| Foto: Raul Santana/Fiocruz Imagens

Em meio às comemorações do centenário da Academia Brasileira de Ciências (ABC), uma das pesquisadoras de maior projeção internacional do país, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, anunciou que vai deixar seu laboratório na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para trabalhar na Universidade de Vanderbilt, em Nashville, nos EUA. O motivo? A histórica falta de investimento em pesquisa no Brasil, agravada pela atual crise financeira do governo.

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Nesta entrevista, a acadêmica, que no ano passado chegou a fazer um projeto de crowdfunding para sustentar suas pesquisas, diz que a ciência brasileira “não funciona”, uma vez que os estudos são “muito limitados pelo orçamento” e realizados em “condições degradantes”. Seu laboratório, que já teve 15 pessoas e hoje tem sete, fecha as portas com R$ 250 mil prometidos pelo poder público, mas jamais entregues.

Por que a senhora decidiu deixar o Brasil?
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Porque tenho a oportunidade de trabalhar em uma ótima universidade no exterior (Vanderbilt, nos EUA), que me encoraja a fazer a pesquisa que desejo. E não tenho uma alternativa no Brasil que me faria abrir mão desta oportunidade. Não temos financiamento ou um sistema que encoraje a produção de conhecimento. Infelizmente a decisão foi facílima.

A senhora anunciou sua mudança na mesma semana em que a Academia Brasileira de Ciências completou 100 anos. É o momento oportuno para essa discussão?

Sim. Muitas pessoas concordaram no Facebook que fiquei o quanto podia, que o mais importante é que eu continue o meu trabalho onde for melhor para mim. Mas obviamente todos nós estamos tristes pela constatação inevitável de que nossa ciência não funciona. Somos muito limitados pelo orçamento, e isso nos coloca em uma desvantagem incrível em comparação a pesquisadores de outros países. É ilógico o Brasil se colocar na elite da ciência. Os casos de sucesso aqui são muito isolados. A Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo ainda tem uma verba maior do que o Rio. E também podemos destacar alguns centros privados, como o Instituto d’Or. Mas, em qualquer país, a pesquisa deve ser financiada pelo poder público.

Ainda assim, muitos cientistas dizem que os seus ataques ao governo podem prejudicar a imagem da ciência brasileira, inclusive entre os jovens.
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De fato, há quem acredite que não devo mostrar as condições degradantes disponíveis para o nosso trabalho. No entanto, já está mais do que na hora de deixar claro para o público como se faz uma pesquisa no país. Acho que é uma irresponsabilidade não dizer para os jovens, com todas as letras, como é a ciência no Brasil. A decisão de seguir uma carreira deve ser tomada conscientemente.

Quando a senhora decidiu deixar o país?

Quando resolvi fazer o crowdfunding, que durou de setembro a novembro do ano passado. Conseguimos R$ 113 mil. Até então, o único auxílio que sustentava meu laboratório era de R$ 2.800 e vinha da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio (Faperj). A “vaquinha” na internet foi para que não fechássemos as portas imediatamente. O objetivo era conseguir tempo para que os alunos concluíssem suas teses. Conseguimos comprar novos computadores e anticorpos e consertar um microscópio.

Por que faltam incentivos aos pesquisadores?

No Brasil, uma pessoa qualificada é contratada pela universidade como um professor. Não existe, então, estímulo à pesquisa. Também não há qualquer incentivo para que o pesquisador bem-sucedido reivindique melhores condições de trabalho. Muitas pessoas consideram uma heresia que os benefícios sejam proporcionais ao empenho do profissional. Nas universidades federais, o mote é a isonomia — todo mundo é igual, tem os mesmos direitos. Isso reduz o envolvimento com o trabalho. É como se a pesquisa fosse deixada para as horas vagas.

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Não adiantaria, então, procurar outra universidade pública no país?

Não, porque elas não podem oferecer melhores condições de trabalho ou maiores salários. Isso não depende do mérito, apenas do tempo de serviço. É o contrário das universidades estrangeiras, que tentam “pescar” talentos em outras instituições. É assim que centros de excelência, como a Universidade de Harvard, são construídos.

A senhora acredita que a crise econômica e a falta de financiamento para pesquisas provocarão uma saída em massa de cientistas do país?

Sim, o Brasil pode ter uma debandada de cérebros nos próximos meses. Seria um processo natural. Só na UFRJ, conheço três colegas que já estão procurando vagas no exterior. É um sentimento generalizado de que aqui não dá mais. A procura só não é maior porque os processos de seleção são extremamente competitivos.

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De que forma a falta de verbas repercute na qualidade da pesquisa?

Sem recursos, prevalece o que chamamos de “trabalhinho”, o mínimo necessário para o aluno completar seu curso e que cabe dentro no orçamento. Não é possível fazer muita coisa quando você só ganha R$ 20 mil para uma pesquisa que vai durar três anos. Então, muitas pessoas que tiveram uma boa formação e experiência no exterior não conseguem continuar aqui os seus estudos. É possível, no máximo, replicar o trabalho dos estrangeiros — por exemplo, ver se o resultado de um levantamento feito com a população de um país também é válido entre brasileiros. São questões que acrescentam muito pouco ao conhecimento e não levarão a uma contribuição original.

Como a falta de recursos repercutiu em seu laboratório?

Quando estávamos bem, minha equipe tinha 15 pessoas. Hoje, são apenas sete. Essa redução aconteceu porque deixei de aceitar as pessoas que queriam fazer pós-graduação, inclusive estrangeiros. No ano passado, as bolsas eram pagas, mas não os auxílios. Uma estudante francesa queria fazer pós-doutorado aqui, mas disse a ela que teria um alto custo de vida, e sem garantia de verba para fazer sua pesquisa. Deve ser mesmo um choque quando alguém lhe diz: “não venha, porque não tenho dinheiro para pagar seu projeto”. Vou fechar o laboratório com R$ 250 mil que foram prometidos por órgãos públicos, mas não entregues.

Que instrumentos os pesquisadores podem usar para denunciar suas dificuldades na condução de estudos?
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Já dispomos dos meios necessários para a conscientização do público, como o Facebook. O que faltam são os pesquisadores colocarem a cara a tapa. E alguns pesquisadores não vão dar o tapa, porque não querem que o público veja como nada funciona. Mas se não insistirmos em dialogar com a sociedade, muitas pessoas ainda verão o cientista como um cara descabelado que trabalha no que bem entende e não deveria receber dinheiro do governo.

Por que a senhora escolheu a Universidade de Vanderbilt?

Tenho colegas na universidade e sei que o ambiente é extraordinário. Os pesquisadores tentam identificar o ponto forte das pessoas e encorajam a produção individual. E conseguirei trabalhar simultaneamente em dois departamentos: Psicologia e Ciências Biológicas.

Que pesquisas a senhora pretende conduzir?

Vou trabalhar em duas áreas, que já havia começado aqui. A primeira é a variação no tamanho do cérebro, na composição de neurônios e na capacidade cognitiva. O achado preliminar é que o tamanho do cérebro não é relacionado ao número de neurônios. Mas esse número talvez tenha uma relação com a capacidade cognitiva. O outro estudo é sobre a relação dos neurônios com o custo metabólico do cérebro.

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As malas já estão prontas?

Meu marido e os cachorros chegaram na terça-feira nos Estados Unidos. Eu e meu filho, que tem 12 anos, devemos ir na semana que vem. Estamos só esperando o visto do Consulado.