No começo de seus anos de estudante na Universidade de Santa Cruz, Wisdom Cove estava direcionando seu talento em matemática e ciências para a carreira de Medicina. Foi quando ele, imigrante nigeriano e norte-americano de primeira geração, percebeu quão poucas pessoas em suas aulas de ciências se pareciam com ele.
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Depois que Cole cursou uma disciplina sobre educação que ressaltou quão poucos estudantes pretos e pardos seguiam carreiras em ciência, tecnologia, engenharia e matemática, ele se sentiu impelido a mudar esse cenário.
“Troquei meu plano de carreira para que fosse mais sobre educação e sobre como posso contribuir mais para criar um mundo equitativo onde possa ver mais estudantes com origens como as minhas (...) enxergarem a si mesmos como cientistas ou matemáticos”, diz Cole, hoje um professor de ensino médio em seu primeiro ano na June Jordan School for Equity em São Francisco.
[Professores] sentem que não têm a habilidade de fazer a escola reconhecer vieses raciais ocultos que eles veem como grandes contribuintes para a persistente lacuna de desempenho de estudantes negros e pardos.
Ainda assim, a despeito de sua forte determinação, Cole luta com uma questão que muitos professores afrodescendentes, particularmente em distritos urbanos, enfrentam: continuará lecionando ou esgotará suas energias deixando a sala de aula dentro dos primeiros anos?
Pesquisas mostram que a resposta para essa questão é frequentemente a última, o que priva a maioria dos estudantes de minorias do país da estabilidade e benefícios comprovados de aprenderem com professores que se parecem com eles. O magistério já é um trabalho de alta pressão, mas pesquisas mostram que professores negros ou pardos enfrentam pressões adicionais que os fazem desistir da carreira a taxas maiores do que seus colegas brancos, que ainda constituem mais de 80% do corpo de professores dos Estados Unidos.
Enquanto educadores dizem que não há uma única razão – e, logo, uma única solução – para a evasão dos professores de minorias, diversos programas locais e com base popular que emergiram em centros urbanos ao longo dos últimos 15 anos estão preparando e apoiando novos professores com iniciativas que chamam a atenção. Especialistas dizem que podem ser modelos para reformas educacionais mais amplas. Esses projetos incluem os programas de residência para professores de Boston e São Francisco, que visam a recrutar uma força de trabalho que reflita a diversidade dos distritos urbanos a que servem, e outros como Black Teacher Project de Oakland, Califórnia, ou Call Me MiSTER de Clemson, Carolina do Sul, que são dedicados a recrutar e manter professores de minorias.
“Ao longo das últimas décadas todos os esforços se concentraram em recrutamento, mas não em retenção”, diz Richard Ingersoll, professor de educação e sociologia da Universidade da Pensilvânia que contribuiu para um relatório do Instituto Albert Shanker sobre diversidade entre os professores. “O recrutamento de professores de minorias mais do que dobrou nos últimos 25 anos – uma espécie de vitória não alardeada – mas o recrutamento por si só não vai resolver. Se a taxa de retenção entre professores de minorias subisse, isso poderia começar a fazer diferença.”
Entre 1987 e 2012 o número de professores de minorias em nível nacional saltou de cerca de 330 mil para 666 mil, ou 104%. Em comparação, o aumento do número de professores brancos não-hispânicos foi de cerca de 2,3 milhões para 3,2 milhões, ou 38%.
O número de professores afrodescendentes recrutados também cresceu mais rápido do que o número de estudantes de minorias, de cerca de 12 milhões para 24 milhões, ou por volta de 93%, de acordo com o relatório do Instituto Albert Shanker, “O Estado da Diversidade de Professores na Educação Americana”. Estudantes de minorias hoje representam metade dos alunos dos ensinos fundamental e médio nos Estados Unidos.
Professor com 11 companheiros de quarto
Contudo, desde meados dos anos 90, diz o relatório, professores afrodescendentes têm deixado a profissão a taxas maiores do que seus colegas.
“Alguns professores (...) se esgotam. É muito mais do que um trabalho só das 7h30 às 15h30”, diz Richard Milner, professor de educação urbana da Universidade de Pittsburgh. “Você começa a se envolver nas vidas e no potencial dos estudantes e isso pode ser psicologicamente esgotante. De muitas maneiras, eles veem a si mesmos nos estudantes.”
Há uma razão positiva pela qual os professores negros ou pardos deixam a sala de aula: para se tornarem administradores ou pesquisadores e pressionarem por mudanças em uma escala maior.
As pressões que Cole descreve refletem aquelas identificadas na pesquisa.
“O que significa ser um professor negro trabalhando com estudantes negros? Eu levo isso muito a sério”, diz Cole. Ele sente que é muito importante viver na mesma comunidade que seus estudantes. Ele vive em uma casa com 12 pessoas, devido aos aluguéis astronômicos de São Francisco. Isso não é sustentável a longo prazo.
“Deixar a profissão pode se tornar uma realidade para mim”, diz. “Quero continuar a insistir, mas estou sentindo essa pressão.”
Professores afrodescendentes também dizem que se sentem frustrados por não terem autonomia o suficiente para lecionar de maneiras que são culturalmente relevantes para seus alunos, ou para adaptar o ensino a aquilo que observaram a respeito dos estilos de aprendizado de seus alunos. Além disso, ser uma minoria dentro da equipe – Cole, por exemplo, é um dos dois homens negros em uma equipe de cerca de 30 – significa que professores afrodescendentes frequentemente sentem que não têm voz suficiente quando se trata de propor reformas ou mudanças curriculares. Talvez o mais preocupante seja que eles dizem que sentem que não têm a habilidade de fazer a escola reconhecer vieses raciais ocultos que eles veem como grandes contribuintes para a persistente lacuna de desempenho de estudantes negros e pardos.
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Ainda assim, a despeito de todas essas pressões, Cole tem uma probabilidade estatística maior de persistir na profissão do que alguns de seus colegas professores negros e pardos. A razão: ele se qualificou por meio de um programa de preparação de professores dito “alternativo”, que comprovadamente têm recrutado e inibido a evasão de professores negros a taxas maiores.
Cursos para professores negros
Ano passado, ele concluiu seu mestrado por meio do Programa de Residência para Professores de São Francisco.
O programa recruta cerca de 30 estudantes negros todo ano. Em parceria com as universidades de Stanford e de São Francisco, o grupo de estudantes obtém seus mestrados em educação no prazo de um ano. Além disso, o programa inclui um estágio de um ano ao lado de um professor experiente, aprendizado colaborativo com o grupo (uma sensação de isolamento entre professores afrodescendentes é uma razão comum para que deixem a profissão), cursos sobre como criar ambientes de aula equitativos, três anos de orientação e desconto nas despesas educacionais.
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Em 2015-2016, o programa recrutou uma porcentagem maior de professores negros, 66%, em comparação com 53% no distrito. Além disso, 81% do grupo de professores de ciência, tecnologia, engenharia e matemática eram ou professores negros e pardos ou mulheres. O programa também ostenta taxas de retenção acima das médias distrital e nacional, com 80% de seus egressos tendo ensinado ao menos por cinco anos dentro do distrito, com comparação com 50% nas médias distrital e nacional.
Educadores dizem que atualmente projetos de recrutamento e retenção têm sido muito bem-sucedidos, mas em pequena escala – o Programa de Residência para Professores de São Francisco, por exemplo, treinou cerca de 175 professores até o momento. O relatório do Instituto Albert Shanker lista outros oito projetos que julga estarem fazendo um trabalho significativo, e especialistas também mencionaram Teach Tomorrow em Oakland e Black Teacher Project como destaques.
Educadores dizem que os modelos são fortes e poderiam ser ampliados, mas apenas se políticos nos estados estiverem dispostos a redirecionar parte do orçamento de 620 bilhões de dólares em educação para tais programas.
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“Poucas das soluções são minimamente sistemáticas”, diz Jesse Solomon, diretor executivo do Programa de Residência para Professores de Boston, cujas taxas de retenção também excedem as médias distrital e nacional. Grandes centros urbanos no momento retêm somente cerca de metade de todos os novos professores depois de três anos, acrescenta.
“É meio assim: ‘Ah, eis um programa bacana ou eis uma ideia legal’, mas (...) há 300 milhões de pessoas aqui. Construir sistemas educacionais melhores nos levará muito mais longe do que mais um programa bacana que nos entrega umas duas mil pessoas, certo?”
Reconhecendo isso, há uma razão positiva, segundo os especialistas, pela qual os professores negros ou pardos deixam a sala de aula: para se tornarem administradores ou pesquisadores e pressionarem por mudanças em uma escala maior.
“Deixei a sala de aula para obter um doutorado para lecionar para professores”, diz Iesha Jackson, pós-doutoranda da Universidade Estadual do Arizona, cuja pesquisa visa a melhorar os resultados educacionais de estudantes negros e pardos em escolas urbanas. “Essa é parte da história que não é contada – [professores afrodescendentes] podem estar saindo da sala de aula, mas permanecendo na profissão.”
O número crescente de iniciativas por si só é uma razão para esperança, diz Solomon. “Sempre houve esforços para preparar bem [professores afrodescendentes], mas agora penso que estamos fazendo um trabalho melhor nisso como país.”
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