O Brasil já não pode mais. O modelo de exportação de recursos naturais e redistribuição dos lucros para diminuir a desigualdade social, que teve o valor de retirar pessoas da pobreza no país, conviveu nos últimos anos com um vício perigoso: o baixo nível de produtividade. Como ninguém pode gastar mais do que ganha, o país não tem mais recursos para resolver os problemas da crise nacional, que não é só moral e política, mas de desenvolvimento socioeconômico.
A solução adotada nos países bem-sucedidos é a criação de conhecimentos e tecnologia para fazer diferença no mercado, colocando para isso seus melhores cérebros em ação nas universidades em parceria com o setor privado e outras organizações sociais. O que impede o Brasil de seguir o mesmo caminho é um conjunto de entraves que impedem a transferência do conhecimento produzido nas universidades para a sociedade.
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“Ainda hoje há reitores que ganham eleição com o discurso de manter a universidade longe das empresas”
O primeiro deles é cultural. Quando se fala em levar professores e estudantes para dentro das empresas e empresas para dentro das universidades, não faltam vozes que distorcem essa união, confundindo autonomia acadêmica – essencial para a produção de conhecimento – com exclusividade de financiamento estatal.
Se é verdade que a maior parte das pesquisas importantes do mundo conta com investimento público, também o é que em nenhum ponto do planeta a aplicação da pesquisa realizada nos laboratórios se dá sem a parceria com a iniciativa privada e outras organizações sociais. Em polos de desenvolvimento de países como Estados Unidos e China, as universidades se transformam em grandes empresas e vice-versa. O conhecimento produzido é rapidamente viabilizado comercialmente.
“Há pessoas que acreditavam que a associação com o poder produtivo para o desenvolvimento seria a ‘prostituição’ da universidade brasileira. Esse problema já está mais equacionado, mas ainda hoje há reitores que ganham eleição com o discurso de manter a universidade longe das empresas”, afirma Jaime Santana, pró-reitor de pesquisa e graduação da Universidade de Brasília.
Outro obstáculo é a camisa de força na qual estão inseridas as universidades públicas no Brasil. O estatuto jurídico das instituições de ensino superior dificulta a compra de equipamentos e insumos de ponta – seguindo a burocracia estatal, é preciso justificar nos milhares de relatórios e formulários por que não se compra o mais barato e precário, por exemplo. Não se tem em conta também que a pesquisa é imprevisível e que, ao longo do processo, o pesquisador precisa ter liberdade e rapidez para trocar um elemento previsto e investir em outro. O resultado é a lentidão que inviabiliza resultados.
Ao mesmo tempo, há muita dificuldade para se conseguir receitas privadas para pesquisa. “Nós não temos no Brasil uma tradição que as instituições públicas possam ter receitas privadas. O sistema universitário público faz parte do regime único do funcionalismo público, que tem uma série de restrições para a fonte do pagamento a professores, por exemplo, entre outras características. Isso gera muita dificuldade para que as universidades possam angariar fundos de outras origens e acabam ficando restritas, a maior parte delas, a orçamentos de origem dos tesouros estadual e federal”, diz Renato Hyuda de Luna Pedrosa, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp.
Soluções
Uma primeira sugestão para esse cenário é a aplicação do Marco Legal da Ciência & Tecnologia (leia ao lado), que deve facilitar as relações das universidades com o mercado. Outra seria quebrar a padronização da gestão das universidades públicas. “Se o regime de governança das universidades é o mesmo, se os critérios e as fontes de financiamento são as mesmas [público], se o critério de ensino é organizado no padrão da hora-aula, em outras palavras, o número de horas que o aluno passa sentado na carteira, e se os critérios de qualidade das pesquisas são os mesmos, praticamente o número de papers publicados, é claro que as universidades do Brasil serão todas uma espécie de imitação uma das outras, forçadas a estar em um ponto médio”, diz Daniel Vargas, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito.
O caminho, de acordo com Vargas, seria fazer como outras universidades do mundo, que se tornam pontos de referência em áreas específicas. “Essas instituições estão abertas aos desafios da economia e da sociedade e desenvolvem produtos e serviços que, diferentemente do que acontece no Brasil, facilmente são reconhecidas como contribuição ao conhecimento”, afirma. “Relaxar essas regras, sem perder de vista o compromisso com a qualidade e a inclusão, permitirá que as universidades possam trilhar trajetórias distintas e desenvolverem todas as regiões do Brasil”.
Empresários brasileiros ignoram o valor da pesquisa
Se de um lado as universidades enfrentam obstáculos para fechar parcerias com o mercado, de outro, falta ao empresariado brasileiro a cultura de inserir a pesquisa e a inovação dentro das suas atividades principais, como fazem corporações bem-sucedidas como Samsung, Apple e Google, para citar nomes conhecidos.
Enquanto em outros países como Estados Unidos, China, Coreia do Sul e Japão, as taxas de pesquisadores que trabalham nas entidades empresariais varia entre 70% e 80%, no Brasil isso corresponde a apenas 20% – o restante permanece na academia ou na administração do serviço público.
“Este é um problema que está começando a se resolver, mas ainda falta bastante. Muitos empresários pagam caro por uma máquina sem saber o que tem dentro dela e não percebem que isso não agrega valor ao seu negócio”, afirma Jaime Santana, pró-reitor de pesquisa de pós-graduação da Universidade de Brasília. Essa cultura reforça a exportação de commodities em troca de produtos inovadores: para o Brasil importar 200 gramas de um celular da Samsung ou LG, por exemplo, o país tem de exportar 20 toneladas de minério de ferro exemplifica Fernando Cassapo, Gerente de Inovação do Senai.
“Mas acredito que estamos conseguindo, aos poucos, formar uma nova leva de empresários nas próprias universidades e, com isso, trazer aos poucos as empresas para a universidade. É preciso perceber que o cérebro dos pesquisadores é o mais caro que existe e é o que faz a diferença”, opina Jaime Santana.
A tendência de substituição no mercado de empresas que não investem em pesquisa é alta. Pesquisadores da Universidade de Harvard, por exemplo, acreditam que 68% dos seus atuais alunos vão trabalhar em empresas e profissões que ainda não existem.