A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que estabelece referências para os currículos escolares, classifica a educação financeira como uma habilidade obrigatório – segundo a BNCC, escolas devem oferecer conceitos básicos de economia e finanças
“Podem ser discutidos assuntos como taxas de juros, inflação, aplicações financeiras (rentabilidade e liquidez de um investimento) e impostos. Essa unidade temática favorece um estudo interdisciplinar envolvendo as dimensões culturais, sociais, políticas e psicológicas, além da econômica, sobre as questões do consumo, trabalho e dinheiro", explica o documento.
Empréstimos, financiamentos, juros de cartão de crédito e rendimento de poupança são alguns dos tópicos que ocupam papel central na vida financeira dos brasileiros – e mesmo assim objetos de dúvida e desconhecimento. Para reverter esse quadro, a alfabetização econômica deve ser adotada na educação básica, auxiliando para a compreensão do cenário econômico global e nacional e o papel do cidadão no seu próprio sucesso financeiro.
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O domínio desses temas ainda é deficiente no Brasil, de acordo com dados do relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), “Pisa 2015: Students’ Financial Literacy” (“Pisa 2015: Alfabetização Financeira dos Estudantes”). O estudo avaliou o domínio de conhecimentos relacionados a educação financeira em alunos da educação básica em quinze países. O Brasil teve o pior desempenho entre os países participantes do levantamento; a pontuação dos estudantes brasileiros ficou abaixo dos 400 pontos – a média entre os países da OCDE se aproxima de 500.
“O brasileiro tem mania de comprar com base no que cabe no orçamento mensal, por exemplo, sem levar em conta a taxa de juros implícita na operação. Com noções básicas de finanças, saberiam calcular que estão pagando duas, três vezes mais pelo mesmo produto, só pela impaciência da espera”, avalia o economista Rodrigo Constantino.
Para ele, a educação econômica traz benefícios não apenas para a vida pessoal, mas também para o papel do cidadão na sociedade.
“O cidadão não seria facilmente enganado como eleitor, não cairia nas falácias de ‘governo grátis’, ou de populistas que prometem redução das taxas de juros na marra, como se bastasse voluntarismo político para tanto. Estariam mais preparados para cobrar propostas realistas dos candidatos”, diz.
A educação econômica começa na educação básica, mas o ensino não é o mesmo adotado no ensino superior. A diferença entre os níveis educacionais começa pelos objetivos: no ensino fundamental e médio, a abordagem desses conteúdos deve educar para demandas do cotidiano, como taxas de juros, investimentos, empréstimos, poupança e finanças pessoais.
“Os jovens enfrentam atualmente decisões financeiras mais desafiadoras e perspectivas econômicas e de emprego mais incertas”, apontou o secretário geral da OCDE, Angel Garcia, no lançamento do relatório em Paris. “Entretanto, muitas vezes eles não têm a educação, o treinamento e as ferramentas para tomar decisões informadas em assuntos que afetam o seu bem-estar financeiro.”
Um dos maiores benefícios de aprender economia desde cedo é a desmistificação de uma área de conhecimento que ainda é encarada com receio – mesmo se a abordagem na educação básica não contemplar conceitos complexos, o contato com princípios econômicos pode normalizar o assunto e despertar a curiosidade dos estudantes.
“Os benefícios são inúmeros, pois atingem também a família” diz Altemir Farinhas, consultor da Conquista Soluções Educacionais. “Uma criança que leva para sua casa conceitos aprendidos na Escola estimula os pais a reverem valores, hábitos e se interessarem pelo tema. Crianças que aprendem desde cedo sobre economia, serão adultos menos endividados, melhores investidores e empreendedores.”
Economia e finanças são parte do currículo escolar em países como Estados Unidos, onde pelo menos 20 estados mantém diretrizes para o ensino de disciplinas específicas de economia no ensino médio. Em alguns estados americanos, as disciplinas não são obrigatórias para obtenção do diploma – a importância está no acesso dos estudantes a esse tipo de conhecimento.
O reflexo dessa política pode ser observado na saúde financeira dos jovens: nos estados americanos em que as diretrizes para o ensino de economia são mais rigorosas, jovens entre 18 e 22 anos tiveram maiores melhorias nos seus créditos e menor endividamento, segundo dados da FINRA Investor Education Foundation, fundação voltada para a disseminação de conhecimentos sobre finanças e economia.
Conceitos como PIB (Produto Interno Bruto), desenvolvimento econômico e desemprego podem ser trabalhados nas aulas de geografia. Em história, os alunos podem aprender sobre sistemas econômicos e as diferentes formas de dinheiro e troca ao longo dos períodos históricos. Nas aulas de matemática, é possível incorporar noções de economia e finanças, como retorno sobre investimento, parcelamentos e juros compostos – este, fundamental para a saúde financeira.
“O conceito mais fundamental é o de juros compostos, compreender que o tempo tem valor, e como calcular esse valor em termos monetários”, destaca Constantino. “A principal vantagem é fugir dos agiotas, evitar aquele efeito bola de neve das dívidas, cujo custo muitas vezes consome o grosso do orçamento familiar (e estatal também).”
Para a abordagem da educação financeira nas aulas de matemática, um protótipo desenvolvido pelo pesquisador Marcelo Bergamini Campos leva para a sala de aula do ensino fundamental tarefas como simulação de mesada, planejamento para compras à vista, criação de orçamento mensal, investimento e aumento de renda. Com atividades dinâmicas, os alunos têm maiores chances de criar suas próprias soluções para problemas do cotidiano e aprenderem a tomar melhores decisões financeiras, segundo o estudo.
Esse tipo de abordagem multidisciplinar traz maiores benefícios para os estudantes, mesmo sem a adoção de uma disciplina específica sobre economia, de acordo com um estudo conduzido pelo professor de Economia da Universidade de Nebraska-Lincoln, William Walstad. A pesquisa foi baseada na análise dos currículos de escolas norte-americanas que oferecem educação econômica para os alunos de ensino médio.
Enquanto a escola não oferece esses conhecimentos, uma alternativa é aprender de modo autônomo. “Na era da internet ficou mais fácil. Há muitos vídeos bons, cursos online, livros”, aponta Constantino. “Para sobreviver e prosperar em um mercado competitivo é necessário se preparar, ter embasamento, conhecimento útil de verdade. Infelizmente temos tido pouco disso nas escolas e mesmo universidades. A opção é correr atrás por conta própria, ou ficar para trás.”
Especialistas apontam que o ensino de economia de modo acessível na educação básica melhora as chances de ascensão social e qualidade de vida das famílias. Um estudo feito por pesquisadores dos Estados Unidos e do Chile aponta que maiores níveis de educação financeira aumentam a probabilidade de contribuição para fundos de pensão, o que leva ao crescimento do capital de uma família.
No Brasil, levantamento da Associação de Educação Financeira no Brasil (ANEF-Brasil) feito com base no programa Enef (Estratégia Nacional de Educação Financeira) indica uma melhoria no comportamento de poupança entre os estudantes que tem acesso a educação financeira – e essa melhoria é ainda maior no primeiro ciclo do ensino fundamental (1º ao 5º ano).
De modo similar, uma análise do instituto TIAA-CREF indica que pessoas sem educação financeira tem maior probabilidade de se endividar, ultrapassar seus limites de crédito e pagar taxas e cobranças que poderiam ser evitadas. Uma prevenção para isso, segundo a pesquisa, é o acesso a educação financeira antes do início da vida financeira, durante o período escolar.
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