O pensamento conservador não tem muito lugar na Academia. As universidades brasileiras e americanas são espaços ligados às pautas progressistas. Com isso, a parcela de intelectuais que se identifica como conservadora ainda é pequena em relação aos que se posicionam à esquerda (uma pesquisa de Harvard mostrou que apenas 6.6% dos professores das ciências sociais se declaravam republicanos). Mas o que explica esse contexto?
Um dos motivos é a pressão social, principalmente quando se fala em Brasil, em que conservadorismo é totalmente desvinculado do conceito de seu berço, na Grã-Bretanha. Entre os britânicos, ser ‘conservative’ é uma posição totalmente aceita dentro do espectro político. “No Brasil, embora isso tenho sido melhor compreendido nos últimos dez ou cinco anos, ser tachado de conservador era idêntico a ‘nazista’ ou ‘favorável à ditadura’”, compara Gabriel Ferreira, doutor em Filosofia e professor da Unisinos.
Dentro desse aspecto, a própria natureza da universidade também é refratária às ideias tradicionalistas, o que intimida um debate mais aberto. Lançado no ano passado, o livro “Passing on the Right: Conservative Professors in the Progressive University” (algo como “Ultrapassagem pela Direita: Professores Conservadores na Universidade Progressista”), os professores Jon Shields e Joshua Dunn expõem como é ser essa ‘minoria’ acadêmica. O contexto tende a desestimular debates e o desejo de jovens conservadores de tomarem espaço na vida acadêmica.
Para o filósofo Luiz Felipe Pondé, professor da PUC-SP, a resistência ao pensamento conservador é natural na universidade, graças à sua configuração: quase uma ‘igreja’, em que os professores são o ‘clero’. “A questão é lobby. Se quase todo mundo é de esquerda e você começa a abrir espaço a quem não é de esquerda, você faz com que essas pessoas que dominam esse mercado em todas as instâncias tenham que rever suas teses. É uma reserva de mercado para garantir que aqueles alunos vão pensar igual a você, vão comprar seus livros, vão à sua aula e vão disseminar o que você pensa”, acredita.
Ficar quieto também poupa dissabores em um ambiente profundamente corporativo, como descreve Pondé. “O mundo acadêmico não é nem um pouco kantiano do ponto de vista ético. A autocensura é uma forma de sobreviver. Ou você perde bolsa (de estudos), perde aluno, perde orientando, perde amigo, perde viagens para congresso”, enumera o filósofo.
O professor argentino Raul Enrique Roja, que leciona na UFRGS desde 1993, costuma descrever sua chegada ao Brasil como um ‘choque’. Vindo da França, onde fez mestrado e doutorado, surpreendeu-se com o delay de informações. “Achei que tinha entrado em um túnel do tempo. Parecia que ainda estávamos nos anos 1960 e a reflexão dos anos seguintes, feita pela intelectualidade, não havia chegado aqui. A inclinação de boa parte de intelectuais e universitários é a esquerda. Eles se formaram naquela universidade que parecia muito mais os anos 1960 do que os anos 1990. De alguma maneira, tendemos a reproduzir os modelos de nossa formação, sobretudo se não somos particularmente questionadores de nós mesmos e do meio”, explica.
O temor de se alinhar a ideias anti-intelectuais ou anticientíficas também é predominante para os acadêmicos americanos de pensamento conservador, mesmo que injustificado, às vezes. É que lá as correntes de direita podem flertar com correntes religiosas fundamentalistas que desprezam inovações científicas, que, segundo elas, seriam responsáveis pelas mazelas do mundo. Os dois governos de George W. Bush foram exemplos disso.
“É algo particularmente típico da Academia americana, onde não se pensa meramente nesse espectro político. Entre os conservadores americanos há criacionistas, cristãos radicais, avessos à teoria da evolução, avessos a pautas LGBT. Mas isso é algo que você dificilmente tem no Brasil, os conversadores aqui dificilmente seriam identificados com anticientificismo e anti-intelectualismo porque não se ligam a essas pautas”, afirma Gabriel Ferreira.
A rotina de um conservador na Academia não é tão feia quando olhada do lado de dentro. “Para ser justo, a Academia não é intolerante. Não é o caso de que o trato pessoal seja pior ou que não há oportunidade. A pior consequência é que o pensamento conservador não circula na universidade como um pensamento político possível, como objeto de estudo mesmo”, diz Gabriel Ferreira.
No entanto, nos últimos anos a literatura sobre o tema tem chegado ao Brasil de maneira mais eficiente, por meio de traduções e novas publicações. “Certamente vão ventilar esse tipo de pensamento na Academia”, acredita Ferreira.
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