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Por que cursos sobre “golpe” não têm espaço nas universidades particulares?

Explicação para a facilidade de propagação de cursos desse tipo nas universidades é a apropriação dos espaços de ensino público pela esquerda. | EVARISTO SAAFP
Explicação para a facilidade de propagação de cursos desse tipo nas universidades é a apropriação dos espaços de ensino público pela esquerda. (Foto: EVARISTO SAAFP)

A onda de criação de cursos que tratam o afastamento de Dilma Rousseff da presidência da república como um golpe de estado parece estar limitada às universidades públicas: até aqui, nenhuma instituição particular de ensino superior está ofertando disciplinas que partem da premissa de que o processo de impeachment da ex-presidente foi um “golpe”. 

A não participação das universidades privadas na criação desse tipo de curso faz oposição a um movimento que parece natural em instituições federais e estaduais: desde que a Universidade de Brasília (UnB) anunciou a criação da disciplina optativa “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil” e foi duramente criticada pelo Ministro da Educação, Mendonça Filho, várias universidades públicas anunciaram a criação de cursos semelhantes, em solidariedade à instituição brasiliense.

Barreiras

O caráter pouco científico e carregado de ideologia política parece ser um entrave para que cursos como esses ganhem espaço em instituições particulares. 

“Em uma universidade privada, você precisa conseguir provar que o tema tem alguma relevância para os consumidores: aluno, em universidade privada, é consumidor. Na universidade pública você pode simplesmente desconsiderar os alunos, as necessidades da sociedade, do mercado, e impor uma ideologia”, argumenta Alexandre Magno, consultor jurídico da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned). 

Para ele, a explicação para a facilidade de propagação de cursos desse tipo é a apropriação dos espaços de ensino público pela ideologia de esquerda. 

“Essa tomada de espaço foi muito mais aprofundada nas universidades públicas. Existem partidos políticos e correntes ideológicas muito mais atuantes no ensino público do que no particular”, afirma. 

Já Miguel Nagib, coordenador da Associação Escola Sem Partido, acredita que a visão ideológica dos professores de instituições públicas e particulares é semelhante, mas a estabilidade do cargo de funcionário público permite que professores de universidades federais e estaduais tenham a possibilidade de oferecer disciplinas que impõe o “golpe” como o ponto de partida para o estudo do tema. 

“Eles têm a mesma visão ideológica. Mas professores das universidades particulares se sentem mais inseguros em fazer aquilo que desejam; faculdade particular tem dono, então existe o temor de perder o emprego. A estabilidade das universidades públicas é que propicia a audácia de afrontar dessa maneira o princípio do pluralismo de ideias. Os professores das instituições públicas se sentem encorajados a fazer isso porque sabem que nada acontecerá com eles”, argumenta. 

Nagib aponta que o impeachment já vem sendo chamado de “golpe” no meio acadêmico desde 2016, mas argumenta que criar disciplinas que trazem a palavra “golpe” no próprio nome é um ato de provocação que professores de instituições particulares não se sentem confortáveis em fazer. 

“O título da disciplina é desrespeitoso com a instituição de ensino e com a constituição, porque sinaliza claramente qual linha de estudo será adotada”, diz. 

Desconexão com a realidade

Adolfo Sachsida, doutor em Economia e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), classifica esse tipo de curso como um desligamento da realidade. 

Para ele, é difícil crer que algum aluno de uma instituição particular de ensino superior concordaria em pagar para ter uma disciplina que foge dos princípios universitários e cuja bibliografia é duvidosa: 

“Na universidade privada provavelmente não haveria alunos e a matéria não seria nem ofertada. Para abrir algo optativo, é necessário um interesse muito grande da instituição, da sociedade ou dos alunos. É preciso ter vínculo com o ensino, a pesquisa ou a extensão. Não me parece que disciplinas como essas tenham vínculo sequer com a realidade.”. 

“Espera-se que um professor use uma bibliografia adequada. Não se pode montar uma disciplina tendo um blog como base. Um curso que pretende denunciar um golpe de estado precisa ter uma bibliografia mais sólida”, completa. 

Pluralidade

Alexandre Magno acredita que a universidade, pública ou privada, deve ser plural e não existe pra defender determinadas pessoas, partidos ou ideologias. 

“A universidade existe para produzir e propagar o conhecimento. Esse tipo de iniciativa, que constrange a liberdade de pensamento dos alunos e torna a universidade um instrumento de aparelho ideológico, deve ser combatido judicialmente, mas também precisa ser enfrentado internamente”, afirma. 

Magno estranha o fato de não haver no Brasil nenhuma iniciativa por parte das entidades de professores universitários para coibir práticas de doutrinação. Segundo ele, ocorre exatamente o contrário: há uma resistência muito grande dos professores em admitir que existe doutrinação dentro das universidades brasileiras. 

“O ideal seria uma sistemática semelhante a existente nos EUA, que desde a década de 40 tem um código de ética para professores universitários. Esse código é feito pela associação americana de professores universitários, que inclui a proibição de doutrinação. Infelizmente, não há nenhum indício de que as associações de professores no Brasil estejam dispostas a fazer isso, o que por si só é uma demonstração do aparelhamento que temos hoje nas universidades”, conclui.

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