Após a confirmação do resultado da eleição para a presidência da República, a atual Reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ incentivou a formação de uma frente ampla e democrática em defesa da instituição, concebida a partir do pensamento de que a universidade estaria sob grave ameaça por parte do novo Governo Federal.
Essa frente visou unir a comunidade acadêmica logo no início de 2019, ano de pesquisa para a escolha da nova Reitoria, em torno de uma única chapa que representasse o espírito crítico e acadêmico da instituição e, se possível, viabilizasse a reeleição do atual reitor, Prof. Roberto Leher.
Mas apesar do apelo unificador, a iniciativa acabou não prosperando. De fato, a hipótese de uma ampla frente representada por uma única chapa, bem como a possibilidade da reeleição de Leher, encontraram forte resistência por parte de influentes membros e setores da comunidade acadêmica, reunidos para debates em quase uma dezena de plenárias ocorridas durante janeiro e fevereiro últimos.
O desfecho dessa fase culminou com o atual reitor da UFRJ desistindo da própria reeleição e com cerca de três chapas inscritas para a disputa da Reitoria da maior universidade federal do país: Chapa 10, com Denise Pires de Carvalho, do Instituto de Biofísica (IBCCF), para reitora e Carlos Frederico Leão Rocha, do Instituto de Economia(IE), a vice; Chapa 20, com Roberto Bartholo, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia(Coppe), para reitor e João Felippe Cury, também do IE, a vice; Chapa 40, com Oscar Rosa Mattos, da Escola Politécnica(Poli) e da Coppe, para reitor e Maria Fernanda Quintela, do Instituto de Biologia(IB),a vice.
As três chapas promoveram as suas campanhas no período de 22 de fevereiro a 1º de abril, graças ao voluntariado de candidatos e apoiadores entre docentes, técnicos-administrativos e estudantes, estruturando inclusive a realização de rodas de conversas, plenárias e apresentações em eventos similares a debates pelos vários centros universitários e campi da UFRJ distribuídos pelo Estado.
A esse último respeito, cabe dizer que não ocorreram de fato debates entre os candidatos às chapas concorrentes, mas eventos que apesar da alta densidade informativa, em momento algum incluíram o contraditório através de perguntas e respostas entre as chapas.
Curiosamente, o mesmo modelo de quase confronto argumentativo, foi utilizado na última manhã dia 29 de março, quando os candidatos à Reitoria foram convidados por uma rádio local ligada a um grande grupo de comunicação nacional, para apresentarem as principais diretrizes de seus projetos de gestão.
Ainda assim, não obstante essa limitação no processo de apresentação das candidaturas, foram de fato demarcadas as principais características de cada chapa, mesmo em meio às eventuais convergências acadêmico-institucionais que emergem em meio aos certames desse tipo.
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As diferenças entre as chapas
A Chapa 10, única com uma representante feminina concorrendo ao cargo de reitora, poderá eleger a primeira mulher reitora da UFRJ. Em 2015, Denise Pires também concorreu ao pleito, mas mesmo tendo sido a mais votada entre os docentes, foi derrotada por uma diferença menor que 1% dos votos. Tanto ela como o candidato a vice, formam a única dupla candidata com experiência na gestão universitária executiva e reconhecido conhecimento da estrutura administrativa da UFRJ. Pires foi diretora do IBCCF e Rocha foi diretor do IE. De oposição à atual Reitoria, a chapa faz críticas ao modelo de extensão universitária da UFRJ – que acreditam ser ideologicamente enviesado –, ao fato da UFRJ não ter ainda definido qualquer controle referente ao ingresso de estudantes pelo sistema cotas, à não submissão ao Conselho Universitário-Consuni da contratação do BNDES para a gestão patrimonial da Universidade e, mesmo concordando que é grave o corte orçamentário da UFRJ, defendem a proposta da autocrítica acerca do fato de que ao longo de quase uma década, R$ 500 milhões de reais em investimentos não foram devidamente empregados na instituição.
Por seu turno, a Chapa 20 também faz oposição à atual gestão da UFRJ. Mesmo sem experiências na gestão executiva universitária, Roberto Bartholo e Felippe Cury apresentam nesse sentido proposições que tanto remetem à prevenção de tragédias anunciadas como a ocorrida com o Museu Nacional-MN, bem como de inovação na captação de recursos junto à sociedade, inspirados pela experiência do Parque Tecnológico da UFRJ. No primeiro caso preconizam a implementação de uma política de gerenciamento de riscos, baseada na atualização do mapeamento das áreas mais vulneráveis e no cumprimento no atendimento às respectivas prioridades estabelecidas no cronograma de atendimentos desse tipo. Para a captação adicional de recursos defendem a criação de parques temáticos vinculados às vocações acadêmicas da UFRJ, sugerindo a instauração dos parques artístico-cultural, esportivo e histórico-patrimonial entre outros. Também criticam o fato do Consuni não ter deliberado sobre o citado contrato com o BNDES, destacando que a governança da Universidade não é colegiada por acaso.
Por fim, a Chapa 40 tem a missão de ser a única oficialmente apoiada pela atual gestão da UFRJ, com a aparente desvantagem de não contar em sua composição com a participação do atual reitor no pleito pela renovação de seu mandato. Na última vez em que isso ocorreu, em 2015, a chapa do status quo não logrou chegar sequer ao segundo turno. Pode ser que seja diferente em 2019. Mas a Chapa 40 incorre em outra peculiaridade, na medida em que o candidato a reitor, Prof. Rosa Mattos, apesar da notável trajetória acadêmica na Poli e na Coppe, não possui experiência na gestão executiva universitária, ao contrário da candidata à vice, Profª Maria Fernanda Quintela, que não apenas foi diretora do IB por dois mandatos, mas foi ainda Decana do Centro de Ciências da Saúde, o maior centro universitário da UFRJ, também por dois mandatos. Minimizando a inexperiência em gestão, Mattos lembrou no primeiro encontros das chapas, que também Lula, segundo ele o melhor presidente da História do país, jamais havia atuado antes como gestor público. Noves fora tal comparação, ele ainda equivocou-se ao dizer que o acordo com o BNDES havia sido deliberado pelo Consuni, revelou desconhecer questões internas como o corte do pagamento de insalubridade para os técnicos administrativos, pontuou que os problemas da UFRJ derivam exclusivamente dos cortes orçamentários e, ao invés de autocrítica, defendeu a atual Reitoria de qualquer responsabilidade em trágicos eventos como o ocorrido no Museu Nacional.
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O voto dos professores poderá não ser o mais importante
Diferenças das chapas à parte, o primeiro turno de votação da pesquisa para a escolha da nova Reitoria está marcado para os dias 2, 3 e 4 de abril; com divulgação de resultado no dia seguinte, uma vez que serão utilizadas urnas eletrônicas.
A pesquisa será considerada encerrada no primeiro turno se uma das chapas obtiver mais votos que o somatório das demais chapas, votos brancos e nulos, dentro do sistema de ponderação paritária. No caso da necessidade de segundo turno, as datas para votação serão os dias 15, 16 e 17 de abril, com divulgação de resultados em 18 de abril.
No dia 30 de abril, com base no resultado da pesquisa eleitoral, o Colégio Eleitoral, composto por docentes, técnicos-administrativos e estudantes, nos termos da Lei 9.192/95, formalizará a lista tríplice com os cargos de reitor(a) e vice-reitor(a) a ser enviada ao Governo Federal para nomeação pela Presidência da República.
Entretanto, todo esse processo encontra-se de fato ameaçado, uma vez que o sistema de ponderação paritária é destituído da formalidade legal e afronta o item terceiro da Lei 9.192/95, o qual estabelece que “em caso de consulta prévia à comunidade universitária, nos termos estabelecidos pelo colegiado máximo da instituição, prevalecerão a votação uninominal e o peso de setenta por cento (70%) para a manifestação do pessoal docente em relação à das demais categorias”.
Não basta, portanto, que apenas o Colégio Eleitoral seja constituído pelo estabelecido na Lei 9.192/95.
Ainda no final do ano passado, o MEC lançou a nota 400/2018, a qual reforça a orientação legal de 1995. Mesmo diante do dispositivo legal e democraticamente sancionado pelo Presidente da Republica, já que o mesmo foi votado pelo Congresso Nacional, o Colégio Eleitoral da UFRJ tem optado por levar em conta o resultado da pesquisa baseada no sistema de ponderação paritária, inclusive com o reconhecimento de que não há formalidade legal nesse tipo de certame e nem a sua vinculação com a formação da lista tríplice.
Deve ser ainda destacado o fato de que o sistema de ponderação paritária, que inexiste nas universidades mundo afora, resultou em 2015 na eleição de um reitor que pela primeira vez na história da UFRJ foi o menos votado pelos seus próprios pares docentes, fato que é também internacionalmente incomum no âmbito universitário.
O promulgar da Lei 9.192/95 prevê que cabe aos professores a maior responsabilidade legal pelo cumprimento dos objetivos constitucionais da universidade pública brasileira, o que de forma semelhante se dá em praticamente todo o mundo.
Parece igualmente plausível, que a sociedade que financia a universidade pública não concorde com a possibilidade que estudantes do ensino médio com 16 anos e calouros que mal compreendem a complexidade do ambiente acadêmico, possam decidir sobre a gestão de uma instituição tão estratégica para o país, acima mesmo dos votos de professores experientes e atuantes de longa data no ensino superior.
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Lista tríplice terá apenas nomes da chapa vencedora
Finalmente, o objetivo de desafiar a legalidade democrática com a elaboração de uma lista tríplice com os cargos de reitor(a) e vice-reitor(a) a ser enviada ao Governo Federal, composta por nomes que sequer participam da própria pesquisa de ponderação paritária, em situação de claro constrangimento para a indicação do MEC, pode também ser interpretado como um equívoco do ponto de vista ético, político e institucional.
No caso da pesquisa da UFRJ, comenta-se que os candidatos das três chapas firmaram compromisso no sentido de que apenas a chapa mais votada terá o nome de seus candidatos incluídos na lista tríplice, tal como ocorrido em 2015. A lista tríplice será então composta uma vez mais, com nomes que sequer participaram do certame. Uma possível alternativa seria um pacto com característica sensivelmente distinta.
Posto que a indicação do MEC não constitui uma imposição, não haveria problema se todos os candidatos das chapas da pesquisa fizessem parte da lista tríplice, desde que os menos votados garantissem que declinariam da vontade presidencial, isso no caso de serem os indicados pelo Governo Federal, em favor dos candidatos que tenham sido de fato os mais votados na pesquisa. Essa hipótese não revoga a afronta à Lei 9.192/95, mas em tese, não colocaria em risco a integridade ética de todo um certame.
*Leandro Nogueira, Professor Associado da EEFD-UFRJ, membro do Observatório da Universidade (OBSUNI).