Preocupada com os níveis de suicídio nas universidades, Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), acaba de firmar uma parceria com a Associação das Universidades Particulares (Anup) para preparar professores para identificar e ajudar alunos com tendências suicidas.
Em entrevista à Gazeta do Povo, ela reafirma que “professor não é psicólogo”, mas acrescenta que, independentemente disso, ele pode ser o primeiro a perceber quando um aluno precisa de ajuda especializada e impedir decisões precipitadas.
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Leia a entrevista completa:
A parceria com a Anup consiste em implantar ou melhorar a forma como é dada a disciplina de "Inteligência Emocional" nos cursos de pedagogia. Qual é a diferença com o que já está sendo feito?
O currículo da disciplina vai ser melhorado, e há um grande diferencial. A Associação Internacional de Psiquiatria (World Psychiatric Association) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) vão nos dar suporte na orientação da educação emocional.
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A matéria que vai ser aplicada aos alunos será construída junto com a área médica. Não dá mais para a gente falar em enfrentamento ao suicídio sem trazer eles junto, pois é um trabalho de doença mental também. Temos que ter os psiquiatras conosco, nos orientando, por exemplo, até mesmo como falar.
Eu estou o tempo todo sendo repreendida pelos psiquiatras, e estou adorando. Quando dou entrevista, eu falo: "Atenção, pais, as crianças estão se cortando dentro da boca". Os psiquiatras estão pedindo para eu não falar, pois, se falo, dou a ideia. Essa é a importância da participação deles nessa parceria.
Esses seriam os centros de acolhimento?
Exatamente. Queremos trazer os estudantes de psicologia para esses centros de acolhimento. Mas todos os alunos que sentirem desejo de serem capacitados para trabalhar nessa área poderão participar.
A gente tem que lembrar que o suicídio é considerado a segunda causa de morte entre jovens. Você tem ideia do universo de jovens que essas faculdades têm?
Dessa forma, a gente também vai interagir com as faculdades, é uma campanha com os próprios alunos [universitários], para alcançar aqueles que estão em sofrimento. Quantos jovens estão sentados, em uma sala de aula, com um casaco moletom cobrindo a cicatriz, e ninguém prestou atenção?
Eu soube, por exemplo, que um dos campus com maior número de suicídios é o do Rio Grande do Norte. Além disso, a gente tem buscado confirmar a informação de que os estudantes de medicina são os que mais se matam. E quanto mais jovem, mais fácil de esse estudante de se matar. Acho que é o impacto com o curso, com o sangue, a cobrança, a pressão.
Muitos criticaram a medida, dizendo que "não é função do professor ser psicólogo"...
O professor, realmente, não é psicólogo. Mas, em muitos momentos, ele é o referencial que a criança tem. E esse referencial não pode se omitir na hora da dor e do sofrimento.
Imagine um professor no interior do sertão do Sergipe. Ele é tido pelas crianças como herói, e uma palavra do seu herói faz uma diferença muito grande na vida deles.
Não queremos que o professor faça papel de psicólogo. E ele nem pode. O objetivo é que, todas as vezes que ele identificar esses casos, busque ajuda médica. Identificou? Tem que ter, imediatamente, a interferência da área médica. Esses estudantes precisam ser encaminhados para psicólogos e psiquiatras, e o professor pode abraçar, acolher, chamar a família, orientar e buscar a ajuda certa.
Parar, conversar e olhar nos olhos tem ajudado muito, e vamos ensinar o professor a fazer essa abordagem, e não apenas apontar que algum aluno está se cortando e encaminhá-lo para a diretoria.
Por que essa não é uma medida "simplista", como a classificaram alguns especialistas?
Não é simplista, o assunto está na mesa, todos têm que vir para o debate, do jeito que está não dá certo e, mesmo que seja uma medida simplista, é uma medida. Eu não posso me omitir, eu estou fazendo alguma coisa. Daqui para frente, podemos melhorar as medidas. Mas essa é a medida que está posta, é o que eu tenho.
A automutilação tem um efeito de contágio, e nós percebemos, inclusive, que alguns meninos, para serem aceitos em alguns grupos, precisam se cortar.
Você pode achar muito pouco, mas, um dia que eu evito que uma criança se corte, eu posso salvar a vida dela. As crianças estão trocando lâminas, e se, um dia, ela encontrar uma lâmina contaminada com HIV?
E se, alguma vez, essa pessoa cortar a veia errada e morrer de hemorragia? Os nossos jovens estão se cortando no mundo todo, e eu posso salvar a vida de uma criança.
Por que a parceria foi estabelecida somente com a Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup)?
O Brasil reconhece o potencial das universidades particulares hoje. Elas são grandes e têm um número enorme de alunos. Inclusive, 75% dos professores que vão para o mercado, atualmente, são formados nas universidades e faculdades particulares, e não nas públicas. Além desse motivo, foi porque as faculdades particulares têm um número muito grande de estudantes de psicologia.
Esses meninos [estudantes] precisam de estágio, eles precisam de horas práticas. Por que, então, não fazer uma parceria com as faculdades particulares e as escolas? Eles farão um trabalho de atendimento aos adolescentes em conflito, em situação de sofrimento.
As universidades públicas serão contempladas futuramente?
A gente já está caminhando nessa direção, mas estamos esperando o novo ministro [Abraham Weintraub] se organizar.
Qual a orientação da APB para tratar do assunto?
Muita gente virou palestrante do assunto. Então, quando a escola for trabalhar o tema, cuidado com os que estão apresentando as palestras. Não é todo mundo que está pronto para falar sobre o assunto.
Se a escola quiser fazer palestras, seminários, que procure psiquiatras da cidade, alguém da área da saúde mental. Cuidado com os palestrantes de autoajuda que estão por aí. Às vezes, com a sua forma de falar, você está motivando.
Eu ouço dos professores e diretores que as crianças estão escondendo lâminas nos ralos de banheiro das escolas, elas saem das aulas e vão no banheiro para se cortar. Alguns já me falaram que estão tendo que comprar cloro em alta resolução para lavar os banheiros das escolas, para tirar as manchas de sangue.
Pode ser que as pessoas não estejam pensando nisso, mas, às vezes, é no ambiente escolar que ela se corta, pois não pode fazer isso em casa. Não estamos acolhendo um menino que se corta, estamos acolhendo um menino que está vindo se cortar dentro da escola. Isso é muito sério.
Se os pais observarem que os filhos estão se cortando, a atitude que devem ter é: abraçar, abraçar e abraçar. Não bater, não repreender, não brigar. Abrace, abrace, abrace.
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