Pela primeira vez, o Brasil terá um guia descritivo para o currículo de todas as escolas. O Ministério da Educação (MEC) divulgou nesta quinta-feira (6) a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que reúne conteúdos, habilidades e competências que devem ser desenvolvidos na educação básica. O texto depende agora de parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) para ser aprovado – e não inclui ainda o ensino médio.
O documento continua polêmico. Por um lado, pesquisadores e especialistas comemoram o fato de o Brasil ter, como outros países, umas diretrizes nacionais mais específicas, não encontradas em documentos anteriores. Ressaltam também que disciplinas antes modificadas de forma questionável, como o aumento da história da África em detrimento da história do mundo antigo, voltaram a um patamar aceitável. Mas há outro grupo de professores e representantes de entidades alegam falta de autonomia em sala de aula.
“Durante muito tempo ficamos com uma visão incorreta, de que ter uma base, como existe em todos os países com educação bem melhor que a nossa, tiraria a autonomia do professor em sala de aula, a sua liberdade acadêmica”
Para Claudia Costin, por exemplo, que foi diretora para a área de Educação no Banco Mundial e hoje é professora de Harvard e da Fundação Getúlio Vargas, o documento não é perfeito, mas é um avanço no sentido de tentar garantir que crianças e adolescentes tenham um mínimo de conhecimentos previstos para cada etapa, independentemente do local do país em que estejam.
“Durante muito tempo ficamos com uma visão incorreta, de que ter uma base, como existe em todos os países com educação bem melhor que a nossa, tiraria a autonomia do professor em sala de aula, a sua liberdade acadêmica. A educação, para ser de qualidade, precisa estar centrada nos direitos das crianças e dos adolescentes. A autonomia do professor é uma autonomia metodológica, nos métodos que ele vai usar para que esse direito seja assegurado”, afirma Cláudia Costin.
Já professores associados a entidades como a Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação (Anped) veem a forma como o documento está apresentado como mais uma forma de verificar se o professor cumpre etapas e não para a produção de conhecimento.
“A Base pega todo um conjunto de princípios, que geram a possibilidade de entrar no mundo do conhecimento que é muito amplo e complexo, e reduz a um código alfanumérico”, diz o professor Guilherme do Val Toledo Prado, da Faculdade de Educação da Unicamp. “Esses códigos são transformados em um descritor avaliativo, para as avaliações em larga escala, e restringe o conteúdo e as possibilidades de aprendizagem”, acredita.
“A criança poderá não corresponder ao esperado, sendo mal avaliada por isso. Porém, o problema não está nela, mas sim, na formulação presente na BNCC”
“Etapista”
Além de criticar o que chama de ‘rigidez’ na BNCC, a professora da Faculdade de Educação da UFPR, Mônica Ribeiro da Silva, lamenta a concepção da Base para o desenvolvimento infantil, chamando-a de superada e ‘etapista’. Ela cita códigos em que se exige em uma determinada etapa da infância competências que podem ser adquiridas em momentos diferentes.
“A imensa bibliografia sobre o tema do desenvolvimento humano já superou essa visão reducionista que “encaixa” as crianças em um comportamento ‘esperado’”, afirma Mônica Ribeiro. “Se pegarmos todas as crianças da faixa etária incluída no critério estabelecido pela BNCC veremos que elas não responderão de maneira uniforme ao objetivo esperado, e isso poderá ser interpretado como uma dificuldade pessoal. Essa criança poderá não corresponder ao esperado, sendo mal avaliada por isso. Porém, o problema não está nela, mas sim, na formulação presente na BNCC”, afirma.
Priscila Cruz, do movimento Todos pela Educação, por outro lado, não vê na discriminação dos conteúdos algo negativo. Para ela, assim como para Claudia Costin, isso não tira a autonomia do professor e protege a criança. “Esta versão da BNCC teve uma maior preocupação com o texto e os conteúdos mínimos. As competências estão mais claras e focadas nos objetivos de aprendizado do aluno e não no trabalho que o professor vai fazer, no ‘como’, o que é bom para o aluno e mantém a liberdade do professor”, assegura.
BNCC define que crianças saibam ler e escrever aos 7 anos
Agência Estado
Um dos pontos mais destacados da terceira versão da BNCC é a de que até o final do 1º ano, ou seja, aos 7 anos, as crianças já saibam ler e escrever. O documento define que, ao final do 1º ano do fundamental, os alunos devem conseguir escrever “espontaneamente ou por ditado” palavras e frases “de forma alfabética”, além de escrever corretamente o próprio nome, o dos pais, o endereço completo e ler palavras e pequenos textos.
Atualmente, o País define que as crianças devem ser alfabetizadas até os 8 anos, ou seja, ao final do 2º ano - como define o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). O Plano Nacional de Educação (PNE) definiu como meta que até o 3º ano todas as crianças tenham aprendizagem adequada em leitura e escrita.
CNE prevê para novembro aprovação da base curricular
Agência O Globo
O Conselho Nacional de Educação (CNE) quer aprovar a BNCC do ensino infantil e da educação fundamental até novembro deste ano. Serão feitas cinco audiências públicas nacionais. Só depois disso, a comissão do implementada para analisar a base dará seu parecer para ser votado pelo CNE.
“Queremos votar o parecer em novembro e, a partir disso, encaminhar ao MEC para homologação. A partir daí, ele passa a ser válido”, afirmou Cesar Callegari, conselheiro do CNE.
Ele defendeu uma discussão ampla do texto que garanta aperfeiçoamentos necessários. Por isso, além das audiências públicas previstas, outras reuniões devem ser promovidas para se chegar à melhor versão de um documento que será válido para todo o país, com todas as suas diferenças e peculiaridades, sem ficar engessado.