Alunos que não vão bem na escola, profissionais que não conseguem solucionar um problema ou adultos que têm dificuldade com tarefas do dia a dia nem sempre são pessoas com baixo quociente de inteligência (QI). A maior parte das vezes, essas dificuldades têm uma causa mais simples: a falta de treinamento e desenvolvimento cognitivo para analisar e encontrar estratégias para os desafios da vida.
Por isso, desenvolver habilidades e potencializar a capacidade cognitiva podem ser as chaves para “turbinar” o cérebro e aprimorar o desempenho intelectual nas diferentes fases da vida. É o que propõe o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI).
Desenvolvido há mais de 50 anos pelo psicólogo judeu Reuven Feuerstein, o método consiste em realizar exercícios específicos (que são contextualizados à realidade do participante do programa) sob a orientação de um mediador com o objetivo de identificar e sanar falhas cognitivas.
“O PEI traz a habilidade de a pessoa aprender [a aprender], de se tornar um pensador autônomo. Se o aluno não vai bem em uma disciplina, o programa o ajuda a entender o porquê e a achar caminhos para melhorar”, explica Maristella Abdala, psicopedagoga, fonoaudióloga, trainer e mediadora do PEI.
Ela acrescenta que o mediador não dá tal resposta pronta, mas leva o mediado a chegar nela, desenvolvendo assim o sentimento de competência e o hábito de que, diante de um problema (acadêmico, profissional ou pessoal), a pessoa pare para analisar a questão antes de agir. “Nosso lema de aprendizagem é: ‘um momento, deixe-me pensar’”, conta Maristella.
Assim, além de estimular o raciocínio e as funções cognitivas, o programa desenvolve a autoestima, a motivação e a autonomia.
Exercícios
Para estimular as funções cognitivas, o PEI utiliza 14 conjuntos de tarefas (chamados de instrumentos). Eles são compostos por atividades simples, como ligar pontos para formar figuras geométricas, sobre diferentes temas (orientação espacial, categorização, relações familiares), a partir dos quais são trabalhados conceitos e ativada a memória, impulsionando a aprendizagem.
Tal fato faz com que, a exemplo do que ocorre em outros países, algumas escolas do Brasil, como o Colégio Militar de Fortaleza, apostem no programa como forma de auxiliar e potencializar o desempenho dos alunos.
Maristella aponta, no entanto, que o programa não é recomendado somente para estudantes ou pessoas que tenham alguma dificuldade intelectual, mas também para profissionais e indivíduos que desejam melhorar o seu processo de pensamento com diferentes objetivos.
A médica pneumologista Daniella Porfírio Nunes, por exemplo, buscou o PEI para resolver um problema doméstico: a queixa do marido sobre a dificuldade de ela memorizar os detalhes das conversas do casal.
“Meu marido falava que eu não o escutava. Fiz o programa por cerca de dois anos, resolvi esta questão e estendi seus benefícios também para a vida profissional. Hoje, tenho um pensamento mais organizado, sou mais flexível e segura em relação à vida”, avalia.
PEI funciona, mas não é o único caminho
Os benefícios que o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) proporciona aos seus praticantes, em especial àqueles que têm mais dificuldades de aprendizado, são reconhecidos pelos pesquisadores que se debruçam sobre o estudo dos processos cognitivos.
José Aparecido da Silva, professor titular do departamento de Psicologia do campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) lembra, inclusive, que ele traz melhorias para a população estudantil, para a qual se privilegia mais a memorização do que a estratégia do processo de aprendizagem.
Os especialistas, no entanto, levantam questionamentos sobre a extensão da eficácia do programa, decorrente da dificuldade de se mensurar o desenvolvimento das habilidades, a possibilidade de sua aplicação para qualquer pessoa e sua diferença em relação a outros métodos que também se baseiam na teoria da modificabilidade cognitiva, ou seja, de que a inteligência pode ser enriquecida, fomentada.
Pesquisa
Mauricio Abreu Pinto Peixoto, doutor em Medicina, professor adjunto do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e líder do Grupo de Estudos em Aprendizagem e Cognição, diz que os benefícios propostos pelo PEI não são acompanhados por “achados científicos”. “Existe um silêncio intelectual em relação [ao programa], não há evidência empírica do ponto de vista científico”, aponta.
Ainda segundo o professor, ao longo do tempo foi criado uma espécie de monopólio sobre as informações do PEI no sentido de que só quem se capacitou para usá-lo pode ter acesso aos seus instrumentos. “Se eu achei interessante e fui fazer a capacitação, é pouco provável que seja capaz de produzir algo em oposição a essa formação. Por conta disso, os artigos são muito poucos, e lidam com situações de pessoas em risco, com deficiência cognitiva significativa”, acrescenta.
Silva lembra ainda que o “limite biológico” seria outra barreira aos resultados do PEI, no sentido de que o desenvolvimento do indivíduo precisaria estar aquém do que o seu QI (quociente de inteligência) permite para que ela pudesse desenvolver novas habilidades.
Apesar dos apontamentos, os especialistas concordam que, mesmo com as limitações científicas e teóricas, utilizar o programa como ferramenta para potencializar habilidades cognitivas é melhor do que não o fazer. “O que critico nesta questão é a apresentação [que se faz do PEI] para o mercado, como se ele fosse algo único, o que não é”, acrescenta Peixoto.