Passa a valer neste ano: todo jovem entre 4 e 17 anos deve frequentar a escola. A obrigação constitucional, para ser cumprida, esbarra no gargalo do ensino médio. Só no Paraná, 104.887 alunos entre 15 e 17 anos estavam fora da escola em 2014. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), sistematizados pelo movimento Todos Pela Educação, que exclui os 43.728 jovens dessa faixa etária que já concluíram o ensino médio.
Confira o índice de jovens entre 15 e 17 anos que frequentavam a escola em 2014
Na última década, a taxa de jovens entre 15 e 17 anos atendidos pelo sistema escolar teve um aumento tímido. No Paraná, passou dos 76,4% de 2005 para 78,7%, em 2014. A tendência é nacional. No Brasil, a chamada taxa de atendimento passou de 78,8% para 82,6% no período. Para o gerente de conteúdo do Todos Pela Educação, Ricardo Falzetta, é possível falar em “estagnação”.
À insuficiência de políticas públicas para o ensino médio (e anos finais do ensino fundamental) somaram-se desafios inerentes na atração desta faixa etária. Para Falzetta, a falta de “atratividade” da escola é uma das principais.
O movimento é pendular. Enquanto a escola repele, há fatores de atração fora dela. É o caso da maternidade ou paternidade precoce e do mercado clandestino das drogas. Mas, no período analisado, o mercado de trabalho aquecido foi o principal rival da escola, na opinião da superintendente de Educação da Secretaria de Estado da Educação (Seed), Fabiana Campos.
O mercado é ainda mais atraente para o aluno que já enfrenta atraso escolar, avalia o economista Daniel Domingues dos Santos, da Universidade de São Paulo (USP), que estuda o desenvolvimento socioemocional na escola. O aluno não vê muito sentido no currículo do ensino médio, muitas vezes já repetiu de ano, e vai em busca de construir sua vida fora da escola.
Ensino técnico
Para 2016, a Seed pretende investir no ensino técnico concomitantemente ao médio, para manter os alunos em sala. Diferente do técnico integrado, em que o aluno fica quatro anos na escola, essa modalidade tem duração de três anos. A partir do 2.º ano do ensino médio, o aluno vai poder se matricular em módulos de curta duração. Ao final de cada etapa, recebe um certificado. Se cumprir um mínimo de ciclos, ganha o diploma de técnico. O objetivo é ofertar essa modalidade nas 355 escolas da rede estadual que já ofertam o técnico integrado. Além disto, a Seed promete uma “busca ativa” entre os alunos que já evadiram, para que se matriculem no Ensino de Jovens e Adultos (EJA).
Perto dos 100%
A faixa etária dos 4 a 5 anos, que em 2005 contava com as menores taxas de atendimento tanto em nível estadual quanto nacional, passou por um boom na última década. No Paraná, passou de 64,4% para 87,5%. No Brasil, de 72,5% para 89,1%. Em grande medida, devido à obrigação constitucional de que todas os jovens entre 4 e 17 anos estejam na escola, que foi aprovada em 2009 e entrou em vigor neste ano. Já o ensino fundamental está muito próximo da universalização. Em 2005, o Paraná atendia 97% dos alunos entre 6 e 14 anos; o Brasil chegava a 96,7%. Em 2014, o estado chegou a 98,6% dos estudantes nesta faixa; o país, a 98,4%.
Ensino não atrai os jovens
Coordenadora nacional das ações do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, a professora Monica Ribeiro da Silva concorda que o ensino médio hoje não responde às necessidades dos jovens. Mas ela discorda que uma relação mais direta com o mercado seja a solução. Monica pondera que a estagnação da última década deve ser pensada em contraste com o período anterior, quando a oferta para o ensino médio triplicou, entre 1994 e 2003. A oferta foi alargada, mas o modelo de ensino manteve-se o mesmo: o aluno é preparado para o ensino técnico ou para entrar na universidade.
Currículo reflete dificuldades do ensino médio
O ensino médio, da maneira que está estruturado atualmente, não dá conta das demandas da juventude e da sociedade. Este é o consenso entre especialistas, que hoje debatem a criação de uma Base Nacional Comum Curricular do ensino médio, proposta no ano passado pelo Ministério da Educação (MEC).
O Todos Pela Educação vê a iniciativa de criar uma diretriz e colocá-la em debate com bons olhos. Apesar de considerar o prazo para debate curto em relação ao aplicado em outros países (a previsão do ministério é de lançar no meio deste ano uma versão pré-finalizada). “Mas a situação [em outros países] não era tão crítica quanto a nossa. Precisamos acelerar algumas etapas para pagar uma dívida histórica que temos”, pondera Ricardo Falzetta, gerente de conteúdo do movimento.
O economista Daniel Domingues dos Santos acredita a escola hoje não dá conta de ensinar uma série de atributos com os quais o jovem irá se deparar em sua vida e no mercado de trabalho. É o caso da perseverança, do compromisso, da proatividade.
Trabalhar esses valores seria justamente um dos atrativos do ensino técnico, até mais do que o conteúdo profissionalizante propriamente dito. “Porque ele é mais focado para esses temas que o trabalhador precisa ter, ele transmite a cultura profissional. Coisa que a escola hoje não transmite”, diz Santos.
A educadora Monica Ribeiro da Silva, que coordena o Observatório do Ensino Médio, diverge frontalmente. “Há estudos que mostram que essas parcerias resolvem o problema da empresa de falta de mão de obra qualificada, mas não o do estudante.”
Ela questiona a própria necessidade de se criar uma nova base. As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica já dariam conta de traçar conteúdos mínimos que guiam os currículos escolares. Além disso, o debate proposto pelo MEC não dá conta daquele que ela considera um dos defeitos do ensino médio atual: o de ofertar um ensino único para uma gama “muito diversa de juventudes”.
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