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Um curso ministrado por professores portugueses sobre alfabetização infantil, promovido pela Secretaria de Alfabetização (Sealf) do Ministério da Educação (MEC), já tem mais de 200 mil docentes brasileiros inscritos em sua versão online. A formação, que começou em janeiro de 2021, é voltada a profissionais da educação que atuam no último ano da pré-escola e nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental.
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O curso se chama ABC – Alfabetização Baseada na Ciência – e é resultado de uma parceria do governo brasileiro com a Universidade do Porto e o Instituto Politécnico do Porto. Além da Sealf, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) também participa do projeto.
O sistema educacional português passou por uma transformação recente que tem angariado atenção mundial, principalmente pela melhora expressiva dos alunos de Portugal nos principais exames internacionais, como o Pisa (Programme for International Student Assessment ou Programa Internacional de Avaliação de Alunos, que avalia leitura, matemática e ciências) e o PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study, que avalia a alfabetização).
Esse desempenho chamou a atenção do secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim, que teve a ideia da parceria com as instituições portuguesas. Ele destaca que Portugal “foi considerado a estrela educacional europeia” nos últimos anos, e que a cooperação foi oportuna também pela coincidência do idioma dos dois países.
“Nós precisamos melhorar nosso desempenho em leitura. Sabemos que não é nada bom. 55% dos alunos no fim do terceiro ano têm conhecimento insuficiente de leitura. As crianças são incapazes de localizar uma informação explícita em um texto”, diz o secretário.
O curso ABC é uma das dez ações do programa Tempo de Aprender, da Sealf, voltado à formação de profissionais da educação infantil. Oferece uma formação “baseada em evidências científicas, com duas vertentes, uma teórica e outra prática”, explica Nadalim, que atua como coordenador do curso.
O primeiro material elaborado para o curso ABC foram dois manuais para cada uma das vertentes. Ambos se encontram na página do curso, que também conta com dezenas de vídeos de palestras, entrevistas e exemplos práticos de aulas com crianças portuguesas, além de questionários para monitorar o desempenho dos inscritos dentro da plataforma. O curso é gratuito, tem carga horária de 180 horas, e o aluno recebe certificado ao completá-lo.
O material foi financiado pelo governo brasileiro e produzido pela Universidade Aberta de Portugal, que tem experiência em elaboração de cursos online. A qualidade do conteúdo, segundo Nadalim, chamou a atenção do governo português, que está em negociação com o governo brasileiro para obter o material para professores de sua rede.
A vertente prática do curso foi inspirada em uma iniciativa que já existia no sistema educacional português. “É um programa que foi trabalhado em escolas de Portugal que ficam em regiões de vulnerabilidade social, e se demonstrou muito eficaz para a preparação das crianças para alfabetização, e também para ajudar as crianças que já apresentaram um diagnóstico precoce de dificuldades na aquisição da leitura e da escrita”, diz o secretário.
No Brasil, segundo Nadalim, o ABC tem sido bem recebido pelos professores. Em uma pesquisa recente, 72% dos profissionais de educação que fizeram o curso se disseram muito satisfeitos com o material. “O feedback é muito positivo. Mas é claro que, como com toda política pública, esperamos que essa formação gere impactos a médio e longo prazo.”
O curso ABC já tem mais de 5 milhões de acessos. Com menos de um ano de funcionamento, já é o segundo mais acessado da plataforma AVAMEC, que reúne cursos virtuais disponibilizados pelo MEC, atrás somente do curso Práticas de Alfabetização.
“Eu vejo isso tudo como uma demanda reprimida. Quais são os dois primeiros colocados no Avamec? Cursos da Secretaria de Alfabetização. Os professores querem conteúdos de cunho prático, e essa é uma das características das duas formações”, observa Nadalim.
Capes selecionará 100 professores para formação presencial com especialistas portugueses
Em parceria com a Sealf, a Capes lançará, em breve, editais para enviar 100 profissionais da educação a Portugal. A ideia é que eles sejam formados presencialmente e sejam capazes de replicar a formação no Brasil.
O programa envolverá a Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto e o Centro de Investigação e Intervenção na Leitura do Instituto Politécnico do Porto, responsáveis pelo curso ABC.
A ideia inicial da Sealf e da Capes era levar 150 professores brasileiros a Portugal entre 2020 e 2022 para receber a formação presencial – 50 em cada ano –, mas, com a pandemia, a prioridade acabou sendo a formação online.
Em Portugal, os professores brasileiros receberão uma formação mais aprofundada sobre a alfabetização baseada em evidências científicas, que é uma das principais bandeiras da Sealf na atual gestão.
“As evidências científicas demonstram que há procedimentos que são eficazes em sala de aula. O curso traduz essas evidências para práticas e intervenções que funcionam em sala de aula”, diz Nadalim.
A formação é dividida em quatro partes. A primeira delas trata das noções fundamentais sobre alfabetização. A segunda aborda a literacia emergente, que envolve aquilo que a criança aprende antes de passar por um processo formal de alfabetização.
Em terceiro lugar, parte-se para a aprendizagem da leitura e da escrita em si, o que envolve questões como a fluência na leitura oral, a consciência fonêmica na aprendizagem da leitura e da escrita, a compreensão na leitura, a ortografia e a caligrafia. Por fim, o curso aborda potenciais dificuldades e perturbações na aprendizagem da leitura e da escrita, como dislexia e disgrafia.
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