Na última década, as escolas públicas do Ceará têm se destacado nas avaliações nacionais de qualidade de ensino, ocupando em massa as primeiras colocações quando o assunto é ensino fundamental.
LEIA MAIS: Estudantes de Sobral, berço de Ciro, relatam pressão para fraudar provas
Um dos carros-chefes do desempenho é o ranking do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), do Ministério da Educação: nos primeiros cinco anos escolares, 77 das 100 melhores escolas públicas do Brasil estão no estado, que também ocupava todas as 24 primeiras posições na avaliação mais recente, divulgada em 2016 com números do ano anterior.
Referência em educação, o exemplo passou a atrair atenção do restante do Brasil, além de ser uma das bandeiras da campanha do pré-candidato à presidência Ciro Gomes, que tem no estado o seu berço eleitoral.
Mas, afinal, como as escolas cearenses passaram a dominar as avaliações nacionais? E o que elas podem ensinar às instituições públicas de outras partes do país?
Destaque nacional
As escolas cearenses vêm se destacando nas várias avaliações que o MEC utiliza para medir o desenvolvimento do ensino no país. Além do sucesso no Ideb, que mede o resultado dos alunos em provas de português e matemática e a taxa de aprovação das escolas, o estado também brilha no IOEB (Índice de Oportunidades da Educação Básica), que leva em conta dados como a experiência dos diretores, a formação dos professores, o tempo de jornada escolar, entre outros: nesse índice, o Ceará tem sete escolas entre as dez melhores do país.
LEIA TAMBÉM: Maior salário de professores no Brasil é fruto de aumento de impostos e menos verba para saúde
Os bons resultados começaram a surgir em 2007, com a implantação do PAIC (Programa Alfabetização na Idade Certa), durante o governo Cid Gomes, irmão de Ciro. O foco, ali, era priorizar a alfabetização dos alunos até o final do 2º ano do Ensino Fundamental
Desde então Estado e municípios são incentivados a adotar medidas de cooperação. A experiência educacional virou referência para um país que tem um quadro estatisticamente estagnado nos níveis de alfabetização. E fez com que o Ceará venha superando com sobras, inclusive, as metas estabelecidas para o estado nas avaliações.
O investimento no PAIC em 2017 foi de R$ 52 milhões. Segundo o governo, esses valores são distribuídos em premiação às escolas com os melhores índices, avaliações dos estudantes, aquisição de material didático padrão aos estudantes, bolsas aos educadores e gestores e apoio logístico para viabilizar as formações dos profissionais.
Para os municípios que atingem os melhores resultados do 2º e 5º anos, no Spaece (Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará), também há benefícios: uma lei estadual garante o repasse do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) com base no IQE (índice da qualidade da educação). Ou seja: quanto melhor o desempenho, mais recursos entram nos cofres da prefeitura.
Comparação
Nos anos iniciais do ensino fundamental medidos pelo Ideb, as instituições cearenses registraram uma nota média de 5,9, frente a uma meta de 4,5. Já nos anos finais, a nota bateu em 4,8, cinco décimos acima da meta de 4,3. Isso, é claro, em termos de média: as melhores do estado (e do Brasil), como a Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental São Joaquim, em Coreaú, e a Escola Municipal Emílio Sendim, de Sobral, foram avaliadas com nota muito próxima do conceito máximo, chegando a 9,8.
O estado também tem obtido grandes avanços em relação à alfabetização. Segundo o Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece), o número de crianças que concluíam o 2º ano do ensino fundamental alfabetizadas saltou de 39,9% para 87% entre 2007 e 2016.
Caminhos do sucesso
Em Sobral, cidade de cerca de 150 mil habitantes no semiárido cearense que ostenta os melhores dados municipais, ocupar as primeiras posições dos rankings não é uma novidade. Nas últimas duas décadas, as escolas sobralenses têm sido administradas com uma visão que transcende os diferentes governos.
“Nós investimos em um princípio de meritocracia, com o município implantando um processo seletivo para diretores e coordenadores pedagógicos baseada na competência dos profissionais. Não são indicações de cunho político como costuma acontecer em outros locais”, destaca o secretário de educação de Sobral, Herbert Lima.
Com a gestão escolar fortalecida e mais independente, as escolas contam com maior autonomia em relação ao modelo de ensino e à aplicação dos recursos. Os professores também são incentivados através de gratificações financeiras baseadas no desempenho dos alunos – tanto os profissionais quanto as escolas são premiados de acordo com os resultados medidos periodicamente. Alunos com dificuldades recebem atividades de reforço no turno inverso.
Em Sobral, uma avaliação local ocorre ao final de cada semestre letivo, e os educadores que se destacam recebem uma gratificação extra no contracheque. Políticas de intercâmbio com outras escolas do país também são mantidas no município, com alunos sobralenses participando de diferentes olimpíadas escolares, como a de Matemática e a de Física.
A evolução de Sobral se deve a medidas enérgicas tomadas desde o início dos anos 2000, quando uma avaliação demonstrou que 48% dos alunos do município eram analfabetos funcionais. O maior investimento e a mudança nos modelos de gestão renderam resultados rápidos: em 2009, os anos iniciais do ensino fundamental em Sobral já despontavam com uma nota de 6,6 no Ideb, superior à meta nacional para o ano de 2021 (que é de 6,0, considerando a média de todas as instituições públicas e privadas).
Na mais recente avaliação do MEC, a média do município batia em 8,8. Sobral tornou-se caso estudado internacionalmente, e foi convidado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para participar do próximo Pisa (o Programa Internacional de Avaliação de Alunos, na sigla em inglês) de forma independente. Antes, o município realizava a prova apenas como parte da média brasileira – agora, terá também uma nota própria, à parte do restante do país.
VEJA TAMBÉM: Professores brasileiros têm salário adequado e benefícios acima da média, diz Banco Mundial
Para Herbert Lima, um grande diferencial que a cidade mais bem avaliada do Ceará possui é a valorização da formação continuada dos professores, que passam por atualizações constantes. Na Escola de Formação Permanente do Magistério e Gestão Educacional (Esfapege), os profissionais da rede pública municipal passam por cursos de capacitação mensais.
“É uma atualização não só dos conteúdos propriamente ditos, como língua portuguesa, matemática e ciências, mas também uma qualificação da formação que eles tiveram em sua formação inicial, ainda na universidade”, explica o secretário.
“A formação passa pela instrumentação e pela boa prática de sala de aula: como motivar os alunos, como abordar determinados conteúdos, como trabalhar com materiais concretos e recursos pedagógicos”, completa.
Críticas às avaliações
Críticos ao sucesso do Ceará nas avaliações nacionais sugerem que algumas escolas do estado teriam se adaptado de modo a jogar com os rankings – de maneiras nem sempre lícitas. Como o Ideb se baseia no desempenho dos alunos em provas de matemática e língua portuguesa, algumas cidades menos destacadas estariam priorizando o ensino dessas disciplinas em detrimento de outras áreas do conhecimento, para correr atrás do prejuízo em relação a municípios historicamente bem avaliados, como Sobral. O índice também multiplica essas notas pela proporção de estudantes aprovados, chamada “fluxo”, o que teria gerado uma redução dos níveis habituais de reprovação em certos locais.
A pressão por manter o crescimento do estado também deixaria alguns municípios de pior performance mais propensos a fraudes. Em maio, na Operação Educação do Mal, a Polícia Civil cearense revelou um esquema no município de Itapajé, em que as notas dos alunos eram manipuladas tanto no Spaece quanto no Ideb, inflando artificialmente os índices de uma escola local e garantindo mais recursos estaduais e nacionais.
Segundo o delegado André Firmino, as notas dos alunos eram “maquiadas” e estudantes tinham suas reprovações revertidas. De acordo com o investigador, “alguns alunos diziam que não iam mais à escola porque sabiam que iriam passar no fim do ano de qualquer jeito”.
Apesar do abalo gerado pelas revelações em Itapajé, são raros os casos comprovados de uma manipulação dos rankings e avaliações. Em geral, a rápida evolução observada nas melhores escolas cearenses foi obtida através de uma mescla de uma alocação mais eficiente dos recursos públicos e de políticas bem-sucedidas que se tornaram referência em todo o país – o Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), por exemplo, nasceu após o PAIC cearense render ótimos resultados.
“Toda e qualquer crítica às avaliações é importante”, admite Herbert Lima. “Mas não se pode pensar em educação sem avaliação, sem uma métrica, um referencial de indicadores”, entende o secretário de educação de Sobral.
“Nós temos indicadores na área da saúde, na segurança, temos indicadores ambientais. É preciso medir de alguma forma os resultados dos alunos para pautar iniciativas, o desenvolvimento cognitivo, a formação de professores, entre outras políticas”, conclui.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura