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Prêmio Nobel 2020: jogamos como nunca, perdemos como sempre

Prêmio Nobel nunca foi conquistado pelo Brasil
Prêmio Nobel nunca foi conquistado pelo Brasil (Foto: Bigstock)

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Entre 2000 e 2003, vivi de perto o clima de expectativa com a divulgação dos vencedores do prêmio Nobel. Eu fazia doutorado no Departamento de Físico-química do Instituto Fritz Haber, da Sociedade Max Planck, em Berlim, e circulava que o diretor, Gerhard Ertl, era um forte candidato ao Prêmio Nobel de Química. O assunto não era discutido abertamente, mas só se falava nisso, principalmente entre nós, aspirantes a cientistas.

No Brasil, o anúncio dos laureados com a honraria máxima nas áreas de física, química, economia, fisiologia ou medicina, literatura e paz também gera uma certa agitação. Como em todas as outras ocasiões, entre os vencedores de 2020, não tivemos um brasileiro e seguimos fora do clube dos laureados. Na América Latina, já foram distribuídos 17 prêmios Nobel, a Argentina se destaca como pentacampeã com dois prêmios em fisiologia/medicina, um em química e dois laureados com o Prêmio Nobel da Paz. Os Estados Unidos são de longe os campeões mundiais e contam com 386 prêmios Nobel. Quase o triplo do segundo colocado, o Reino Unido.

Em 2020, não ganhamos - como sempre. Mas, estamos efetivamente jogando como nunca? A resposta é sim. Ainda que muito lentamente, a ciência brasileira tem melhorado, quanti e qualitativamente. São vários os argumentos para comprovar a evolução. A expansão do sistema de pós-graduação e o aumento substancial no número de artigos científicos publicados em periódicos internacionais refletem o amadurecimento da academia brasileira nos últimos anos. Algumas universidades brasileiras têm se destacado em classificações internacionais e a Universidade de São Paulo aparece como a melhor da América Latina em diferentes rankings. Particularmente no ranking NTU (National Taiwan University) que mede a relevância da pesquisa científica (produtividade, impacto e excelência da pesquisa, contribuem com 25, 35 e 40% do desempenho geral), a USP vem galgando posições e subiu da 99ª colocação em 2008 para a 52ª na edição recém publicada de 2020. Ainda segundo esse ranking, a USP é a terceira melhor universidade do mundo na área de Ciências Agrícolas e a sexta em Botânica e Zoologia. Resultados similares foram divulgados no Best Global Universities 2021, da editora norte-americana US News. A excelência brasileira vai certamente além dos aspectos institucionais, Otto Gottlieb (química),  Carlos Chagas (fisiologia/medicina), César Lattes (física), Maurício Rocha e Silva (fisiologia/medicina) e Sérgio H. Ferreira (fisiologia/medicina) são frequentemente citados como nomes que já entraram na disputa pelo Nobel no passado.

Como já dito, uma diferença importante quando comparada à evolução observada em outros países com tradição científica em consolidação, é justamente a lentidão nos avanços observados no Brasil. Há certamente muito a melhorar por aqui e algumas possíveis soluções são conhecidas e factíveis. Jogam contra a melhoria contínua o populismo, a falta de planejamento de longo prazo, a descontinuidade do financiamento, o desconhecimento da importância da pesquisa científica pela população em geral, etc.

Exemplos no plano federal são a diminuição contínua e a pulverização dos recursos, e a utilização política de agências financiadoras e de cargos-chave no setor. Até o sistema paulista, o mais bem estruturado do país, vem sendo atacado com virulência inédita pelo governo estadual. Mais do que qualquer parâmetro cientométrico é a insegurança constante causada pelas políticas erráticas em diferentes âmbitos que nos distancia da elite científica mundial. Caminhando em areia movediça, a energia gasta em defender as conquistas do passado seria melhor aproveitada se utilizada para planejar o futuro.

O clima de expectativa do início dos anos 2000 tinha fundamento: Ertl foi agraciado com o Nobel de Química em 2007, por seus estudos sobre processos químicos em superfícies sólidas. Quanto à espera de um Nobel brasileiro, seguimos trabalhando e sonhando, muitas vezes apesar do principal parceiro nessa empreitada, o governo.

* Hamilton Varela é Professor Titular do Instituto de Química de São Carlos da USP.

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