A proposta de incentivar a educação a distância é mais um dos temas tratados sem muitos detalhes no plano de governo do candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL). Não está claro se o candidato pretende substituir todas as aulas presenciais de crianças e adolescentes – dos ensinos fundamental e médio – pelo ensino a distância ou se simplesmente pretende estimular fortemente a modalidade na escola, como um complemento de aprendizagem.
No plano de governo, o parágrafo para o ensino a distância traz apenas a seguinte redação:
“Educação a distância: deveria ser vista como um importante instrumento e não vetada de forma dogmática. Deve ser considerada como alternativa para as áreas rurais onde as grandes distâncias dificultam ou impedem aulas presenciais.”
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Procurada, a equipe de Bolsonaro, certa da vitória, prometeu um detalhamento das propostas depois da votação do segundo turno – a estratégia de agora parece ser não entrar em polêmicas nesta reta final. Mas as declarações dadas, tanto por Bolsonaro quando pelos nomes cotados nas últimas semanas para um possível futuro Ministério da Educação, dão ideia do que esse texto pode significar.
Durante a campanha, antes do primeiro turno, Bolsonaro defendeu o ensino a distância para além do uso na área rural, como já previsto em lei, para “combater o marxismo” e “reduzir o custo da educação”. Tanto nos ensinos fundamental, médio e superior.
“Com o ensino a distância você ajuda a combater o marxismo. E você pode começar a fazer o ensino a distância uma vez por semana. Você ajuda a baratear o ensino no Brasil, e nesse dia talvez seja integral”, disse em 7 de agosto, em entrevistas a jornalistas na Câmara dos Deputados.
Uma das figuras a quem Bolsonaro confia decisões acerca do ensino online é Stavros Xanthopoylos, diretor da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed). Grego, como é conhecido pelos colaboradores da campanha presidencial, é um dos cotados para assumir o Ministério da Educação – outro nome forte é do general Aléssio Ribeiro Souto. Ele e a equipe, com uma eventual vitória nas urnas, terão grandes gargalos pela frente.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que apenas 57,8% dos brasileiros têm acesso à internet. No Norte e Nordeste, o celular é o único aparelho que se conecta a rede, devido à dificuldade de acesso à banda larga. Para implementar o ensino a distância, o acesso será um dos primeiros desafios a serem vencidos por Bolsonaro, caso seja eleito.
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Além do acesso à banda larga, outra questão a ser debatida é a legislação brasileira. O decreto nº 9.057/17 permite o ensino a distância na educação básica somente em situações emergenciais como motivo de saúde, estada no exterior, localidades sem rede regular de ensino, regiões de difícil acesso e privação de liberdade.
Mas Stravos não vê a regra como uma barreira intransponível. Em uma teleconferência promovida neste ano pelo Instituto para a Valorização da Educação e Pesquisa no Estado de São Paulo (Ivepesp), Stavros mostrou um pouco do que pensa para a educação a distância, com a esperança de que o futuro governo consiga as aprovações necessárias no Congresso para adotá-la. A base seria formada a partir de modelos americanos de educação elaborados nos anos 1990 que já previam o ensino híbrido. A ideia é flexibilizar – portanto, não substituir as aulas presenciais – no aprendizado de crianças e adolescentes.
“O aluno é tutorado no tempo dele, seja em casa ou na escola. Eles mesmos podem definir a data das provas e fazer primeiro as avaliações de matérias que têm mais facilidade. Quem opta por este tipo de ensino, termina, em média, seis meses antes o ensino médio”, alegou o especialista em educação.
Stavros disse também querer fazer do professor um curador de conteúdo e dar às famílias mais uma alternativa de educação aos filhos. Com uma provável eleição de Bolsonaro, ainda não se sabe se todas as opiniões de Stavros seriam acatadas pelo presidenciável.
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O especialista pretende desenvolver a economia brasileira a partir da melhoria da educação. “A economia só vai crescer se abraçar a educação. Para criar renda e produtividade é preciso mexer na engrenagem do país”, sublinhou Stavros na teleconferência. Assim como Bolsonaro, ele é contra a doutrinação ideológica na escola, simpático ao projeto “Escola sem Partido” e acredita que a educação a distância poderia contribuir nesse sentido.
Na mesma entrevista dada no dia 7 de agosto, em que falou do ensino a distância, Bolsonaro disse em seguida que vai retirar as ideias de educador Paulo Freire do Ministério da Educação. “Você pega um garoto chinês, japonês, israelense de 15 anos de idade, ele sabe balancear uma equação química, ele sabe de cor o livro de física de Isaac Newton, já sabe integral, derivada. O nosso só tem pensamento crítico, para saber se vai ser homem ou mulher, essa é a grande decisão da vida dele”, disse Bolsonaro.
Questão pedagógica
As principais críticas à educação a distância no plano de Bolsonaro, além do não detalhamento, alegam uma possível falta de sociabilização de crianças e adolescentes no ensino básico – caso as aulas presenciais sejam escassas ou desapareçam. Para Catarina Almeida, doutora em educação pela Universidade de São Paulo, a sociabilização é um ponto nevrálgico, principalmente na educação infantil.
“Não se pode negar às crianças e adolescentes convivência com as diferenças ou negar a lógica de que o processo de aprendizagem se dá com o outro. Essa relação é extremamente pedagógica e contribui para o desenvolvimento intelectual”, diz a educadora que coordena, na Universidade de Brasília, a pesquisa Institucionalização da Educação Superior a Distância nas Universidades Federais da Região Centro Oeste.
Um dos riscos que o Brasil pode enfrentar com a difusão em massa da educação a distância é a redução da qualidade do ensino. O dilema já é visto no ensino superior, que vê a rápida expansão da modalidade no país não ser acompanhada pela excelência na formação. Os resultados no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) de 2017, mostraram que 46% dos cursos a distância obtiveram notas 1 e 2, as mais baixas da avaliação que estabelece as notas na escala de 1 a 5.
Catarina lembra que uma das propostas mais criticadas de Michel Temer para a reforma do ensino médio, em relação à qualidade, foi tentar determinar que 40% do ensino dessa fase pudesse ser a distância, o que não foi incluído. “Para quem quer precarizar a educação, a modalidade a distância favorece. Ela é um processo muito mais massificado, pois tende a ser barata. Mas não é a modalidade em si que precariza, e sim o uso. O ensino a distância tem sido utilizado sem se olhar as especificidades do sujeito no processo de ensino e aprendizagem”.
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Além da falta de qualidade no ensino, o Brasil gasta muito e mal em educação – o que ajuda a formar profissionais menos qualificados. Em 2017, a União despendeu R$ 117,2 bilhões com a educação; a cifra equivale a 6% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional. A proporção investida é maior em relação a outros países do mundo que obtêm resultados melhores que os brasileiros.
Dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA, em inglês) mostram que dos 70 países avaliados em 2015, o Brasil figura entre as últimas colocações. O programa avalia o desempenho dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) nas áreas de ciência, leitura e matemática; o Brasil ficou com 401, 407 e 377 pontos respectivamente – todos os números abaixo das médias de países como México, Costa Rica e Colômbia.
Para Catarina, bons resultados na educação são consequência de processos formativos de qualidade. “Não há como melhorar resultados, sem melhorar processos. A Finlândia, por exemplo, não está preocupada com o resultado do PISA; ela só se preocupa com a qualidade de educação. E para ser de qualidade, a educação não pode ser barata”.
Uma alternativa para homeschoolers
Bolsonaro não se pronunciou oficialmente sobre a educação domiciliar, conhecida como homeschooling, mas há quem diga que sua proposta de ensino a distância também é um aceno às mais de cinco mil famílias no Brasil que ensinam seus filhos em casa e buscam a aprovação legal dessa prática.
“Esse tipo de ensino auxilia o homeschooling, uma vez que propicia aos pais um meio para que eles possam exercer o direito de educar os filhos sob a fiscalização do Estado, respeitando as normas que se referem à educação”, acredita Lizia Bodenstein, diretora jurídica da Associação Nacional de Educação Familiar (Aned) e especialista em direito educacional e homeschooling.
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Lizia não enxerga problemas na sociabilização. Conhecendo a realidade da educação em domicílio, a advogada entende que o desenvolvimento pedagógico e social da criança não é afetado. “Estudos realizados nos Estados Unidos mostram que crianças educadas pelo sistema do homeschooling, quando jovens e adultos, são os que mais exercem sua cidadania, e mais realizam serviços voluntários. Não podemos tornar dependente da escola a vida social da criança”.
A Aned reconhece que o ensino a distância possibilita o barateamento da educação por reduzir o custo estatal em levar toda a estrutura da escola para lugares afastados. Por outro lado, a associação sublinha que a questão educacional no país vai muito além do ensino a distância ou da educação domiciliar. “Há uma necessidade de rever não só o que - e como - é passado aos alunos em sala de aula. Precisamos também avaliar a formação profissional do professor e dos cargos de direção nas escolas”.
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