Professor de Finanças da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) Pierre Lucena não se lembrava de alguma vez ter visto tão poucos alunos nos corredores do CCSA (Centro de Ciências Sociais Aplicadas), que costumava ficar cheio no turno da noite. Espantado, ele fez um vídeo e publicou as imagens em sua conta no Twitter.
“Já estava percebendo um certo esvaziamento na UFPE, mas ontem realmente fiquei muito preocupado”, comentou ele, em 13 de junho. As imagens tiveram 1,6 milhão de visualizações. Poucos dias antes, Lucena havia chamado atenção para a queda no número de formandos. “Esta semana tivemos colação de grau dos cursos de graduação da UFPE. No curso de economia, entraram 120 alunos e saíram apenas 6. Em administração tivemos menos da metade se formando, dos 100 que entraram”, escreveu.
As mensagens geraram relatos semelhantes de outros docentes. “No Centro de Humanidades da UEPB ocorre o mesmo fenômeno”, escreveu Agassiz de Almeida Filho, professor de Direito na Universidade Estadual da Paraíba. Professor de Matemática da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Vinicius Albani endossou: “No primeiro vestibular pós-pandemia na UFSC, o número de inscrições era 40% menor que em 2019. Um baque muito grande que se refletiu nesse esvaziamento que eu observei lá também.” Fábio Periandro, da Universidade Federal da Bahia, fez um comentário similar: “Estamos vivenciando o mesmo fenômeno na UFBA”. José Alves, professor de Geografia da Universidade Federal do Acre aumentou a lista: “Nos cursos de Licenciatura da UFAC também sentimos o mesmo.”
Lucena acredita que alguns dos alunos preferiram a modalidade EaD (Ensino a Distância) em uma universidade particular; outros simplesmente desistem do ensino superior. As principais razões: a demanda de tempo excessiva e o benefício cada vez mais incerto de cursos de graduação.
Os números mais recentes indicam que, de fato, uma combinação de fatores pode estar esvaziando as universidades públicas brasileiras.
Dados mostram mudança de perfil
O Mapa do Ensino Superior, que reúne estatísticas sobre as universidades brasileiras, dá razão ao professor Pierre Lucena. A edição de 2023 do levantamento foi divulgada na última terça (20) pelo SEMESP (Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior), que representa faculdades e universidades privadas. A publicação mostra que a taxa de evasão na rede pública de ensino superior (a relação entre desistências e matrículas), que se mantinha estável em volta de 18,5% desde 2010, pulou para 21,7% em 2020 e 20,7% em 2021. Dentre os ingressantes de 2017, 40,3% já haviam abandonado o curso em 2021.
Além disso, quando se considera apenas os cursos presenciais, o número de alunos formados tem caído ano a ano desde 2018.
“Os números mostram, mais uma vez (...), um crescimento da modalidade EaD e um recuo das matrículas presenciais, algo preocupante porque o ensino a distância segue sem conquistar um público mais jovem, mais afeito aos cursos presenciais ou a uma nova modalidade híbrida que mescla presencialidade com aulas remotas”, diz o relatório, sobre as causas da evasão.
Os dados mostram também uma queda na pós-graduação: entre 2021, a redução nas matrículas de mestrado na rede pública foi de 5,8%. As matrículas de doutorado caíram 14,1% no mesmo período.
Mudança de regra e pandemia
Parte das explicações para o desinteresse dos alunos e o aumento da evasão são conhecidas: grades horárias desconjuntadas; tempo de deslocamento excessivo, ausência de professores e aulas pouco produtivas. Mas uma combinação de outros dois fatores parece ter aumentado as consequências deles.
O primeiro foi a expansão dos cursos na modalidade EaD (Ensino a Distância). Até 2017, as faculdades só poderiam oferecer cursos a distância se também tivessem a opção correspondente na modalidade presencial. Além disso, as instituições eram obrigadas a oferecer “polos EaD” onde os alunos do curso a distância tivessem acesso a um laboratório de informática. Com a mudança nas regras, ambas as exigências caíram. Isso impulsionou o aumento nos cursos EaD, que são mais lucrativos porque exigem menos gastos com infraestrutura.
O segundo fator foi a Covid-19. Com a pandemia, a maior parte das instituições de ensino superior teve de recorrer a alguma forma de ensino a distância. Com isso, um número significativo de estudantes (e professores) percebeu que era possível aprender de forma eficaz sem que seja preciso se deslocar até o campus universitário.
A edição mais recente do Censo da Educação Superior, divulgada em novembro do ano passado, mostra que, de 2017 a 2021, o número de vagas EaD no ensino superior quadruplicou (de 4,7 para 16,7 milhões). Somente entre 2020 e 2021, o crescimento foi de 23,8%. Ao mesmo tempo, o número de vagas presenciais diminuiu: o número mais recente mostra 5,9 milhões de alunos nessa modalidade. O número é menor registrado desde 2015.
Em 2020, pela primeira vez, o número de ingressantes (calouros) nos cursos de graduação à distância ultrapassou o dos alunos da modalidade presencial. De 2019 para 2021, o número de ingressantes no ensino presencial caiu 19%.
Outra forma de ver os números é essa: em 2017, havia mais 1,3 milhão de vagas presenciais a mais do que à distância. Em 2021, havia 10,7 milhões de vagas à distância a mais do que vagas presenciais.
Anamaria Camargo, mestre em Educação pela Universidade de Hull e diretora-executiva do Instituto Livre pra Escolher, diz que os benefícios do ensino presencial nas universidades públicas nem sempre são evidentes. “Acho que se trata de uma questão de incentivos e custo-benefício. O maior acesso à universidade não veio acompanhado de ensino mais transformador ou de maior impacto na produtividade do país”, ela diz.
Tendência de queda
O efeito da pandemia e da expansão no EaD é visível. A base de dados do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) mostra que as universidades federais formaram 14% menos alunos em 2021 do que em 2019. O número de ingressantes (novos alunos) também diminui no período: a redução foi de 11,5%.
Nesses dois anos, houve uma queda de queda de 17,5% no número de novos alunos em cursos de Física nas universidades federais. Cursos como Geografia (redução de 18,9%) e Arquivologia (queda de 21,2%) também registraram perdas significativas. E, embora Direito tenha mantido a média histórica de ingressos, a Medicina perdeu cerca de 8,8% do número de calouros entre 2019 e 2011.
Em algumas universidades, a situação é especialmente alarmante. Nesses dois anos, a UFG (Universidade Federal de Goiás) teve queda de 37,8% no número de ingressantes. A UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) perdeu 11,1%. Na UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), a quantidade de calouros caiu 19% entre 2019 e 2021. A instituição passou a ter o menor número de ingressantes desde 2010, quando o Censo da Educação Superior começou a contabilizar os dados. O curso de Educação, por exemplo, teve 1.606 novos alunos em 2019 e apenas 953 2021.
A queda no número de novos alunos, acompanhada da alta evasão, motivou a universidade a mudar as regras de ingresso. Em abril deste ano, a UFSM decidiu reduzir o número de vagas destinadas ao SiSU (Sistema de Seleção Unificada), que seleciona os aprovados com base na nota do Enem. Longe de casa e muitas vezes sem o apoio financeiro da família, muitos estudantes de outras partes do país acabavam desistindo do curso. A instituição de ensino também retomou o vestibular do meio de ano, que havia sido abolido.
Para Anamaria Camargo, as instituições públicas precisam se adaptar às mudança na demanda. “Há áreas altamente valorizados pelo mercado de trabalho, particularmente Tecnologia da Informação, em que a universidade tem falhado em prover cursos baseados em currículos atualizados. Nesse contexto, cursos de nível técnico mais ágeis e mais responsivos às demandas do mercado têm atraído estudantes, que acabam abandonando ou que sequer buscam a universidade”, afirma.
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