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Em seu mais recente pronunciamento oficial, na noite de terça-feira (24), o presidente Jair Bolsonaro questionou o fechamento das escolas frente à pandemia da Covid-19. "O grupo de risco é de pessoas acima de 60 anos. Então, por que fechar escolas?", disse ele.
A medida adotada por governos de estados e municípios de suspender as atividades em instituições de ensino, no entanto, converge com o que têm afirmado pesquisas sobre a eficácia dessa ação contra a transmissão do vírus. Dados da Unesco revelam que 156 nações determinaram o fechamento de escolas; cerca de 1,4 bilhão de alunos estão sem aulas.
De acordo com os achados científicos, isso não impede que o vírus se espalhe de todo, mas diminui a velocidade de transmissão e de casos da doença Covid-19. Um estudo publicado na revista científica Science, por exemplo, afirma que adiar o retorno das atividades em instituições de ensino contribuiu para a redução da disseminação do coronavírus em pelo menos 375 cidades analisadas. No caso das crianças, como elas têm imunidade maior, em geral, podem estar com o vírus, mas assintomáticas, e sua livre circulação aumenta a possibilidade de espalhar a doença para colegas em sala de aula e depois em casa, aos mais velhos.
"Fechar escolas e adotar o distanciamento social, com certeza, diminui a propagação, não há dúvida. Fazendo isso, estamos ganhando tempo, apertando o pause na transmissão", afirma Marcelo Ducroquet, médico infectologista e professor na Universidade Positivo (UP), em Curitiba, no Paraná. "E, enquanto fazemos isso, também damos tempo para o sistema de saúde se organizar para atender as pessoas".
Outros países, nos quais já se observa uma diminuição na curva de transmissão do vírus e de casos que evoluíram a óbito, adotaram o fechamento de locais nos quais há aglomeração de pessoas, como escolas. Caso medidas dessa natureza não tivessem sido tomadas, o vírus teria se espalhado com rapidez muito maior. Inclusive o Japão, considerado até agora um exemplo na contenção do Covid-19, manteve suas instituições de ensino sem aulas.
"O objetivo é fazer com que o sistema de saúde tenha condições de atender pessoas que vão adoecer. Se houver condições, muito provavelmente, poucas vão morrer. Mas, se não pudermos atender, a demanda será maior que a oferta e muita gente com casos não graves vão evoluir para grave e há maior chance de morte", explica Gilberto Bergio Martin, médico sanitarista e professor na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Londrina.
As instituições de ensino, segundo ele, são grandes agentes de transmissão do vírus. "Embora a população estudante não seja a população de risco, ela contribui decisivamente para a transmissão", afirma. "Crianças e jovens, sem dúvida, têm uma reserva funcional muito maior contra o vírus com possibilidade de sair ileso. O problema é que eles são grandes espalhadores de vírus".
Segundo Ducroquet, são raros os casos documentados de morte de crianças por conta da Covid-19. Esse grupo, ele afirma, tende a não respeitar o isolamento social, principalmente os mais jovens. "Crianças, aparentemente, não morrem disso. Na Itália, por exemplo, não teve. Sabemos que elas pegam o vírus, não são imunes, mas têm reação muito favorável. A maior parte não precisa do hospital e não é o foco da preocupação", diz.
No Japão, o isolamento social e o fechamento de escolas são medidas notadas como eficazes para o sucesso do país contra a transmissão do vírus. A título de comparação, o país asiático, que registrou seu primeiro caso um mês antes do Brasil, registrou 1.128 casos da Covid-19, com apenas 42 mortes. Em contrapartida, foram contabilizados 1.891 casos de coronavírus em território brasileiro, com 34 óbitos.
"Pedimos a todas as escolas públicas infantis, de primário e de secundário (de todo país), que fechem temporariamente", pediu o primeiro ministro do Japão, Shinzo Abe, em 2 de março. A decisão deve se estender até as férias de primavera do país, pelo menos.
Quanto ao anúncio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) de liberar R$ 450 milhões a escolas públicas, no sentido de auxiliar as instituições na compra de álcool em gel, sabonete líquido, toalhas de papel e outros produtos de higiene, Martin afirma que é criar um senso de ilusão de cuidado. "Não adianta, não vai conseguir conter, e é melhor não mandar nada e não criar ilusão de que isso vai funcionar", diz. "Criança estão sempre juntas, brincam juntas, se abraçam, rolam no chão. Depois, voltam para casa levando o que não tinham, para um lugar onde, provavelmente, há um avô, uma mãe, um pai. Os jovens também são assim, se abraçam, fazem festas, andam em grupo".
Questão econômica
Do ponto de vista puramente da saúde, não há certeza quanto ao tempo de isolamento social necessário para conter a transmissão. Segundo Ducroquet, a resposta médica é que, quanto mais tempo for possível evitar aglomerações sociais, mais eficaz será.
"No entanto, a sociedade é que tem que responder quanto tempo mais isso é necessário, porque entendemos que isso está trazendo um prejuízo enorme para muitas pessoas, está afetando tudo", diz. "Economistas devem responder o quanto tempo mais as pessoas aguentam, o quanto é razoável, e qual seria o ponto ideal para não trazer tanto prejuízo".
Ele afirma que, mesmo que os casos de afetados e número de óbitos comecem a baixar, se retornarmos às atividades como antes, a incidência tornará a aumentar.
"Quando você volta, você tira o pé do freio, volta a acelerar. E, então, teríamos de parar de novo. A China conseguiu um feito histórico, pararam tudo e o vírus, aparentemente, não está voltando. Mas eles isolaram muita gente, fizeram muitos testes, são modelos de sucesso para a gente se inspirar", afirma.
A estratégia mais sensata, a partir de agora, seria investir esforços conjuntos em regiões nas quais há maior número de casos, ele defende. Seria preciso adotar medidas, por exemplo, para que as cidades que estão mais afetadas não prejudiquem as outras.
"Não precisamos tratar o Brasil como uma coisa só. Se há surto em determinada escola, por exemplo, fechá-la será importante. Se há surto em alguma cidade, isolá-la para que isso não transborde para outras. Monitorar fronteiras, aeroportos, tudo é importante, e é uma maneira de prejudicar menos a economia", sugere.
"Nas regiões onde há mais casos, por exemplo, podemos direcionar esforços para lá. Foi o que aconteceu na China, houve muitos casos em Wuhan, eles isolaram a cidade e concentraram todos os insumos, ferramentas e profissionais naquela região. Isso foi inteligente e é menos drástico".