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Por falta de lei, o Estado não sabe nada sobre o ensino domiciliar brasileiro

Palácio do Planalto. (Foto: DF / Oficial)

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Quantas famílias são adeptas do ensino domiciliar no Brasil? Essa com certeza é a pergunta mais frequente em qualquer reunião com autoridades e parlamentares que se deparam com o tema pela primeira vez. A resposta, contudo, é de uma inexatidão frustrante para todos os envolvidos na questão, desde as entidades que gostariam de ajudar o maior número possível de famílias educadoras, até aqueles opositores que querem criticar a modalidade com mais fundamento. Hoje, tudo o que temos são estimativas. Não há nenhum número oficial obtido por levantamento do Poder Público, e isso é culpa da ausência de lei.

Atualmente, o ensino domiciliar no Brasil é um fato social óbvio, com milhares de adeptos. Há comunidades de famílias que promovem eventos, produzem material didático, formalizam associações e atuam junto às casas legislativas, pedindo urgência na regulamentação. Há ainda personalidades que atuam no campo cultural, agregando multidões de seguidores nas redes sociais e compartilhando suas práticas mais bem-sucedidas. A demanda é tão real e crescente que, só nos últimos dois anos, apenas para citar alguns dos fatos mais relevantes, o Supremo Tribunal Federal teve de se manifestar sobre a questão em plenário, foi criada uma frente parlamentar na Câmara dos Deputados dedicada exclusivamente à defesa do homeschooling com 240 congressistas – quase a metade da Casa -, o governo federal encampou o tema, enviando para o Congresso Nacional o próprio projeto de lei e propostas de regulamentação se multiplicaram num ritmo impossível de ser acompanhado com precisão nos estados e municípios.

Quantas realidades sociais com essas mesmas características encontram-se nessa mesma situação, na qual o Poder Público não dispõe de nenhum dado oficial sequer? Pois esse é o absurdo ponto ao qual chegamos devido à omissão do Legislativo em regulamentar a prática. No papel, sem lei, pode-se dizer que o ensino domiciliar nem existe, o que impede, por exemplo, que se inclua uma pergunta sobre o tema no Censo do IBGE, ou que permita ao Ministério da Educação fazer esse levantamento. No mundo real, contudo, há grupos de pais e mães cada vez mais organizados e motivados a proteger sua escolha, que é a de educar os próprios filhos em casa, nem que para isso sejam injustamente perseguidas pelo Estado ou obrigadas a deixar o país.

Os únicos números disponíveis sobre ensino domiciliar no Brasil hoje são os apresentados pela Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), com base numa coleta de informações feita em 2016, na qual se chegou ao número de sete mil e quinhentas famílias ou aproximadamente 15 mil estudantes. No entanto, a própria entidade reconhece que o número tende a ser bem maior, já que é grande a quantidade de famílias que se recusa a responder qualquer questionário sobre o assunto, dado o histórico de perseguição contra a modalidade que foi disseminado no país.

Muitos pais e mães zelosos, responsáveis e capazes optam por se esconder, já que não confiam na desejada sensatez de um eventual conselheiro tutelar, promotor ou juiz que venha a tratar de seu caso. Enquanto não houver segurança jurídica para se exporem, continuarão agindo como se vivêssemos num regime autoritário, no qual o Estado obriga todos os pais a educarem seus filhos num único modelo permitido. Estão errados em seus temores?

Só existe uma forma de acabar com essa cegueira estatal, essa completa ignorância do Poder Público a respeito do ensino domiciliar brasileiro: dando à modalidade uma lei. Só depois disso, e com as consequentes pesquisas por parte dos órgãos competentes para a tarefa, é que se poderá falar com mais consistência sobre o perfil de quem opta por essa forma de educação, suas motivações e suas necessidades. Da mesma forma, só com esses dados é que se poderia falar com seriedade a respeito do impacto que o ensino domiciliar tem no setor de escolas privadas ou na valorização da classe docente.

Sem lei, não há números confiáveis. Sem números confiáveis, a maior parte do que se diz sobre essas questões é mero palpite.

* Jônatas Dias Lima é jornalista e assessor parlamentar na Câmara dos Deputados, onde atua junto à Frente Parlamentar em Defesa do Homeschooling.

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