Em meio às comemorações do centenário da Academia Brasileira de Ciências (ABC), uma das pesquisadoras de maior projeção internacional do país, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, anunciou que vai deixar seu laboratório na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para trabalhar na Universidade de Vanderbilt, em Nashville, nos EUA. O motivo? A histórica falta de investimento em pesquisa no Brasil, agravada pela atual crise financeira do governo.
Nesta entrevista, a acadêmica, que no ano passado chegou a fazer um projeto de crowdfunding para sustentar suas pesquisas, diz que a ciência brasileira “não funciona”, uma vez que os estudos são “muito limitados pelo orçamento” e realizados em “condições degradantes”. Seu laboratório, que já teve 15 pessoas e hoje tem sete, fecha as portas com R$ 250 mil prometidos pelo poder público, mas jamais entregues.
Porque tenho a oportunidade de trabalhar em uma ótima universidade no exterior (Vanderbilt, nos EUA), que me encoraja a fazer a pesquisa que desejo. E não tenho uma alternativa no Brasil que me faria abrir mão desta oportunidade. Não temos financiamento ou um sistema que encoraje a produção de conhecimento. Infelizmente a decisão foi facílima.
Sim. Muitas pessoas concordaram no Facebook que fiquei o quanto podia, que o mais importante é que eu continue o meu trabalho onde for melhor para mim. Mas obviamente todos nós estamos tristes pela constatação inevitável de que nossa ciência não funciona. Somos muito limitados pelo orçamento, e isso nos coloca em uma desvantagem incrível em comparação a pesquisadores de outros países. É ilógico o Brasil se colocar na elite da ciência. Os casos de sucesso aqui são muito isolados. A Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo ainda tem uma verba maior do que o Rio. E também podemos destacar alguns centros privados, como o Instituto d’Or. Mas, em qualquer país, a pesquisa deve ser financiada pelo poder público.
De fato, há quem acredite que não devo mostrar as condições degradantes disponíveis para o nosso trabalho. No entanto, já está mais do que na hora de deixar claro para o público como se faz uma pesquisa no país. Acho que é uma irresponsabilidade não dizer para os jovens, com todas as letras, como é a ciência no Brasil. A decisão de seguir uma carreira deve ser tomada conscientemente.
Quando resolvi fazer o crowdfunding, que durou de setembro a novembro do ano passado. Conseguimos R$ 113 mil. Até então, o único auxílio que sustentava meu laboratório era de R$ 2.800 e vinha da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio (Faperj). A “vaquinha” na internet foi para que não fechássemos as portas imediatamente. O objetivo era conseguir tempo para que os alunos concluíssem suas teses. Conseguimos comprar novos computadores e anticorpos e consertar um microscópio.
No Brasil, uma pessoa qualificada é contratada pela universidade como um professor. Não existe, então, estímulo à pesquisa. Também não há qualquer incentivo para que o pesquisador bem-sucedido reivindique melhores condições de trabalho. Muitas pessoas consideram uma heresia que os benefícios sejam proporcionais ao empenho do profissional. Nas universidades federais, o mote é a isonomia — todo mundo é igual, tem os mesmos direitos. Isso reduz o envolvimento com o trabalho. É como se a pesquisa fosse deixada para as horas vagas.
Não, porque elas não podem oferecer melhores condições de trabalho ou maiores salários. Isso não depende do mérito, apenas do tempo de serviço. É o contrário das universidades estrangeiras, que tentam “pescar” talentos em outras instituições. É assim que centros de excelência, como a Universidade de Harvard, são construídos.
Sim, o Brasil pode ter uma debandada de cérebros nos próximos meses. Seria um processo natural. Só na UFRJ, conheço três colegas que já estão procurando vagas no exterior. É um sentimento generalizado de que aqui não dá mais. A procura só não é maior porque os processos de seleção são extremamente competitivos.
Sem recursos, prevalece o que chamamos de “trabalhinho”, o mínimo necessário para o aluno completar seu curso e que cabe dentro no orçamento. Não é possível fazer muita coisa quando você só ganha R$ 20 mil para uma pesquisa que vai durar três anos. Então, muitas pessoas que tiveram uma boa formação e experiência no exterior não conseguem continuar aqui os seus estudos. É possível, no máximo, replicar o trabalho dos estrangeiros — por exemplo, ver se o resultado de um levantamento feito com a população de um país também é válido entre brasileiros. São questões que acrescentam muito pouco ao conhecimento e não levarão a uma contribuição original.
Quando estávamos bem, minha equipe tinha 15 pessoas. Hoje, são apenas sete. Essa redução aconteceu porque deixei de aceitar as pessoas que queriam fazer pós-graduação, inclusive estrangeiros. No ano passado, as bolsas eram pagas, mas não os auxílios. Uma estudante francesa queria fazer pós-doutorado aqui, mas disse a ela que teria um alto custo de vida, e sem garantia de verba para fazer sua pesquisa. Deve ser mesmo um choque quando alguém lhe diz: “não venha, porque não tenho dinheiro para pagar seu projeto”. Vou fechar o laboratório com R$ 250 mil que foram prometidos por órgãos públicos, mas não entregues.
Já dispomos dos meios necessários para a conscientização do público, como o Facebook. O que faltam são os pesquisadores colocarem a cara a tapa. E alguns pesquisadores não vão dar o tapa, porque não querem que o público veja como nada funciona. Mas se não insistirmos em dialogar com a sociedade, muitas pessoas ainda verão o cientista como um cara descabelado que trabalha no que bem entende e não deveria receber dinheiro do governo.
Tenho colegas na universidade e sei que o ambiente é extraordinário. Os pesquisadores tentam identificar o ponto forte das pessoas e encorajam a produção individual. E conseguirei trabalhar simultaneamente em dois departamentos: Psicologia e Ciências Biológicas.
Vou trabalhar em duas áreas, que já havia começado aqui. A primeira é a variação no tamanho do cérebro, na composição de neurônios e na capacidade cognitiva. O achado preliminar é que o tamanho do cérebro não é relacionado ao número de neurônios. Mas esse número talvez tenha uma relação com a capacidade cognitiva. O outro estudo é sobre a relação dos neurônios com o custo metabólico do cérebro.
Meu marido e os cachorros chegaram na terça-feira nos Estados Unidos. Eu e meu filho, que tem 12 anos, devemos ir na semana que vem. Estamos só esperando o visto do Consulado.
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