No último dia 13 de maio, às 7h50 da manhã, o professor da Universidade de Brasília (UnB) Marcelo Hermes-Lima publicou em sua conta de Facebook o seguinte post: “Desejo um excelente dia aos Docentes pela Liberdade. Um grande movimento nacional que está nascendo e crescendo a cada dia. Não iremos aceitar que nossa visão de mundo seja deturpada por ideias estranhas ao conceito de Liberdade. Não ao ‘central planning’, por parte do estado, de cada detalhe de nossas vidas. Esse movimento hoje está em mais de 20 estados e mais de 50 universidades. Ouvi ontem uma mensagem linda: a liberdade é contagiante! Não deixem que a tomem de ti!”
Esse texto se tornou a certidão de nascimento do grupo “Docentes pela Liberdade”, o projeto de uma associação que reúne quase 300 professores e profissionais ligados ao ensino de todo o Brasil, em 22 estados mais o Distrito Federal – faltam apenas representantes do Acre, Amapá, Rondônia e Roraima. Todos eles compartilham a maneira de pensar: são conservadores. A maioria se sentia isolada em seus ambientes acadêmicos que, em geral, dizem eles, favorecem as pautas e a ideologia de esquerda.
“Não sei onde o grupo vai chegar, mas o que eu quero primeiro é agregar as pessoas. Pretendemos que o professor de uma cidadezinha no interior do Maranhão saiba que tem gente no Brasil que pensa como ele”, explica Hermes-Lima. “Só o que queremos, neste momento, é que essas pessoas se sintam seguras, pelo menos psicologicamente”.
A primeira grande ação pública do grupo – que já é bastante ativa em grupos de WhatsApp e em reuniões entre eles – será no dia 4 de julho, quando vão ocorrer seminários, palestras, mesas redondas de representantes do grupo em várias cidades do Brasil.
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Missões difíceis
Biólogo e professor da UnB desde 1996, Hermes-Lima tem 54 anos e é um dos autores da Teoria do Preparo para o Estresse Oxidativo, que ajuda a entender como animais conseguem viver sem oxigênio. Em paralelo, criou um blog, em 2007, para defender seus pontos de vista. Em 2016, após sofrer ameaças por expor suas opiniões, fechou o blog, mas logo na sequência, em 2018, foi convidado a prestar consultoria para a equipe de campanha do candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL).
“Comecei a participar de reuniões com o general Souto”, ele explica, fazendo referência ao autor do plano de campanha para a área de educação, o general da reserva Aléssio Ribeiro Souto. “Ele me dava missões difíceis, queria um panorama das universidades brasileiras, do financiamento, dos alunos, dos professores. Comecei a chamar amigos para ajudar na pesquisa. Se não fosse o general Souto, esse grupo não teria nascido”.
Um dos interlocutores dessa época foi Ricardo da Costa, historiador especialista em Idade Média e professor da Universidade Federal do Espírito Santo. “Estou com o Marcelo desde a fundação do grupo e sou um dos primeiros professores federais que fez parte do Escola sem Partido, há mais ou menos 18 anos”, diz Ricardo da Costa.
Já no início de 2019, enquanto agregava especialistas, Hermes-Lima começou a publicar artigos sobre a baixa relevância da produção acadêmica nacional. Começou a analisar o desempenho de diferentes setores e a descrever casos de países cuja produção é mais citada. Na mesma medida em que foi atacado por colegas, Hermes-Lima também chamou a atenção de pesquisadores que concordavam que a falta de relevância era um problema grave. Essas pessoas passaram a se aproximar do professor da UnB.
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Coruja com sino
Hermes-Lima também passou a acompanhar o desempenho de professores de direita que, nos últimos meses, se apresentaram como candidatos a reitor em diferentes instituições federais – caso da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (BA) e da Universidade Federal da Grande Dourados (MS). Utilizando grupos de WhatsApp, ele colocou em contato profissionais de diferentes áreas de conhecimento, de todas as regiões do Brasil. “O grupo Docentes pela Liberdade foi organizado a partir da combinação de vários grupos de WhatsApp, com professores do Brasil inteiro”, explica Ricardo da Costa.
Num primeiro momento, o grupo principal de WhatsApp, que reunia todos os participantes, se chamava “Educação sem Lacração”. Na medida em que se organizaram, os professores encontraram o nome definitivo. Agora, trabalham no próximo passo, sugerido por Rafael de Menezes, professor de direito civil da Universidade Católica de Pernambuco e juiz da 8ª Vara Cível de Recife: o grupo está se transformando numa associação, com membros pagando mensalidade, site oficial e diretoria.
“Conheci o grupo através das postagens no Facebook do professor Marcelo Hermes”, explica o juiz. “Sua importância é arejar o ambiente acadêmico com um viés simpático ao empreendedor. Nós professores, como formadores dos jovens, precisamos destacar a herança recebida do capitalismo que em dois séculos garantiu dois direitos humanos fundamentais: saúde e vida”.
Atualmente, além de professores de diversas instituições, participam do “Docentes pela Liberdade” um reitor, pessoas ligadas ao Ministério da Educação e quatro brigadeiros do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). A diretoria da entidade trabalha também na finalização de seu símbolo oficial, que está sendo produzido por Júlio van der Liden, professor dos cursos de Design de Produto e Design Visual da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Será uma coruja típica do cerrado, carregando um sino, símbolo da liberdade.
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Oxigenação para a Academia
“A associação é uma iniciativa extremamente importante para reequilibrar o país”, explica van der Liden. “Não é um grupo de vingança, não tem o objetivo de apagar a voz da oposição, como a esquerda fez até hoje. É um grupo extremamente importante em defesa da liberdade, inclusive a liberdade dos que não buscam a liberdade”.
Atualmente, a associação agrega profissionais de todas as regiões do país. “Os professores mais atuantes vêm de Sergipe e Pernambuco, disparado, mas também do Rio Grande do Sul, do Piauí e de Mato Grosso do Sul”, explica Marcelo Hermes-Lima. O tema principal, “liberdade”, é importante para essas pessoas. “Metade das pessoas que participam têm medo. Principalmente os que estão nas duas pontas da carreira, no início e no fim”, explica Hermes-Lima, que recebe, por email, relatos constantes de professores de direita que se sentem impedidos de expressar suas posições políticas.
“Eu me interessei pelo grupo porque sei da dificuldade que tantos professores passam. A associação tem o papel de ser uma voz, fornecer um suporte para essas pessoas que são perseguidas”, afirma Júlio van der Liden. “Assim, pode criar iniciativas no sentido de reequilibrar o debate dentro da universidade”.
Marcos Sobral, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, concorda. “O meio acadêmico e a ciência precisam de oxigenação. Muitos professores ficavam envergonhados de assumir sua posição, dada a censura social”, afirma. “A Academia deveria ter essa característica, a de estimular o livre pensar. Não podemos dizer que a sociedade inteira é de esquerda. Se a Academia existe, ela deve repercutir as diferentes linhas de pensamento, e o grupo tem essa função.”
Para Fabrizio Prado, médico nefrologista e professor do curso de medicina da Universidade Estadual de Londrina (UEL), a atuação do grupo dará oportunidade para que o país possa pesquisar assuntos até então bloqueados pela esquerda na academia. "Considero extremamente importante esse grupo, são pessoas muito capacitadas de todo o Brasil, na sua maioria, mas não exclusivamente, professores universitários, cuja visão é um contraponto à ideologia dominante de esquerda. A existência e a atuação do grupo - e de seus membros individualmente - devem contribuir para o ambiente de liberdade na educação, o que permitirá o aparecimento de pensamentos, trabalhos até então discriminados e impedidos de serem levados adiante."
Para mais informações sobre o movimento, que não é restrito a docentes, basta enviar um e-mail para [docentespelaliberdade@gmail.com].