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Na tarde de 7 de dezembro de 2016, uma quarta-feira, Ramon Lima dos Santos passou três horas preso em uma sala, ameaçado por centenas de pessoas que batiam nas portas exigindo que ele saísse para ouvir, em silêncio, um sermão contra suas posições ideológicas.

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A eletricidade do local foi cortada e pedras, empilhadas nos arredores. Santos era professor de filosofia da Universidade Federal do Piauí (UFPI), e por volta das 14h havia entrado na sala da secretaria da faculdade para pedir socorro: a sala onde ele iria dar aulas estava cercada por manifestantes.

Ao saber da localização do professor, o grupo se dirigiu à sala da secretaria. Estavam lá dentro, além da vítima, uma colega professora, o vice-diretor do Centro de Ciências Humanas e Letras, alguns funcionários e uma senhora com uma criança de sete anos. “Nós nos trancamos, e eles começaram a bater nas portas, que eram de metal e faziam muito barulho. A criança começou a chorar, e um dos manifestantes desligou a luz da sala, no meio de uma tarde de dezembro, no calor de Teresina”, relembra – é a primeira vez que o professor se manifesta sobre o incidente.

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Escolta da PF

Nascido em Teresina (PI), graduado em Direito com mestrado em Filosofia pela UFPI, Ramon Lima dos Santos se tornou professor substituto no segundo semestre de 2015. Ele afirma que entrou para o radar da militância depois de um congresso realizado num auditório da universidade, com o tema “Conservadorismo e cultura”. “O evento aconteceu na sexta-feira anterior ao ataque. Eu estava na plateia. Os militantes se reuniram do lado de fora e tentaram invadir. Algumas pessoas, incluindo eu, se levantaram e ficaram segurando a porta. Até que cedemos. Eles entraram e marcaram algumas pessoas, incluindo eu”.

Na sequência, diz o professor, os militantes buscaram suas redes sociais. “Iniciaram uma campanha de difamação. Me chamavam de fascista, racista, homofóbico. Uma aluna em particular fez um longo texto que foi quase uma convocatória para que a militância tomasse uma atitude contra mim”.

Na quarta-feira em que foi vítima de cárcere privado e ameaças, o professor precisou ligar, de dentro da sala, para a Polícia Federal – a única força autorizada a entrar nas universidades federais. “A Polícia Federal passou muito tempo conversando com os manifestantes. Nesse meio tempo chegou a imprensa e eles hostilizavam os repórteres”. Um professor, o coordenador do curso de filosofia, entrou na sala para apresentar as exigências do grupo. “Queriam que eu me afastasse do trabalho e aceitasse ficar do lado de fora, sem falar nada, ouvindo tudo o que eles tinham para me dizer. Eles queriam uma espécie de expurgo público. Eu seria humilhado. Era uma situação que começaria com gritos e cuspe e poderia acabar em linchamento.”

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O professor se recusou e, depois que cada uma das pessoas da sala foi autorizada a sair, ele acabou sendo levado, sob escolta, para uma viatura da Polícia Federal. “Fui embora com colete a prova de balas, cercado por guardas, correndo abaixado, sob uma chuva de cuspe. A viatura teve dificuldade para sair, porque dezenas de pessoas cercaram o veículo”.

Microfone retirado

Perseguição semelhante, em outra instituição, contra outro profissional da educação, aconteceu no ano passado, em Recife. Dois dias depois do primeiro turno das eleições presidenciais, numa terça-feira, 9 de outubro, um grupo de estudantes promoveu, dentro das instalações da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em Recife, a exibição do filme Bonifácio. Ao final da sessão, Rodrigo Jungmann, professor de filosofia que reservou a sala onde aconteceu o evento, saiu para a cantina, comer um lanche. “Não cheguei a comer”, lembra ele. “A cantina foi cercada por cerca de trinta estudantes e a guarda universitária disse que não poderia garantir minha integridade física e iria me conduzir até minha casa.”

Era o auge de uma sequência de incidentes iniciada em 2016. Ao longo desses anos, o professor foi hostilizado com frequência. Ele precisou colocar (com dinheiro próprio) grades nas portas e janelas de sua sala desde que, em 2016, o local foi invadido. Um computador foi jogado no chão e as paredes foram pichadas com as frases “Burguês de merda” e “Stalin matou pouco”.

Neste momento, circulam pelo campus da universidade cartazes chamando o professor de “pinguim da privataria” – uma acusação irônica de que Jungman seria pré-candidato à reitoria da UFPE, que vai realizar eleições neste ano. “Não sou, nunca fui candidato a reitor. Eu sou a favor da privatização, mas não tenho a menor intenção de ser reitor. Se eu fosse, eles iriam me hostilizar. Se eu não saio candidato, vão dizer que venceram”, ele diz.

Professor universitário há dez anos, Jungman começou a dar aulas na UFPE em 2012. “Trabalhei silenciosamente até que, em 2015, comecei a fazer postagens de conteúdo conservador no meu Facebook. Em maio de 2016 eu apoiei a realização de um evento sobre marxismo cultural, e a esquerda já me hostilizou”. Um colóquio sobre o feminismo foi invadido por uma professora e um grupo de alunos.

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Em outubro, foi hostilizado ao defender a Escola sem Partido, em Caruaru. “Quando teci críticas a Paulo Freire, um professor retirou o microfone da minha mão, dizendo que não admitiria críticas a Paulo Freire naquela instituição”. Ao ir embora, seu carro foi cercado por mais de 100 pessoas que o chamavam de fascista. Sobre a invasão de sua sala, o professor reclama da falta de apoio: “a reitoria foi completamente omissa, não prestou nenhuma solidariedade”.

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Perseguição sistemática

Os casos de Ramon Lima dos Santos e Rodrigo Jungman confirmam: não é fácil ser professor de direita dentro das universidades federais brasileiras. Foi o que descobriu, também, um professor que atua em uma universidade federal da região Centro-Oeste e, em determinado momento da carreira, decidiu se candidatar a reitor. De repente, alunos de outras turmas entravam em sala, interrompiam sua aula e perguntavam por que ele pretendia privatizar o curso de medicina – era mentira. “Não adiantava eu negar. Os estudantes das áreas médicas, em massa, votaram em outros candidatos”, afirma o professor. Os ataques foram mais longe.

“Espalharam boatos de que eu batia na minha esposa. Esses ataques me ofenderam pessoalmente e deixaram marcas na minha imagem profissional mesmo depois das eleições”, diz ele. “E essa postura baixa, mentirosa, partiu do ambiente universitário, que deveria dar o exemplo de comportamento ético” O candidato não foi eleito e pediu à Polícia Civil que investigue os ataques distribuídos nas redes sociais.

“Dentro da universidade, quem tem um pensamento conservador não se sente livre para se expressar, nem mesmo em suas redes sociais”, afirma ele. “Discordar da maioria significa perder verba para projetos de pesquisa, perder bolsas, perder amizades”.

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Casos de perseguição interna por motivações ideológicas são comuns. Professores ouvidos pela reportagem informam que conseguir verbas, espaço em laboratório ou mesmo encontrar orientadores para produzir uma tese de pós-graduação. Um professor da Universidade de Brasília foi alvo de um aluno, que agiu, segundo ele, orientado pela direção. “Ele me apresentou um trabalho e eu pedi para reestruturar, porque era formado por cópias de outros trabalhos. Expliquei para ele que é crime usurpar o texto de outras pessoas”.

No dia seguinte, no horário combinado para reencontrar o professor, o aluno não compareceu. Já havia procurado a direção para reclamar do professor. “Fui conversar com a diretora, e ela me informou que ele seria transferido de turma”, ele lembra. Reclamou do aluno em uma reunião de colegiado, e o que informou ali acabou sendo usado contra o professor em um processo. “Ele me processou por calúnia e difamação. No processo, informou que a diretora o orientou a alegar que eu havia abandonado o aluno”.

“Não tenho opção”

No ano passado, uma professora de história de uma escola de ensino médio passou por um constrangimento depois que, em sua rede social, anunciou o apoio a Jair Bolsonaro. “Em sala de aula, só falo de política quando necessário. Não falei em eleições, mas nas redes sociais os alunos viram que declarei meu voto”, ela lembra – é mais um caso de profissional que preferiu não ser identificado na reportagem.

“Numa sala de aula específica, os alunos cobriram uma parede inteira com cartazes contendo os dizeres ‘Ele não’ e ‘Fascistas não passarão’. Quando eu comecei a dar aula, uma boa parte deles virou de costas”. Ela chegou a conversar sobre a importância da liberdade de expressão, e a coordenadora disciplinar usou um horário da professora para conversar com os alunos. “O clima melhorou um pouco, mas continuou muito tenso. Alguns alunos se solidarizaram comigo, mas discretamente, porque têm medo da patrulha ideológica”.

Dos cinco professores ouvidos pela reportagem, um deles, Ramon Lima dos Santos, não dá mais aulas em universidades públicas. “Meu contrato com a UFPI acabou seis meses depois, e desde então não apareceram outras oportunidades em Teresina”, ele afirma. “Acho que essa situação dificultou a minha procura por emprego. Não só os educadores conversam entre eles, como sabemos que, na educação, os profissionais têm um viés ideológico. E outras pessoas simplesmente não querem problema.”.

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Para continuar em sala de aula por mais um semestre antes que o contrato terminasse, o professor teve que lidar com pressões internas – e uma campanha de difamação constante. “Queriam que eu deixasse de dar aula, mas continuei até o término do meu contrato. E as acusações continuaram”, ele conta. “No semestre seguinte alunas calouras, que sequer me conheciam, chegaram a me interpelar dizendo que sabiam que eu era o professor que tinha estuprado alunas.”

Desde então, Santos, que se declara aluno do filósofo Olavo de Carvalho, desenvolve e ministra cursos. Ele processou alguns dos alunos, que publicaram textos ofensivos contra ele, e também a universidade, por não ter oferecido um ambiente de trabalho seguro. “Isso só existe por causa da cumplicidade de parte significativa do corpo docente e da administração da universidade”, afirma. “Não é apenas uma situação de permissividade, mas de fomento de uma militância agressiva e permanente dentro da instituição”

Outro professor entrevistado está apenas esperando a data mínima para se aposentar. “Não tenho mais motivação para trabalhar”, ele conta. Os demais continuam na profissão. Jungman, por exemplo, diz que pretende manter sua postura ideológica e vai seguir dando aulas. “No momento eu não tenho opção. Dar aula é meu sustento”.

Novo ministro

A Gazeta do Povo tentou, em março, entrevistar o atual ministro da Educação, Abraham Weintraub, que também foi perseguido pela esquerda quando era professor na Unifesp. Avesso a entrevistas e à imprensa, ele preferiu não contar sua história.

Seus colegas contam que os problemas de Weintraub começaram quando o então deputado Jair Bolsonaro publicou, em 13 de novembro de 2017, no Facebook, um texto do professor com uma defesa da independência do Banco Central.

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Weintraub foi processado por professores e alunos e deu o troco. "Ele bateu forte de volta, processando a todos, não leva desaforo para casa", afirmou um amigo.

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