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O Brasil tem um desempenho decepcionante nos levantamentos que analisam o impacto da produção científica – e, nas Ciências Humanas e Sociais, a situação é ainda pior do que nas Ciências Exatas e da Natureza. Nesses estudos, a qualidade da produção acadêmica geralmente é medida pela quantidade de papers (artigos) citados por outros pesquisadores. Este critério pode levar à conclusão de que disciplinas como História e Direito estão deixando a desejar porque são pouco relevantes no cenário global. Mas talvez os levantamentos não estejam capturando outro fenômeno: o da “internacionalização ideológica”. Em outras palavras, a obrigação dos pesquisadores brasileiros das áreas de Humanas seguirem temáticas impostas por interesses de outros países.
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Embora reconheçam os problemas da academia brasileira, alguns pesquisadores afirmam que a métrica das citações por paper, embora adequada para as Exatas, é problemática nas Humanas. Eles argumentam que a internacionalização depende de fatores alheios ao trabalho do pesquisador, e afirmam que ela pode até mesmo ser um mau sinal: um sinal de que os pesquisadores estão seguindo uma agenda definida por organizações estrangeiras, que não necessariamente desejam estudar os temas mais relevantes do ponto de vista dos brasileiros.
Os exemplos dessa “colonização” das pesquisas de Humanas são inúmeros. Um levantamento simples realizado por pesquisadores – que preferem o anonimato por medo a retaliações de colegas –, a partir dos últimos projetos de pós-doutorado financiados pela Fapesp, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, e do conteúdo dos artigos publicados na Revista da agência, mostram a forte influência da chamada Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas nas pesquisas e de ideias chamadas “progressistas”, que incluem temas como racismo estrutural, ativismo LGBT e feminista, luta de classes, entre outros. Pelo menos, 133 pesquisas financiadas desde 2019 têm essa abordagem. Na revista Fapesp, nas edições de dezembro de 2019 a maio de 2020, de 170 artigos analisados, 40 apresentavam essas temáticas. E a principal explicação tem a ver com os recursos para o financiamento: organizações públicas e privadas, brasileiras e estrangeiras, cada vez mais incluem os itens da Agenda 2030 como critério para o financiamento à pesquisa.
Nas publicações catalogadas, estão artigos que trazem títulos como “Balança desequilibrada: Participação feminina em diferentes profissões jurídicas diminui conforme progressão da carreira” e “Transindividual e Autodeterminação: aproximações entre o problema da raça e os limites do indivíduo na contemporaneidade”. A conclusão deles é que, cada vez mais, o foco tem se voltado para bandeiras ideológicas internacionais, das quais a História do Brasil e o Direito Constitucional brasileiro, por exemplo, são meros pano de fundo.
Na verdade, nem mesmo as Ciências Exatas são poupadas. Um artigo intitulado “O gênero da ciência: Diálogo com teorias feministas abre novas frentes de investigação em distintas áreas do conhecimento” ganhou o espaço na revista da Fapesp. “Os projetos dentro da Agenda 2030 foram recebendo um destaque absurdo. Virou música de uma nota só”, afirma um dos pesquisadores.
Embora sejam críticos do viés ideológico de boa parte do que é produzido nas Ciências Humanas no Brasil, os professores rejeitam a ideia de que a falta de internacionalização é algo ruim e apontam caminhos adotados em outros países para avaliar a qualidade das pesquisas. Eles lembram o famoso manifesto de Leiden, publicado na Revista Nature em 22 de abril de 2015, no qual cientistas afirmam que as pesquisas, principalmente nas áreas de Humanas, não devem ser avaliadas apenas pelo número de citações internacionais, já que a falta dessas citações se deve, muitas vezes, à falta de interesse de pesquisadores estrangeiros sobre temas locais. Isso não quer dizer que esses temas não devam ser estudados - ou que eles devam ser substituídos por uma agenda identitária que enxerga tudo pelo prisma da desigualdade racial ou de gênero. O manifesto de Leiden prevê, entre outros aspectos a serem analisados em uma pesquisa, a aplicação do estudo no desenvolvimento da sociedade e a transparência nos dados (outros possam reproduzir e checar os resultados) – características negligenciadas pela Capes na avaliação de pesquisas científicas no Brasil.
Um dos professores, aliás, também nega que a barreira do idioma seja o maior problema. “Uma vez, um pesquisador, responsável por uma revista A1 [categoria mais alta na qualificação de publicações brasileiras acadêmicas] resolveu traduzir todos os artigos para ver se aumentava o acesso. Não aumentou. Não é uma questão de língua, é a falta de interesse”, diz uma das fontes. Para exemplificar, um professor lembra que descobertas no campo da Física, por exemplo, têm repercussões internacionais; já um novo achado sobre a vida de Tiradentes não necessariamente vai render citações em publicações estrangeiras.
Segundo os docentes, reduzir todas as pesquisas de Humanas a critérios pré-estabelecidos, muitas vezes, por organizações internacionais - especialmente a Agenda 2030 da ONU – prejudica a boa ciência local de Direito, História, Letras para se reduzir a temas LGBT, sobre feminismo e “racismo estrutural”. “Nós (brasileiros) não propusemos esta agenda. Ela veio pronta de fora”, queixa-se um dos professores, que complementa: “Essa agenda deixa pouca margem para as ciências Humanas e não constitui um parâmetro bom o suficiente para as diversas áreas do conhecimento”.
O professor afirma que, para além da pauta ideológica, os critérios da agenda internacional acabam por prejudicar pesquisadores cujo trabalho lida com temas menos “internacionalizáveis”. “Quando estive na coordenação de um programa de pós-graduação, todas as vezes em que prêmios foram oferecidos aos discentes de doutorado em que as ODS [Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU] estavam nas condições de enquadramento dos concorrentes, não houve nenhum inscrito”, diz.
A Fapesp não quis comentar sobre o financiamento expressivo de pesquisas ligadas à Agenda 2030 e de abordagem “progressista”. A agência informou apenas que, no ano passado, foram investidos R$ 978,3 milhões no fomento de 21.233 projetos de pesquisa. E que todos “os projetos submetidos à Fundação são analisados por pares e selecionados por mérito, assim como nas mais importantes agências de fomento à pesquisa de todo o mundo”.
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