Recentemente, a Brown University School of Public Health (Escola de Saúde Pública da Universidade de Brown) removeu [de seu site] uma nota para a imprensa com um link para um estudo sobre disforia de gênero. Isso após membros anônimos da comunidade transgênero afirmarem estar ofendidos pela pesquisa.
Disforia de gênero é um termo clínico que descreve uma angustiante incongruência entre o sexo de nascimento de um indivíduo e o seu "gênero experimentado".
Para crianças, existem duas formas (que competem entre si) de lidar com a situação. A primeira consiste em ajudar o indivíduo a se sentir bem com seu sexo de nascimento (e gênero original); a segunda é baseada na afirmação do gênero "experimentado", pela intervenção médica ou social.
Ao redor do mundo, ativistas estão fazendo o máximo possível para garantir que o segundo método – que muitos especialistas consideram clinicamente e moralmente errados – seja o principal.
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Lisa Littman, uma professora assistente em Ciências Sociais e do Comportamento em Brown, se viu no centro da discussão sobre essa controvérsia ética quando publicou um artigo na revista científica PLOS One, em que descreve um novo fenômeno de "rápida disforia de gênero".
Littman define isso como quando um jovem que não mostrou sinais de disforia de gênero durante a infância desenvolve rapidamente sintomas durante ou após a puberdade. Entre os motivos para acreditar nessa hipótese, estão a ideia de que os indivíduos possam sofrer de profundas (e preexistentes) condições psiquiátricas.
O estudo da dra. Littman sobre "relatos de pais" foi qualitativo, não quantitativo. Suas observações foram baseadas nos poucos dados que possuía. Ela reconhece as limitações do estudo – são muitas – e pediu mais pesquisas sobre o tema.
De qualquer forma, seu artigo foi revisto por colegas, aprovado pelos requerimentos éticos e publicado em uma revista científica de boa reputação. Então por que a universidade considera a retirada de seu apoio à Littman o "curso de ação mais responsável"?
A resposta é previsível. Eles sucumbiram à pressão política. De forma injusta, muitos, inclusive a PLOS One, acreditam.
A revista, em resposta a preocupações de "leitores", explicou que eles estão atrás de "mais análises especializadas sobre a metodologia e a análise do estudo". Se for verdade, é uma forma justa de lidar com a situação.
Mas, em uma atípica demonstração de transparência, a Universidade deu uma declaração própria, afirmando que "os membros de sua comunidade" têm mostrado "preocupação que as conclusões do estudo possam ser utilizadas para desacreditar esforços para apoiar a juventude transgênero e invalidar perspectivas da comunidade trans."
No entanto, o médico Jeffrey S. Flier, professor de medicina e neurobiologia e ex-reitor da Harvard Medical School (Escola de Medicina de Harvard) escreveu na revista online Quillette:
Em todos meus anos na academia, nunca havia visto reação comparável de uma revista dias após a publicação de um artigo que já havia sido submetido a análise de colegas, aceito e publicado. Alguém pode acreditar que sua resposta foi em grande parte devido ao intenso lobby [contrário] recebido, e a ameaça – declarada ou não – de que mais reprovação nas mídias sociais acometeriam a PLOS One caso nada fosse feito.
Nessa conjuntura, surgem duas perguntas válidas:
- Existem falhas atípicas na metodologia do estudo da dra. Littman?
- A impalatabilidade ideológica – um fator, como a própria Universidade de Brown admite – é motivo razoável para a retirada de apoio a um artigo acadêmico?
Quanto a primeira questão, o estudo claramente tem seus defeitos, como a limitação da amostragem, por exemplo. Mas, como sabemos, não são falhas atípicas. No campo da ciência comportamental e psiquiatria, observação e experiências subjetivas compõem parte integral do diagnóstico.
"Muitas vezes, só possuo informação que um paciente me deu para prosseguir [um estudo]", diz um psiquiatra com mais de 30 anos de experiência (incluindo trabalhos com pacientes transgênero).
Sem dúvidas, ciências sociais são um território ainda mais obscuro. Mesmo dentro da área, acredita-se que muitos estudos são apenas exercícios de confirmação de noções pré-concebidas, sofrendo sérios problemas. Talvez a revisão da PLOS One encontre algumas dessas falhas no estudo da dra. Littman. Mas as críticas que existem hoje são convincentes?
Diane Ehrensaft, diretora de saúde mental em uma clínica de gênero em São Francisco, se incomodou com a fonte dos dados usados pela doutora, sugerindo que os sites utilizados (como 4thWaveNow) estavam ligados a "recrutamento de membros da Klu-Klux-Klan ou de sites da direita para demonstrar que negros são realmente uma raça inferior."
Outras reclamações diziam que o artigo perguntava a opinião de pais, e não dos próprios pacientes. Para ser justo com dra. Littman, o título da pesquisa dizia "um estudo de relatos dos pais".
Uma crítica mais justa poderia apontar que as 256 fontes são difíceis de se verificar. De fato, a capacidade de reproduzir informação é um problema disseminado nas ciências sociais. Mas como o dr. Flier aponta em seu artigo para a Quilette:
Há um problema real quanto a falta de reprodutibilidade de análises científicas publicadas em muitos campos acadêmicos. Esforços para entender e responder esse problema estão recebendo atenção justificada. Mas não foi isso que aconteceu com a dra. Littman, cujos críticos não fizeram nenhuma análise sistemática de suas descobertas, mas parecem motivados principalmente por oposição ideológicas às conclusões.
O que nos leva à segunda pergunta. Por que a controvérsia política foi fator na decisão da Universidade de Brown de se desassociar ao estudo? A universidade, como todas as outras instituições de elite, parece estar mais preocupada com marketing do que com com a busca pela verdade. É um problema sério, claramente: isso abala todo o propósito do ensino superior e da pesquisa, além de minar a liberdade acadêmica.
Mas a Universidade de Brown não está sozinha nessa covardia. A abdicação de liderança no topo de universidades faz parte de uma tendência maior, algo que o psicólogo Jonathan Haidt discutiu a fundo em recentes entrevistas à National Review.
No entanto, quanto a isso, existe um problema ainda mais sério. Da política ao Ensino Superior, um lobby ideológico radical tem sido, mais uma vez, muito efetivo ao inibir dissidentes ao silêncio: é um esforço global.
Há pouco tempo, na Grã-Bretanha, por exemplo, a ministra das mulheres recebeu fortes críticas por dizer que era "um pouco cautelosa" quanto a mudanças de sexo em adolescentes.
Podemos relembrar que, em 2016, o dr. Kenneth Zucker, talvez o maior especialista em disforia de sexo em crianças, foi expulso de sua clínica em Toronto após acusações infundadas de condutas inadequadas no trabalho (transfobia, no caso). O repórter científico Jesse Singal chamou o caso de "um julgamento para a imprensa".
Quanto a Universidade de Brown, o dr. Flier percebe outro problema, a abdicação de liderança:
Não existe nenhuma evidência de apoio a dra. Littman, ou um membro da faculdade que esteja do lado de alguém para quem consequências profissionais e pessoais desses eventos podem ser devastadoras. A reitora da escola é, em efeito, a reitora da faculdade. Mesmo que ela deva mostrar equilíbrio e objetividade quando surge uma questão controversa, suas responsabilidades incluem a manifestação de apoio necessário a um membro da instituição que está sendo assediado. Pelo menos ou a menos que surjam evidências que comprometam o comportamento ou trabalho acadêmico. Mesmo assim, a reitora está em silêncio quanto a questão.
O estudo da dra. Littman foi considerado publicável por uma revista científica de boa reputação e divulgado por uma universidade importante. Mas quando ativistas se disseram ofendidos, a universidade rapidamente sacrificou princípios básicos da pesquisa científica e da busca pela verdade para preservar os sentimentos de "alguns membros" de sua comunidade.
É tentador virar os olhos para a situação, se calar sobre o politicamente correto e seguir para algum assunto mais interessante. Mas a verdade é que há muito em jogo.
Por trás da covardia da Universidade de Brown, se esconde um dos debates mais suprimidos dos tempos recentes. Mesmo que cada mínimo detalhe no estudo da doutora esteja errado – algo que ninguém sugere com credibilidade – sua conclusão que "mais pesquisa é necessária" está completamente correta.
Não se engane: se não somos permitidos a seguir a evidência, a condição das crianças com disforia de gênero só vai piorar.
©2018 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
Tradução: Rafael Baltazar.
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