Certo: há uma discussão mundial se o grego antigo e o latim deveriam continuar no currículo no ensino médio, principalmente em países como França e Inglaterra. Mas é certo também que o interesse por essas duas línguas clássicas tem crescido em universidades de diversos países e também no Brasil. Os motivos? Complexos, tão complexos quanto a vivacidade desses dois idiomas, um considerado morto (o latim), por ninguém hoje aprendê-lo como primeira língua, e o outro (grego clássico) suplantado após 25 séculos de modificações da fala da antiga Atenas.
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No caso do latim, nas últimas décadas, diversas universidades públicas, como a USP, a Unicamp, a UFRJ, a UFMG, a Unesp em Araraquara e a UFPR, criaram centros importantes de estudo da língua. Pelo aumento da procura, nasceram vários cursos de mestrado e doutorado em todo o país, sendo que em 2014 um professor da UFBA, José Amarante, recebeu o Prêmio Capes por uma tese de doutorado sobre a língua latina, com uma proposta metodológica de ensino do idioma. Esse movimento está longe de ser comparado à busca por cursos de Medicina e Direito, por exemplo, mas é palpável. “Temos recebido 30 alunos de latim em nossas aulas por ano, o que é um Woodstock para nós”, brinca o professor Rodrigo Gonçalves, professor de Língua e Literatura Latina na UFPR, lembrando que há 20 anos, eram poucos os alunos e os professores do curso.
Os alunos escolhem estudar a língua nas universidades públicas por objetivos bem concretos e não, como se pensa normalmente, para melhorar o aprendizado em português, um dos idiomas ‘filhos’ do latim, e cada vez menos para fins religiosos – mesmo sendo o latim a língua oficial da Igreja Católica. Em geral, são alunos de história e filosofia interessados em ler com facilidade textos para pesquisa científica, mas também de cursos como Publicidade e Medicina. “Acabou a concepção do latim como sendo o único instrumento capaz de acessar uma certa civilização elitizada”, considera. “Isso acaba gerando interesses mais autênticos pela língua e pela cultura, se comparados à relação da língua com a religião e o Direito”.
O professor lembra que o latim é talvez a língua que tenha mais documentos importantes escritos na história da humanidade e que hoje ele continua a ser utilizado em vários âmbitos. Pensadores que marcaram a história da civilização e de estudo obrigatório em algumas carreiras, como Karl Marx, publicaram seus textos neste idioma. “A atestação de textos e inscrição em latim começa nos séculos VI e V antes de Cristo e pessoas escrevem e leem em latim até hoje”, ressalta.
Grego
Já o grego clássico, diferente do grego moderno, também vê ampliar o número de estudantes. Além das escolas particulares de educação básica que sempre ofereceram o idioma como atividade extracurricular – e outras que passaram a dar a disciplina a pedido dos alunos depois do sucesso editorial de sagas como as de Harry Potter e Percy Jackson, inspiradas na mitologia grega –, há iniciativas de ensinar o grego em escolas públicas como faz, por exemplo, um grupo de pesquisadores da USP em São Paulo. “Os estudos clássicos estão bem vivos no Brasil, e professores estrangeiros que visitam nosso país se surpreendem com isso”, diz o professor da Unicamp, Paulo Vasconcellos, do Instituto de Estudos da Linguagem, em entrevista por e-mail.
Ao mesmo tempo, prospera o convencimento de que, para entender os desafios do mundo de hoje, esse conhecimento é essencial. “Costumo dizer para os meus alunos que quem quiser entender o Ocidente tem de conhecer a filosofia grega, o direito romano e a religião judaico-cristã”, descreve Roosevelt Rocha, professor de grego do departamento de Linguística da UFPR. “Ao final do curso, eles adquirem uma visão profunda da cultura ocidental. Sem o conhecimento do grego, é como tomar um suco de laranja de saquinho. Só descobre a diferença quando experimenta o sumo”, exemplifica.
**** Conceito de língua morta
Do ponto de vista técnico, considera-se morta uma língua sem nativos vivos, ou seja, sem indivíduos que a adquiriram como primeiro idioma. Uma língua pode renascer, como ocorreu com o hebraico, ensinando crianças de uma comunidade por várias gerações seguidas. O caso do latim, porém, é polêmico. Não há nativos vivos, mas como ele nunca deixou de ser usado na escrita – na educação, para funções notariais, etc. – muitos acreditam que o idioma nunca ‘morreu’ de verdade. Uma boa exposição desse debate está presente no livro de Joseph Farrell, “Latin Language and Latin Culture, from ancient to modern times”, editado pela Universidade de Cambridge.