O sistema educacional brasileiro é dos mais complexos do mundo: as três esferas de poder (federal, estadual e municipal) dividem a tarefa de gerir o sistema de ensino, com algumas lacunas e sobreposições. Mas a divisão federativa, que por vezes prejudica, começa a ser tomada como uma vantagem: as associações entre municípios, ou entre estados e municípios, têm ganhado espaço – embora ainda de forma tímida. É o regime de colaboração, já previsto na Constituição Federal mas nunca colocado em prática de forma sistemática.
A colaboração tem muitas vantagens: como a maior parte dos municípios brasileiros tem menos de 10 mil habitantes, a associação gera economia de escala, uma integração melhor do material humano e uma proteção contra mudanças políticas repentinas – porque permite um planejamento com horizontes maiores do que o ciclo eleitoral.
“A rigor, sempre houve colaboração entre estados e municípios. Mas agora é uma colaboração de outra qualidade”, afirma Haroldo Corrêa Rocha, secretário de Educação do Espírito Santo.
João Marcelo Borges, especialista em educação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), concorda: diz que a ideia não é nova, mas tem adquirido um perfil de maior complexidade. “Antes o regime de colaboração estava muito centrado ou no grande financiamento ou em aspectos operacionais muito pequenos”, afirma. Agora, diz ele, projetos de educação também tem se voltado para o aspecto pedagógico e ao atingimento de metas.
Rocha e Borges estiveram entre os participantes do 1° Seminário Colabora Educação, realizado em São Paulo na última semana para debater as diferentes formas do regime de colaboração.
O Colabora Educação é um movimento criado em 2016, com a participação de entidades privadas como o Instituto Natura, o Instituto Itaú Social, o Movimento Todos Pela Educação e a Fundação Unibanco.
A criação de consórcios de municípios é comum em outras áreas, como a saúde. Mas, na educação, a ideia ainda está incipiente. Um dos projetos pioneiros teve início com o Consórcio Intermunicipal do Pontal do Paranapanema (CIVAP), iniciado há 32 anos em São Paulo.
Hoje, o grupo tem 29 prefeituras que se associaram para realizar licitações e planejamento no longo prazo, e passaram a colaborar também no setor eucacional.
A longevidade se deve à separação entre gestão e política. “Os consórcios e associações que ficam só no campo da política e em questões partidárias estão fadados a ter seu encerramento muito breve”, afirma Ida Françoso, diretora-executiva do CIVAP.
Outros exemplos do tipo têm surgido: Santa Catarina tem o Consórcio Intermunicipal Catarinense (CIMCatarina), com 41 prefeituras participantes.
Em 2012, nasceu o Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Sustentável da Transamazônica e Xingu (CIDS), composto por 12 cidades paraenses.
No Paraná, uma iniciativa inédita está em andamento: dez municípios se uniram para contratar um secretário Regional de Educação. A soma de recursos permitirá a contratação de um profissional mais qualificado. O consórcio recorreu a uma entidade sem fins lucrativos, a Vetor Brasil, que abriu uma seleção nacional para escolher o secretário.
Colaboração vertical
Além da cooperação entre municípios, as parcerias também podem ser verticais: entre o governo do estado e prefeituras.
Um caso citado com frequência é o do Ceará: lá, o governo criou o PAIC, que vinculou a distribuição de recursos do ICMS ao desempenho do município na educação.
Com o incentivo financeiro, metas claras e um parâmetro bem-definido – a redução do analfabetismo – o programa trouxe bons resultados. Hoje, o Estado tem o melhor índice do Ideb para os anos iniciais do ensino fundamental.
Em 2007, quando o programa foi lançado, a maioria dos municpios cearenses tinha um nível insuficiente de alfabetização em suas redes de ensino. Em 2016, o mapa mudou de cor: quatro cidades receberam a classificação de “suficiente” e todas as outras estão no nível desejado.
O programa não se limitou ao aspecto financeiro: também incluiu a distribuição de material didático e formação de professores, além de criar dispositivos que forçam os municípios mais avançados a colaborarem com aqueles que têm maus resultados.
Na Paraíba, onde já existe um programa similar, os incentivos financeiros são o próximo passo.
“A gente ainda não tem essa questão do ICMS. Como é o primeiro ano, existe muita coisa para a gente levantar. Mas está no meu radar fazer esse debate”, diz o secretário de Educação da Paraíba, Aléssio Trindade de Barros.
Apesar do caráter apolítico dos consórcios, as oscilações causadas pelo ciclo eleitoral ainda são um desafio. O secretário de Educação de Sergipe, Jorge Carvalho, teve trabalho para convencer a safra de prefeitos eleitos em 2016 a manter a participação no programa estadual de colaboração.
“Nós tivemos de repactuar com vários prefeitos o regime de colaboração porque o prefeito nos mandava um documento renunciando aos pactos sob a alegação de que ‘isso foi celebrado por um adversário político meu e eu não vou manter algo que era bom para o meu adversário’”, diz Carvalho.
Base Curricular
A colaboração será necessária durante a implementação da nova Base Nacional Comum Curricular, que está em fase final de aprovação e exigirá a formação de currículos específicos para cada município brasileiro.
“Vai ser muito complicado no meu estado que tem 184 municípios a gente ter a construção dos parâmetros curriculares do estado e dos 184 municípios”, afirma Frederico Amâncio, secretário de Educação de Pernambuco.
Fernando Abrucio, especialista da Fundação Getúlio Vargas, concorda: “Vai ser uma confusão enorme e uma enorme dificuldade para os estados e municípios fazerem isso”.
Autor de um livro recém-lançado sobre o tema, o especialista acredita que a formação de consórcios é a única saída viável para boa parte dos municípios brasileiros. “Não haverá solução para educação no Brasil pelo mero municipalismo. Será preciso passar por uma solução regionalizada”, afirma.
O repórter viajou a convite do Colabora Educação.
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