escrever por ele”, ressalta Camilo Catto, do curso de Comunicação Social da UFPR.
A escolha do tema, do orientador e da instituição é de responsabilidade do aluno, não do professor. “Os alunos enviam e-mails aos professores pedindo sugestões de temas, como se houvesse uma prateleira de assuntos a escolher, não é assim. Uma coisa que precisa ficar claro, que nem sempre fica, é que quem tem de tomar o ponto de partida da pesquisa é o aluno. Ele deve escolher um tema que goste, gere empatia, e isso ele só vai descobrir indo a artigos e periódicos científicos, lendo sobre temas que ele gosta”, explica Egon Bockmann, professor de Direito Constitucional da UFPR.
Se o aluno está disposto a arregaçar as mangas, da parte do professor é preciso avaliar se o projeto de pesquisa é viável e, uma vez aprovado, cumprir o seu papel. “É uma questão de organização diante de tantas exigências acadêmicas na agenda do professor. A dica é, desde o início, estabelecer com o aluno um programa de metas, com encontros periódicos. Nesse momento o orientador funciona, avaliando se o aluno está indo para fronteiras que não interessam ou se precisa, por exemplo, entender que um autor é mais importante que outro, é uma fonte primária e precisa ser incluído, entre outros ajustes”, descreve Egon Bockmann.
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Tanto o aluno pode ser refém de um professor que utiliza da sua posição institucional para não orientar direito ou criar obstáculos quanto o professor pode sofrer com um estudante que não toma as rédeas do próprio trabalho. “A melhor solução nos dois casos é dialogar e procurar chegar a uma melhor solução para as duas partes”, finaliza Clovis Ultramari.
Confira histórias de relacionamento difícil com o orientador*
*Os relatos permanecem no anonimato a pedido dos envolvidos. Todas as histórias ocorreram em instituições de ensino superior do Paraná.
“Tive alguns percalços n o relacionamento com o meu orientador ao longo do mestrado e do doutorado. Apesar dele ter me dado liberdade para desenvolver o tema dentro da minha área de interesse, mostrava pouco interesse em me ajudar a crescer na pesquisa. Além disso, fez uso em algumas situações de textos que desenvolvi sobre o meu objeto de estudo para realizar apresentações de eventos no exterior, sem mencionar qualquer citação ao meu trabalho.
“(...) houve algumas situações em que ele interrompeu a conversa sobre a pesquisa para elogiar a minha roupa ou o meu brinco.”
Ficava tensa a cada reunião que teria com ele, porque houve algumas situações em que ele interrompeu a conversa sobre a pesquisa para elogiar a minha roupa ou o meu brinco, o que me fazia acreditar que cada reunião pudesse desembocar numa situação de assédio que fosse além dos elogios.
Tudo terminou bem, com boas notas e o apoio da banca. Mas gostaria que ninguém mais sofresse com esse tipo de atitude.”
“A minha orientadora do TCC estava bastante ocupada porque também era coordenadora do curso e trabalhava em outro lugar. No começo, ela deu o suporte que precisávamos, a mim e a outro colega, e ajudou a delimitar o tema que estava muito amplo. Depois, porém, essa ajuda foi minguando e ela acabou não lendo o nosso trabalho final. Ela deu ‘ok’ ao protocolo, sem ler, e disse: ‘confio em vocês rapazes’.
Para a banca, o primeiro susto foi que tanto a orientadora quanto o professor que também iria avaliar o trabalho viajaram e escalaram professores substitutos. Mas os transtornos não terminaram aí. No dia, um dos professores substitutos faltou e foi necessário escalar na hora outro docente para a avaliação, uma professora que não tinha lido o trabalho.
No final, apenas três dos quatro professores deram nota. Por isso, a média total foi 7,5 e não 10. Como estávamos cansados com a situação, acabamos deixando por isso mesmo porque já tínhamos passado.”
“Concluí o meu mestrado em 2016 e tive uma experiência decepcionante com a orientação que recebi. Desde o começo, a pessoa que orientou a minha pesquisa se mostrou muito distante, sempre com outros compromissos, a maioria fora da Universidade. Para realizar a pesquisa de campo, não tive apoio nenhum para entrar em contato com o meu objeto de pesquisa, o que acabou prejudicando um pouco os resultados. Mas acredito que o pior desta experiência foi nunca ter recebido um feedback sobre a estruturação e a escrita da dissertação. Não recebi retorno nem mesmo da última versão antes da defesa. Fiquei extremamente insegura com o resultado e o que me deixou mais tranquila para a apresentação foi o retorno que recebi do meu co-orientador, que leu meu trabalho e enviou algumas observações. Contudo, da pessoa que oficialmente me orientou, perante o Programa de Pós-Graduação e a Capes, não tive nenhum apoio. Isso é muito grave e, infelizmente, um pouco comum no meio acadêmico. Tenho colegas que passaram por experiências semelhantes.
“É revoltante, agora, ter que prestigiar essa pessoa em todas as publicações relacionadas à dissertação, sendo que eu realmente não sei se ela sequer chegou a ler o meu trabalho por completo.”
Os professores recebem para orientar os alunos e, além disso, “engordam” seu currículo Lattes com todas as publicações que as nossas pesquisas proporcionam. Estar presente é um dever que eles têm tanto com os seus orientandos como perante a Universidade e as instituições que financiam as pesquisas. É revoltante, agora, ter que prestigiar essa pessoa em todas as publicações relacionadas à dissertação, sendo que eu realmente não sei se ela sequer chegou a ler o meu trabalho por completo. O único aspecto positivo que vejo em tudo foi a autonomia e independência que conquistei, mas todo o desgaste psicológico que esta situação gerou não compensam isto. Eu entendo que no mestrado temos que adquirir já uma certa independência, mas ter uma parceria na construção da pesquisa, de alguém com experiência e bagagem na área, é fundamental para gerar bons resultados e também se consolidar como pesquisador. Felizmente, tudo deu certo e obtive a aprovação, mas ela veio com o sentimento de que os resultados poderiam ter sido conquistados de uma maneira mais tranquila.”
“Lidar com o ego do meu orientador é mais cansativo que o mestrado em si. Quando faço uma pergunta por não ter entendido uma leitura ou algo que me passou, ele sempre entende que é uma ofensa e, por isso, me desqualifica ou mostra o seu currículo como “sou pós-doutor em...”. Quando comento críticas construtivas de outros professores em relação à minha pesquisa, ele diz que tenho que seguir apenas o que ele fala e lá vem o currículo de novo. Sempre achando que o mundo está contra ele.
“Como tem muitos problemas com os colegas de departamento, muitas vezes precisei resolver suas questões administrativas. (...)
Quando fiz estágio-docência, se eu não carregasse sua pasta, levava uma reclamação.”
Como tem muitos problemas com os colegas de departamento, muitas vezes precisei resolver suas questões administrativas.
Quando fiz estágio-docência, se eu não carregasse sua pasta, levava uma reclamação. Não me passou nada de produtivo, além de fazer chamada, muitas cópias de livros inteiros e até corrigir os trabalhos que não dava tanta importância e, sem nenhum preparo, continuar aulas das quais se ausentava para resolver alguma questão pessoal.
Não chegamos a um acordo sobre minha pesquisa. Tudo foi imposto. Do tema à banca. Mas quando tenho dúvidas e qualquer possibilidade de atrasar envio de material, “a pesquisa é sua, se vire”.
Sempre que preciso enviar um e-mail ao meu orientador, e faço isso só quando é extremamente necessário, peço que outra pessoa leia antes e faço todas as releituras possíveis para saber se ele pode se ofender com algo, se vai ter algum duplo sentido.
Uma vez eu sugeri a produção de um material específico para minha pesquisa. Ele falou que eu podia fazer. Passei 10 dias exclusivamente produzindo, era algo que ele não trabalhava e iríamos construir juntos. Quando enviei, disse que tinha mudado de ideia, que não ia ler e que eu não insistisse, afinal ele é pós-doutor e sabe melhor que uma mestranda.
Quase não tive orientação de verdade. Por diversas vezes, ele marcou e me deixou lá esperando. Responde e-mail quando quer, mas do nada passa prazos apertadíssimos e ai de mim se não cumprir. Se quiser pedir algo - e o fez com frequência - os emails começam com saudações. Se é respostas aos meus, poucas linhas secas e no imperativo.
Já fiz diversas coisas de ordem pessoal para ele ou tarefas profissionais relacionadas a outros assuntos sobre os quais eu não deveria ter nenhuma responsabilidade, mas tudo isso parece obrigação. Não posso contar situações mais graves para não identificá-lo e minha vida conseguir ser ainda mais difícil do que tem sido.
O mestrado seria apenas uma etapa importante e trabalhosa caso eu tivesse outro orientador ou orientadora. Mas foi, sem dúvida, o momento mais estressante e permeado de dias insuportáveis da minha vida exclusivamente porque alguém acha que orientando é escravo e tem que te bajular e sorrir 24h por dia.”
“Duas questões foram decisivas durante meu mestrado. A primeira foi a dinâmica de orientação. Acostumada com o TCC [Trabalho de Conclusão de Curso], em que fui acompanhada de perto pela orientadora, tive um choque de realidade quando entrei no mestrado, onde o estudante deve ser mais independente e “autossuficiente”. A participação do professor é menor, então muita gente sofre para caminhar com as próprias pernas. No meu caso, criei uma ótima relação com a professora, que se tornou uma amiga. No entanto, nossos ritmos eram muito diferentes, então eu constantemente sofria porque parecia que tudo que construía em casa ia por terra quando chegava na orientação. Ela sempre tentava mudar o foco do trabalho para um recorte que não me agradava e parecia não entender o que eu queria fazer. No fim, tivemos que encontrar um meio-termo, mas até lá foi bem difícil. Os métodos da orientadora me incomodavam muito. Os retornos às vezes demoravam e parecia que o que eu escrevia havia sido lido com pressa. Foram bem poucas orientações durante o processo, e muitas delas eram praticamente “públicas”. Cada pessoa que passava pelo corredor do campus parava pra bater um papo no meio da orientação e aí perdíamos toda a linha de raciocínio, isso quando familiares da professora não estavam presentes na conversa, distraindo tanto ela quanto eu.
“ (...) muitas das mudanças [sugeridas pela banca] eram alterações que retornavam à minha ideia original do trabalho, questões que eu só havia mudado por sugestão da orientadora, o que me deixou com uma sensação imensa de retrabalho desnecessário.”
Essa bagunça nas orientações era um problema, assim como essa questão da leitura que parecia ter sido feita sem muita atenção. E isso, em minha opinião, também impactou na segunda questão, que foi o baque da qualificação. Entreguei para a banca o que considerava 70% do meu trabalho, já validado pela orientadora. O choque veio quando os professores, mesmo elogiando o trabalho, sugeriram tantas alterações e inversões de ordem que quase 100 páginas viraram 30. Isso abalou minha confiança e autoestima, pois saí da banca achando que não tinha entendido nada e que estava fazendo tudo errado. Pelo olhar dos professores, com sua experiência e visão de texto acadêmico, eram poucas mudanças. Na minha, inexperiente, era o fim do mundo. E mais: muitas das mudanças eram alterações que retornavam à minha ideia original do trabalho, questões que eu só havia mudado por sugestão da orientadora, o que me deixou com uma sensação imensa de retrabalho desnecessário. Depois de muito sofrimento e muita síndrome da tela em branco, fui me permitindo entender que esse processo é comum e que a autocrítica faz parte da construção do seu perfil de pesquisador e do seu crescimento profissional e acadêmico, e o resultado final foi um trabalho muito satisfatório.”
“É curioso como o TCC é levado como um processo dificultoso na vida acadêmica, sendo que ele poderia ser bem mais fácil, não fossem algumas burocracias. Um problema que tive ao começar meu projeto foi encontrar um orientador que topasse embarcar nessa jornada comigo.
Na primeira tentativa, encontrei o professor com facilidade, porém, em vez de dar orientações claras, ele estava mais preocupado em corrigir erros de português — os quais nem existiam, já que ele ainda sugeria correções com base na antiga ortografia.
Após desistir do primeiro tema, por conta de dificuldades no diálogo com o orientador, resolvi seguir um rumo novo, mas então encontrei um problema pior: nenhum professor tinha a base necessária para me ajudar no projeto (e os poucos interessados, não tinham tempo).
Um semestre se passou e encontrei um professor disposto a bater um papo. No entanto, suas exigências eram de que eu seguisse seu tema. Fiquei um tanto relutante, porém topei para finalizar logo esta etapa, já que a sugestão, ao menos, tinha uma conexão com meu tema.
Depois disso, veio uma tramitação dificultosa para ter o pré-projeto aprovado — várias cópias, muitas assinaturas, dificuldades para marcar horários com orientador, prazos apertados. Felizmente, os meses seguintes são mais tranquilos, com muito mais exigência do trabalho do aluno do que toda uma complexidade para conseguir alinhar o diálogo com o orientador.
Aliás, a folga de tempo para execução e entrega até que vem a calhar, ao menos, nesse ponto, não dá para reclamar. Contudo, menos estresse em todo o processo seria uma boa ideia.”
“Desde os tempos de colégio, sempre fui um aluno com dificuldades. Então, tive que me dedicar para poder alcançar a média e não foi diferente no meu último ano de universidade.
Quando fui fazer meu trabalho de conclusão de curso [TCC], peguei o pior orientador/professor. E não era só eu que achava isso, era unânime esse pensamento referente ao professor entre meus colegas de sala, veteranos e calouros.
“No meu curso, todos os alunos reprovados nos últimos anos na monografia ou TCC foram orientados por [este professor].”
Eu, como muitos antes do meu ano, fui aprovado, mas com dificuldades. Já outros não tiveram a mesma sorte e reprovaram. No meu curso, todos os alunos reprovados nos últimos anos na monografia ou TCC foram orientados por [este professor].
Nas minhas orientações, percebia que [o problema] não era falta de sabedoria do meu orientador e sim falta de vontade. Foi difícil, pois ele nunca corrigia meu trabalho e quando eu reclamava ele nunca dava o braço a torcer. A solução foi a internet, [na qual] peguei muitas dicas de como se escreve um trabalho científico. Meus colegas, demais professores, as bibliotecárias da universidade e até o coordenador do curso também me apoiaram (...)
Na minha apresentação da banca, todos os presentes falaram “nossa você fez sozinho o trabalho”. Por fim, apesar de todas as dificuldades, a vontade prevaleceu e deu tudo certo. Dormia muito pouco durante a semana e no final de semana deixei de sair, praticar esportes(...). Mas valeu a pena e agora estou formado.”
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