| Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo

Passar numa seleção com quase 2 mil concorrentes do Brasil inteiro não é para qualquer um. Principalmente quando o que está em disputa é um prêmio de R$ 1 milhão. Não estamos falando de loteria, reality show ou algum concurso de talentos.

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Pensando bem, não deixa de ser uma espécie de concurso de talentos, só que, ao invés de testar as habilidades em canto, dança ou interpretação, o que está sob julgamento é ciência. E os vencedores, 12 jovens pesquisadores que nos próximos três anos vão trabalhar no desenvolvimento de soluções para diferentes áreas de conhecimento.

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O “concurso” em questão foi uma chamada pública realizada pelo Instituto Serrapilheira, uma instituição privada sem fins lucrativos que financia pesquisas científicas. Na primeira fase, promovida em 2017, 1.955 cientistas inscreveram seus projetos, dos quais foram selecionados 65, que receberam R$ 100 mil para desenvolver suas pesquisas. O resultado da segunda fase foi divulgado em maio, quando foram anunciados 12 dos 65 pesquisadores selecionados anteriormente, que receberão R$ 1 milhão para dar sequência aos projetos.

| Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo

Dentre os 12 selecionados está Marco Antonio Zanata Alves, professor do Departamento de Informática da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O título do projeto contemplado – “Memórias inteligentes eficientes para computação intensiva de dados” – pode ser um tanto enigmático para quem não é familiarizado com a área.

Trajetória

Mas, com a didática de quem está acostumado à sala de aula, Zanata explica pacientemente os detalhes à reportagem da Gazeta do Povo, até resumir o objetivo do projeto em uma frase: “melhorar o desempenho dos computadores e reduzir o consumo de energia.”

Uma ideia ambiciosa de alguém que, com 14 anos de idade, já dava aulas de informática. “Eu tinha 13 anos quando entrei num curso de informática. Virei monitor e comecei a dar algumas aulas na escola”, conta Zanata. Aos 16, passou a trabalhar com conserto de computadores, o que, consequentemente, levou-o a cursar Ciência da Computação na Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Presidente Prudente (SP).

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Na sequência vieram o mestrado, doutorado e um ano de doutorado-sanduíche em Austin, nos Estados Unidos, cidade que é referência na área de arquitetura de computadores. Foi em 2016 que ele desembarcou em Curitiba, após ser aprovado no concurso para professor da UFPR. Um ano antes, porém, ele já havia iniciado os estudos que resultariam no projeto apresentado ao Instituto Serrapilheira.

| Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo

Memória inteligente

Para entender a pesquisa de Zanata, é preciso voltar a 1945, quando o húngaro John von Neumann criou a arquitetura de computadores que é utilizada até hoje. Basicamente, ela consiste no uso de um processador e uma memória: enquanto o primeiro faz os cálculos, o segundo armazena os dados. Essa interação constante entre as duas partes acaba consumindo tempo e gastando energia. “E se pudéssemos processar os dados dentro da memória?”, foi a pergunta que o pesquisador lançou e que deu origem ao projeto das chamadas “memórias inteligentes”.

Segundo Zanata, há estudos nesse sentido desde a década de 90. O principal avanço até aqui foi conquistado pelos americanos David Patterson e John Hennessy, que em 2017 ganharam o Prêmio Turing – o mais importante na área de computação – por desenvolver processadores mais rápidos e que consomem menos energia. “O grande problema é que a indústria ainda não conseguiu juntar em um mesmo dispositivo processamento e armazenamento, são duas tecnologias incompatíveis”, diz.

Desafiando esses obstáculos, o professor da UFPR deu os primeiros passos da pesquisa ao ser um dos 65 selecionados pela Serrapilheira em 2017. Com os R$ 100 mil que recebeu da fundação, ele e seus alunos consolidaram as bases do projeto: compraram um servidor de médio porte, elaboraram uma biblioteca de códigos e realizaram simulações em sistemas híbridos, que combinam processadores normais e memórias inteligentes.

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“Nessas simulações conseguimos processar dados três vezes mais rápido e consumindo quatro vezes menos energia”, destaca, sobre os avanços já alcançados.

Centro de referência

Com a seleção do projeto na segunda etapa, serão mais três anos para dar sequência à pesquisa. Quanto ao R$ 1 milhão, o dinheiro vai bancar alguns investimentos necessários, como bolsas para que os alunos possam ter dedicação exclusiva e aquisição de novos equipamentos. “Metade dos nossos alunos usa máquinas que têm mais de dez anos. Vamos substituir todas elas e também investir em novos servidores”, adianta Zanata. Os recursos também servirão para custear publicações de artigos e viagens para apresentação desses estudos.

E onde Zanata e seu time pretendem chegar nos próximos três anos? Além de conseguir melhorar o desempenho de sistemas que trabalham com banco de dados, o projeto também pretende desenvolver mecanismos para que as memórias sejam capazes de identificar vírus e outros códigos maliciosos, e também migrar algoritmos de inteligência artificial para as novas plataformas que estão sendo desenvolvidas.

“É um desafio porque consiste em um método diferente do que vem sendo utilizado há 70 anos, e requer hardware e software novos”, ressalta.

Para isso, o pesquisador conta com o apoio de aproximadamente 18 estudantes de graduação e pós-graduação, que estarão envolvidos diretamente no projeto. Além do resultado científico, a aposta é também no campo acadêmico. “Queremos que a UFPR seja reconhecida como um centro de referência em arquitetura de computadores.”

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O que é o Instituto Serrapilheira

Instituição privada sem fins lucrativos, o Instituto Serrapilheira foi lançado oficialmente em março de 2017. Segundo a página da instituição na internet, ela “tem o objetivo de financiar pesquisas de excelência com foco em produção de conhecimento e iniciativas de divulgação científica. Queremos contribuir para a construção de uma cultura de ciência no Brasil.”

Para isso, o Serrapilheira promove diversas ações como chamadas públicas, formação de jovens cientistas para pesquisa científica de ponta e incentivo de intercâmbio com outros países. São basicamente três campos de atuação: Ciências Naturais (ciências da vida, geociências, física, química), Ciência da Computação e Matemática. Os recursos são oriundos de um fundo patrimonial de R$ 350 milhões, constituído em 2016.

Apesar de ter sido criado em 2017, os responsáveis pelo instituto explicam que o trabalho começou em 2014. “Ao longo dos três anos entre a criação e o anúncio público, nós nos dedicamos a conhecer modelos institucionais e visitar agências de fomento, fundações de apoio à ciência e organizações do terceiro setor, tanto no Brasil quanto no exterior. Também nos reunimos com pesquisadores brasileiros para entender como uma instituição privada poderia melhor atender à comunidade científica.”

“Queremos investir em mentes criativas e produtivas porque temos a convicção absoluta de que o conhecimento é um valor fundamental”, afirma ao site o diretor-presidente do Serrapilheira, Hugo Aguilaniu. De acordo com ele, o princípio é concentrar recursos em poucos projetos, mas com forte potencial, em investigações que apostam no desenvolvimento de uma ciência internacionalmente competitiva. “Queremos identificar e apoiar os melhores jovens pesquisadores no Brasil, aqueles que estejam fazendo as grandes perguntas dos seus campos. Não deixaremos de apoiar projetos de pesquisa arriscados, nos quais o pesquisador audacioso nem sempre será bem-sucedido.”

“É um desafio porque consiste em um método diferente do que vem sendo utilizado há 70 anos, e requer hardware e software novos.”

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