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Graphogame, aplicativo que ajuda no processo de alfabetização e deve ser usado, no máximo, 15 minutos por dia.
Lançamento do Graphogame, aplicativo que ajuda no processo de alfabetização e deve ser usado, no máximo, 15 minutos por dia.| Foto: Gaezta do Povo / Isabelle Barone

Ao lançar oficialmente o jogo de apoio à alfabetização Graphogame, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou que "poucas escolas públicas no país não têm conexão com a internet". O objetivo é que a ferramenta auxilie professores em sala de aula. O jogo foi apresentado oficialmente pelo Ministério da Educação (MEC) na manhã desta sexta-feira (27), em evento no Inep. Graphogame é uma das ações do programa Tempo de Aprender, da Secretaria de Alfabetização (Sealf).

A versão brasileira do Graphogame, gratuita por um ano, pode ser utilizada offline, sendo necessária conexão apenas para realizar seu download.

Dados apresentados pelo MEC indicam que, das mais de 184 mil escolas de educação básica do país, apenas 124 mil possuem acesso à internet, contempladas pelo programa Educação Conectada. Contudo, apesar da conexão, o Ministério não falou em disponibilidade de computadores ou smartphones nas instituições de ensino - apenas com essas ferramentas é possível utilizar o Graphogame. Em um levantamento recente da OCDE que analisa a oferta de computadores em escolas de 79 países, o Brasil ficou na 52ª colocação.

"Estamos diante de uma geração que sabe muitas coisas, menos ler. [Com o app] queremos atingir a ponta, as crianças de baixa renda, de maneira plena. Por isso essa versão offline, que faz com que essas crianças possam ter acesso", afirmou o ministro. A licença adquirida pelo Brasil, de pouco mais de R$ 100 mil, decorre de uma iniciativa dos próprios responsáveis pelo software, que, em decorrência da pandemia, a baratearam para alguns países da América Latina. A versão mais sofisticada do app, embora demande conexão com a internet, fornece uma base de dados aos pesquisadores, que podem mapear e analisar os resultados.

O MEC recomenda o uso do jogo por, no máximo, 15 minutos ao dia. A ferramenta é voltada a crianças entre 4 e 9 anos, tanto para as que estão se preparando para a alfabetização, para as que estão no ciclo de alfabetização ou para aquelas que concluíram esse processo, mas não aprenderam a ler e escrever.

Segundo a pasta, o jogo inspirou pesquisas acadêmicas em mais de 30 países e já foi adaptado para pelo menos 25 línguas mundo afora. É, também, tema de ao menos 18 teses de doutorado, 100 dissertações de mestrado e 91 papers.

Graphogame reforça os componentes essenciais para a alfabetização contidos na Política Nacional de Alfabetização, em especial a consciência fonológica e o conhecimento alfabético. Essas habilidades estão previstas na escala de proficiência do Saeb do 2º ano do ensino fundamental, que, embora não tenha sido detalhada pelo MEC quando anunciados os resultados do exame amostral, indica, a partir de seus dados, que 17 estados não alcançaram a "média esperada" em alfabetização. Pela primeira vez, alunos do 2º ano do ensino fundamental tiveram seus conhecimentos com relação à Língua Portuguesa e Matemática avaliados pelo Saeb. Em 2021, o teste passará a ser censitário.

"A aprendizagem da leitura não se limita a isso, mas esses componentes são centrais", disse Carlos Nadalim, secretário de Alfabetização, durante o lançamento.

"O aplicativo consegue ajudar crianças a superar um obstáculo muito importante na alfabetização, que é a aprendizagem das letras e seus respectivos sons", diz Augusto Buchweitz, conselheiro na Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), pesquisador no InsCer e professor da Escola de Ciências da Saúde da PUC, que esteve à frente da adaptação do conteúdo para o português junto à equipe do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (InsCer), da PUC.

"É claro que aprender a ler é muito mais do que isso, mas a ciência da leitura e a neurociência da leitura mostram que essa etapa em que a criança tem que aprender essa relação é muito importante para a alfabetização", afirma. Há especialistas que criticam medidas dessa natureza, sob o argumento de que elas priorizariam a decodificação sem levar em conta aspectos como a compreensão da leitura. Essas questões são, sim, tratadas, mas em etapas seguintes.

"A Finlândia sempre acreditou no poder da educação e da alfabetização. E foi a forte crença no poder da educação que a fez rapidamente deixar de ser um país agrário pobre. Nossa posição, junto com a persistência finlandesa, resulta em inovações de destaque tais como o Graphogame, que combina a melhor expertise na área de pedagogia, terapia de fala e neurologia, possibilitando que todas as crianças aprendam a ler", disse Lasse Keisalo, cônsul finlandês, durante o evento. "Mais de 300 pesquisas internacionais provam a eficiência do jogo". No país berço do game, a versão original é usada gratuitamente por crianças desde 2007, tanto no seio familiar como nas escolas. Em média, 100 mil crianças o utilizam por mês.

Ainda no evento, o ministro Milton Ribeiro voltou a citar o desempenho educacional do país em gestões anteriores. "No meu entendimento, houve desconstrução da educação [nos últimos anos]. Vamos investir e colher bons frutos de iniciativas como essa", disse. "O Brasil olhou de maneira muito geral para a educação, e organizou, nas gestões passadas, muitas universidades - o que não é ruim. Mas eu percebi que tínhamos muitos telhados e pouco alicerce".

"O MEC quer lançar boas sementes para frutificar no futuro. Teremos resultados diferentes futuramente, e não estaremos envergonhados em exames como o Pisa", afirmou.

Evidências e precauções

"Há muitas evidencias de eficácia do uso desse jogo para apoiar a alfabetização. Entretanto, há aspectos de precaução e cautela que devem estar presentes. Ainda há muito debate sobre riscos e benefícios do uso de recursos eletrônicos na infância", diz Luiz Carlos Faria da Silva, doutor em Educação pela Universidade de Campinas (Unicamp) e professor no Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Restam lacunas a respeito dos benefícios e malefícios do uso de games nessa etapa, e indícios preliminares, não consolidados, apontam até para danos cerebrais em casos de uso excessivo dessas ferramentas tecnológicas na infância.

"O Graphogame incorpora o estado da arte em ciência cognitiva da leitura, que se beneficiou de duas importantes iniciativas, da década de 1990, que ganharam foco e geraram muitos resultados", explica o especialista. "Uma delas foi o Projeto Genoma e, a outra, a declaração de que a década de 90 seria a década do cérebro. Muitos aspectos das bases cerebrais e do funcionamento da arquitetura cognitiva humana envolvidos na leitura foram esclarecidos com os avanços dessas duas iniciativas".

Ainda segundo Faria, países com tradição de pesquisa científica e sistemas educacionais bem avaliados, mas que acabaram percebendo falhas na eficiência do ensino de leitura, atualizaram suas políticas de alfabetização à luz dessas evidências. "A iniciativa [do Graphogame], que deriva da PNA, documento alinhado com o estado da arte da ciência cognitiva da leitura, é, no mínimo, ocasião para que pais, educadores, líderes da sociedade civil e sociedade política tomem consciência de que 1) existe uma nova e atualizada ciência cognitiva da leitura, 2) países avançados reformularam suas políticas de alfabetização e as realinharam a esse estado da arte".

Ele também lembra que esse debate já foi trazido ao Brasil, em especial, nos anos de 2003 e 2011, por documentos formulados por importantes representantes da educação no país. "No início do século, e de lá para cá, [esse debate] teve dois ponto altos. Um em 2003, com relatório sobre alfabetização infantil da Câmara dos Deputados, e em 2011, com o relatório da Academia Brasileira de Ciências sobre aprendizagem infantil. Mas ocorre que nem pais, educadores, lideranças civis ou políticas agiram adequadamente frente a isso. Precisamos, pois, agir. A PNA e o lançamento do Graphogame relançam um debate urgente e incontornável para o país", diz o especialista, que também integrou o Grupo de Estudos da Academia Brasileira de Ciências (ABC) sobre Aprendizagem Infantil.

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