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“Universidades ficam isoladas do resto da sociedade, então tudo o que fazem fica muito voltado para dentro da academia”, diz Roberto Ellery. | Divulgação.
“Universidades ficam isoladas do resto da sociedade, então tudo o que fazem fica muito voltado para dentro da academia”, diz Roberto Ellery.| Foto: Divulgação.

Mais uma edição do Prêmio Nobel se encerrou neste domingo sem que um brasileiro estivesse entre os premiados. O resultado não surpreendeu: ao Brasil, parece estar reservado o lugar de espectador. 

Nenhum dos 584 prêmios já concedidos pelo Nobel foi parar nas mãos de um brasileiro. Enquanto isso, mais de 60 nações já puderam celebrar este reconhecimento - inclusive alguns dos nossos vizinhos. 

A Argentina tem cinco prêmios (incluindo dois da Paz). O Chile tem dois, assim como a Colômbia. O México tem três. A Venezuela, um. Até mesmo países pequenos, como Ilhas Faroe, Luxemburgo, Santa Lúcia, Lituânia e Mianmar também já conquistaram suas premiações. 

O Nobel tem duas categorias sem relação com a produção científica: o Nobel da Paz e o de Literatura. Nesses quesitos, há pouco a ser feito do ponto de vista das políticas públicas. Mas os demais (Matemática, Física, Química, Medicina e Economia) têm relação com a qualidade da pesquisa conduzida nas universidades. 

O que falta para o Nobel brasileiro?  

Uma das justificativas mais frequentes é a falta dinheiro. A limitação de recursos públicos é uma queixa comum dos cientistas – especialmente em meio a um corte no orçamento dos ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia. Na semana passada, 23 vencedores do Nobel divulgaram uma carta criticando a redução de recursos feita pelo governo Temer. Ainda assim, será esse o principal problema? 

“O que ficou de lição dos últimos governos é que não basta injetar dinheiro: é preciso saber gastar e onde gastar”, diz Fausto Nomura, professor de Ciências Ecológicas da Universidade Federal de Goiás.  

Para ele, falta planejamento de longo prazo para a pesquisa científica no país. “O principal problema é a ausência de estratégia para desenvolver pesquisa de alta performance”. O pesquisador também critica o excesso de importância que as avaliações dos programas de pesquisa dão às publicações de artigos. 

Professor de Economia da Universidade de Brasília e ex-pesquisador do Ipea, Roberto Ellery é pouco otimista quanto ao futuro. Para ele, ao menos na Economia, o Brasil está longe de receber o prêmio. “A julgar pelo o que acontece com nossa pesquisa, o brasileiro que ganhar o Nobel vai estar trabalhando no exterior quando isso acontecer. Trabalhando no Brasil, é quase impossível”, diz. 

Na opinião de Ellery, um dos problemas mais graves é a falta de relevância da pesquisa produzida nas universidades brasileiras. “A interação entre universidade e sociedade no país é muito baixa. Elas ficam isoladas do resto da sociedade, então tudo o que fazem acaba muito voltado para dentro da própria academia”, afirma. 

Outro fator que pode ter relação com a falta de conquistas da ciência brasileira é o sistema educacional falho desde o início. “Não há como pensar em mudança de contexto na área de ciência e tecnologia sem mudanças no contexto dos sistemas de ensino, desde o Fundamental, passando pela Graduação e chegando à Pós-Graduação, laboratório de formação de pesquisadores”, reflete Ricardo Gauche, professor do Instituto de Química da Universidade de Brasília. 

Ele crê que uma das lições a serem aprendidas com países como os Estados Unidos é que a formação de cientistas começa muito antes da universidade; por isso é preciso um investimento maior na educação científica, desde cedo. “Sem mudança cultural de base, não se muda culturalmente a ponta”, opina. 

Políticas de “universidade gratuita” resultaram nos estudantes mais ricos recebendo uma parcela desproporcional de subsídios do governo. Via Ideias

Publicado por Gazeta do Povo em Sábado, 7 de outubro de 2017

Esperança 

Já Victor Laerte Pinto Junior, professor da Universidade Católica de Brasília e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, tem uma visão mais esperançosa. “Não acho difícil um brasileiro ganhar esse prêmio um dia. Condição para isso temos. Os grandes problemas são internos”. 

O professor ecoa uma crítica que é quase unanimidade entre os pesquisadores: a dependência elevada de recursos do governo faz com que a ciência brasileira fique sujeita a oscilações políticas e econômicas. 

Por fim, Victor afirma que a conquista do prêmio deve estar no horizonte dos pesquisadores. “O Brasil precisa de um Nobel. Seria importante para o país, até mesmo como questão de auto-estima”. 

O Nobel importa? 

Mas há quem discorde de que a quantidade de prêmios Nobel é um indicador relevante de produção científica. Frederico Gueiros, professor de Bioquímica da USP, é um deles. “Acho que há um pouco de fetiche, e isso atrapalha. Precisamos é de mais apoio para aumentar a quantidade de pesquisadores”, afirma. 

Para o professor, a falta de premiações é fruto da pouca tradição em pesquisa no país. “A ciência no Brasil é muito jovem. Não se cria o ambiente necessário para a pesquisa com tão pouco histórico, apoio e consistência”, pondera. 

De fato, a regulamentação dos programas de pós-graduação só surgiu em 1965 – há cinco décadas, portanto.  Gueiros ainda compara a situação da ciência à do tênis; para ele, não basta ter alguém como Gustavo Kuerten, que chegue ao topo do mundo, mas não resulte no surgimento de novos talentos: “é mais importante criar uma geração de pesquisadores que possa dar retorno à sociedade”.

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