Na terça-feira, 14 de maio, uma aluna da Universidade Federal do Piauí recebeu uma mensagem. Era de sua orientadora, “dizendo que eu teria que comparecer à manifestação que aconteceria às 16 h na entrada da UFPI e que deveria ir de jaleco”, ela contou para a reportagem. “Outras colegas minhas estavam ao meu lado e receberam a mesma mensagem. Sabemos que se a gente não for a coordenadora geral do programa vai ficar uma fera. A gente pode até perder a bolsa. Então a gente fica sem opção. Tem que obedecer”.
A aluna continua: “Acho muito errado a gente ser obrigada a ir. Eu não sou contra a reforma da previdência e não acredito que a universidade vá fechar por causa dos cortes de verbas. Isso tudo é terrorismo do reitor. Mas eu não quero que meu nome apareça na reportagem pois tenho medo de ser perseguida e excluída do programa. Eu preciso da bolsa.”
No mesmo dia, a mais de 2600 quilômetros de distância, no campus da Universidade Estadual Paulista (UNESP), ocorria uma cena muito parecida. Uma aluna que estava lá conta o que viu: “Eu estava sentada em uma área comum dos alunos e tinha uma moça e um rapaz ao meu lado conversando. Primeiramente a moça disse ao rapaz que na quarta-feira, dia da paralisação, todos iam ficar sabendo quem votou no Bolsonaro, pois quem não fosse à paralisação estaria confessando que votou nele. Depois ela relatou ao colega que ela não podia nem pensar na possibilidade de não ir, pois a professora cortaria a bolsa de estudos dela”.
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Situações semelhantes acontecem rotineiramente nas universidades públicas. Assim como professores conservadores também os alunos que não compartilham da ideologia política de seus professores e colegas se sentem ameaçados e perseguidos. A ponto de nenhum dos sete estudantes ouvidos pela reportagem autorizar a divulgação de seus nomes, com medo de retaliação.
Notas baixas
“Já passei por situações de perseguições ideológicas por ter um posicionamento favorável ao processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Foram diversos tipos de ameaças, tanto de alunos e professores”, afirma um estudante da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro do grupo conservador UFRJ Livre. “Os ataques foram por diversos motivos. Por parte dos alunos, em conversas no grupo da turma no WhatsApp, pegavam posts pessoais do meu perfil no Facebook para me ridicularizar”.
Ele afirma que quase foi reprovado por um professor que discordava de seu pensamento conservador. “Com esse professor eu já havia feito três disciplinas anteriores e aprovado com notas altas. Nesta última, tínhamos que entregar resenhas dos textos e documentários apresentados pelo professor, todos com viés de esquerda. Como dessa vez eu concluía minhas resenhas de maneira crítica, minhas notas eram baixas e algumas vezes zeradas. Para ser aprovado tive que fazer uma prova final”.
Uma aluna de graduação no Paraná acabou de começar seu curso e já se sente desmotivada para prosseguir. Depois de um desentendimento com um professor, ela se viu pressionada pelas redes sociais. “Eu fiz um comentário na minha página no Facebook quando aconteceu o ocorrido, mas não citei o nome do professor. Alguém fez um print da tela e publicou no grupo da universidade”, ela conta. “Eu fui humilhada naquele grupo, falaram coisas horríveis sobre mim, que a universidade não era lugar de laranja do Bolsonaro, sendo que eu não tenho ideologia política, só sou contra essa doutrinação das faculdades”.
Dificuldades no doutorado
Já um professor de universidade privada no interior de São Paulo tentou ser aluno de doutorado da Universidade de Brasília. “Ingressei no doutorado na mesma instituição onde eu fiz o mestrado. Mas meu orientador do mestrado havia se aposentado e o pessoal de esquerda não queria me orientar. Depois de seis meses sem conseguir alguém que me orientasse, desisti do doutorado e ingressei na Universidade Estadual de Maringá”. Na UEM, as dificuldades se repetiram. “Me deram nota baixa na entrevista pelo fato de eu trabalhar, porque o foco deles era selecionar bolsistas. Fui alocado com um professor que eu não conhecia, que era de uma área diferente. E esse professor ficou incomodado porque eu trabalhava e desistiu de me orientar”.
O aluno foi então encaminhado para outra professora orientadora. Concluiu as disciplinas seis meses antes do prazo e começou a trabalhar na tese. “No ano passado, com os humores mais quentes por causa da eleição, o comportamento dela mudou completamente comigo. Ela foi se tornando mais ausente, parou de responder e-mails, contribuir com o trabalho, parou de me orientar”.
No momento da qualificação, seu projeto, que já tinha sido apresentado numa primeira versão, foi submetido a uma banca, segundo ele, “com um viés ideológico muito claro. Eles disseram simplesmente que eu teria que fazer um novo projeto”. Foi quando ele desistiu do doutorado. “É uma pena, é um trabalho grande fazer as disciplinas, eu viajava 200 quilômetros, três vezes por semana, para estudar. Mas vou procurar outra instituição para desenvolver meu projeto”.
Um professor universitário do Espírito Santo, que já foi aluno da graduação e do mestrado, explica que nem sempre a perseguição ideológica é declarada. “Se você pega as disciplinas dos cursos, sempre vai encontrar de autores alinhados ao pensamento de esquerda. Muito raramente vai encontrar autores de direita”. Certa vez, ainda como aluno, ele se viu muito criticado por ler um livro do historiador Marco Antonio Villa. “O que acontece no ambiente acadêmico é uma situação de censura. Autores que não fazem parte da ideologia simplesmente são desconsiderados”.
Abuso de poder
“Um dos meus professores foi muito agressivo, descartou qualquer possibilidade de dialogar a respeito do autor”. Em outra ocasião, ouviu de uma possível orientadora que só trabalharia com ele caso ele cortasse relações com um outro professor, conservador. “Em diversas situações, alunos ligados a esse professor se viam barrados no acesso a impressoras e equipamentos”.
Mas acontecem também, diz ele, situações de ameaças, geralmente utilizando o poder de distribuir bolsas. “Uma vez um professor pediu para o aluno, bolsista, que digitalizasse uma série de imagens de vasos gregos, todos com temas de relacionamento homoerótico. O aluno fez, constrangido. O professor disse que, se ele quisesse uma aula prática do que viu nos vasos, bastava procurá-lo”.
Para um estudante da Universidade Federal do Paraná, a perseguição partiu dos colegas. “Em março de 2016, aconteceu uma manifestação contra do governo Dilma. Eu fui, tirei umas fotos e publiquei no Facebook. O que eu não imaginava é que várias pessoas viram as fotos e questionaram, via Facebook, o que eu estava fazendo na manifestação. Na minha inocência, simplesmente disse que estava lá porque discordava do governo. Naquele momento começaram as perseguições.”
No dia seguinte, o estudante encontrou o quadro-negro da sala preenchido por slogans. “Eram textos do tipo 'Stálin matou pouco', 'conservador não tem vez', 'morte aos liberais'. Fizeram ameaças diretas de morte a alunos conservadores. Resolvi que mesmo assim não iria esconder minha opinião. Sempre fui aberto ao diálogo, coisa que eles nunca foram”.
A escalada de provocações e agressões contra o estudante aumentou. O aluno foi acusado de instigar atitudes racistas e de assediar colegas. “Quando eu abordava as pessoas que inventavam essas histórias, elas simplesmente mudavam de assunto”. Em uma ocasião, teve que pedir para uma professora que o autorizasse a fazer um trabalho sozinho – nenhum grupo aceitou trabalhar com ele.
Isolamento
“Um colega chegou a dizer que eu não devia estar naquele curso, e que deveria existir uma entrevista prévia para filtrar alunos que não tivessem o perfil sócio-político adequado”. O estudante chegou a ser impedido em entrar em uma assembleia do curso. “Um rapaz me disse que, se eu não saísse da porta, ele me jogaria longe. Eu estava de muletas e resolvi me afastar”.
Um problema comum entre esses estudantes é essa sensação de isolamento. “Na faculdade tenho poucos colegas, apenas com quem compartilha do mesmo posicionamento liberal ou conservador, e eles também passam pela mesma situação. Não temos espaço nem para nos defender, quando fazemos alguma reclamação somos alvo de piadas. São situações bastante constrangedoras”, diz o aluno do grupo UFRJ Livre. “Muitas vezes me sinto um exército de um homem só”, complementa o estudante da UFPR.
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