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| Foto: Instituto Paulo Freire

Durante muito tempo, Paulo Freire reinou quase absoluto como referência da educação brasileira. E, aparentemente, com alguns méritos. O maior deles foi a dedicação a corrigir um problema grave em seu tempo: os índices elevados de analfabetismo no Brasil, especialmente entre a população mais pobre. 

Hoje, entretanto, esse consenso começa a ser contestado. 

Freire nasceu no Recife (PE), em 1921. O primeiro esboço do seu trabalho surgiu em 1958, na tese que apresentou em um concurso para professor da Universidade do Recife.

O episódio que alçou Paulo Freire à notoriedade nacional, entretanto, surgiria em 1963: o mutirão de alfabetização em Angicos (RN). Ao todo, 380 adultos, sobretudo de áreas rurais, participaram. 

O convite a Freire partiu do governador potiguar, Aluísio Alves – por acaso, pai do ex-deputado Henrique Eduardo Alves, hoje presidiário na operação Lava Jato. O combate ao analfabetismo, que estava na casa dos 70% no Rio Grande do Norte, era uma promessa de campanha do governador. 

Freire, acompanhado por um grupo de voluntários, ficou célebre por alfabetizar pessoas em 40 horas. O mutirão ficou conhecido como as “Quarenta Horas de Angicos” – embora, no quesito celeridade, a propaganda não correspondesse exatamente à realidade. 

O presidente João Goulart e o ministro da Educação, Paulo de Tarso, gostaram da ideia e convidaram Paulo Freire para dirigir o Programa Nacional de Alfabetização. De lá, ele espalhou seu método Brasil afora e se tornou referência até mesmo da Unesco.

Em 1974, o autor publicou sua obra mais célebre: Pedagogia do Oprimido, que detalha o seu método de alfabetização e faz elogios a Fidel Castro e Che Guevara. O livro é o terceiro mais citado do mundo na plataforma acadêmica Google Scholar. 

O que é o método Paulo Freire? 

O método Paulo Freire adota uma abordagem sociocultural, o que significa fizer que contexto do aluno deve guiar as lições. Por exemplo: um lavrador deve aprender a ler a partir de palavras que fazem parte de seu cotidiano, como “enxada”. A imagem do objeto é apresentada e associada à palavra. Essa palavra é dividida em "tijolos", que mais adiante podem ser usadas para ensinar outras. A sílaba “da”, por exemplo, é um “tijolo” que serve para apresentar a família das sílabas começadas com a letra d.

O método é diferente da abordagem mais comum, que propõe o ensino de letra por letra, sílaba por sílaba, antes das primeiras palavras. 

Mas este é apenas o primeiro componente do método de Paulo Freire.

O segundo é o mais problemático: a inclusão da ideologia. O pedagogo pretendia “despertar a consciência” dos alunos – geralmente adultos em áreas rurais – para a “opressão”. A enxada não seria usada apenas para ensinar as letras, mas também para “problematizar” as relações de trabalho, a riqueza do patrão, as injustiças sociais. Marxista assumido, Paulo Freire tinha a luta de classes embutida em sua visão de mundo. 

Eis o que disse em 2007 a viúva do educador, Ana Maria Araújo Freire, sobre o mutirão de  Angicos, em entrevista a uma publicação da Univali: “Como a época era de um período de efervescência política pré-revolucionária, que acreditava que o Brasil ia fazer uma revolução mais à esquerda do vinha sendo sempre ou à esquerda do que sempre conhecíamos na história, difundiu-se que era possível alfabetizar-se em quarenta horas. Na verdade, esse foi o tempo que se levou para que os e as alfabetizandos se apropriassem do mecanismo da articulação das sílabas na formação de outras palavras. Palavras que tinham envolvimento com o questionamento que a sociedade fazia naquele momento histórico e social sobre nosso passado colonial e sob a tutela do capitalismo imperialista”. 

Paulo Freire comandou a jornada em Angicos de janeiro a abril. Em maio, surgiu a primeira greve na cidade. 

Método x ideologia

O método Paulo Freire, portanto, tem um componente pedagógico que pode ou não ser eficaz (a abordagem por meio dos “tijolos”), mas não é ideológico. E uma segunda parte repleta de ideologia. 

É possível separar uma coisa da outra? 

Para Gilmar Bornatto, professor da PUCPR, sim. “O método em si é fantástico, é maravilhoso e cultuado no mundo todo. O que não pode é ter uma ideologia por trás”, afirma. 

Geraldo Balduíno Horn, do programa de Pós-Graduação em Educação da UFPR, discorda: “Não é possível separar o método do processo de construção. Ele pensou o método num sentido emancipatório. A escola não faz sentido nenhum se isso for retirado”. 

Para Horn,  retirar a ideologia da educação é inalcancável. Ele também defende que, embora diferente do que há cinco décadas, a dinâmica de opressores e oprimidos continua existindo: “Há uma luta de classes. Ela é mais complexa mas existe”. 

Já Luís Diniz, também da UFPR, não vê nada de aproveitável na obra de Paulo Freire. “A “Pedagogia do Oprimido”, nem sequer é um livro sobre educação. É um livro que trata basicamente de política, de marxismo, de revolução, e pensa o ensino com um meio para realizar uma transformação revolucionária”, afirma. 

Para Diniz, os problemas de doutrinação ideológica em sala de aula se devem, em grande parte, à influência da visão de Paulo Freire sobre o sistema educacional brasileiro. “Todos os vícios da educação brasileira atual, o desprezo de conteúdos, a valorização exagerada de temas ligados a valores e atitudes, o repúdio a métodos de avaliação da qualidade do ensino, tudo isso tem muita influência do Paulo Freire”, afirma. 

Plágio?  

A politização indevida da sala de aula não é a única crítica ao método Paulo Freire. Ele também é acusado de copiar a parte mais “objetiva” de seu método de outro pedagogo, o americano Frank Charles Laubach. 

Em artigo publicado em 2012, o historiador David Gueiros Vieira, que é de Pernambuco, afirma que Freire plagiou o método Laubach e substituiu os valores cristãos defendidos pelo americano pelo credo marxista. 

Para reforçar sua tese, Gueiros menciona que Laubach esteve no Recife em 1943, quando Freire já era diretor do SESI de Pernambuco mas ainda não havia iniciado a elaboração do seu método. 

Independentemente da denúncia de plágio, é curioso que o pensador seja quase unanimidade como referência da educação brasileira quando o país continua a ocupar posições muito ruins em rankings internacionais. 

Quando contestados com os problemas na obra de Freire, os defensores do pedagogo costumam mencionar que o educador é o brasileiro com mais citações acadêmicas no exterior, e que ele recebeu 27 diplomas de doutor honoris causa, inclusive de Harvard e Oxford. É verdade. 

Mas, na visão de Jean-Marie Lambert, professor emérito da PUC de Goiás, esse dado apenas confirma que existe uma agenda da nova esquerda – que é internacional – em defesa das “minorias”, e que esse grupo predomina nos departamentos de humanidades de universidades dentro e fora do Brasil. 

Lambert diz que o consenso em torno do é fabricado porque a seleção de professores e de teses acadêmicas raramente dá espaço a posições divergentes: “É impossível contestar Paulo Freire na universidade”. 

Para ele, o método propõe uma “tomada de consciência crítica” irreal, já que não permite que os próprios pressupostos de esquerda sejam questionados. Lambert ironiza: “A abordagem crítica não aceita críticas à própria abordagem crítica”.

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