A pandemia normalizou um cenário antes considerado impensável para muitos professores e seus sindicatos: a gravação das aulas. Para preservar seus empregos, docentes não têm outra saída que aceitar as atividades em vídeo e expor sua forma de ensinar a todos os que tenham acesso à plataforma de ensino.
Essa nova forma de aprendizagem tem levantado questionamentos e preocupações sobre os direitos de imagem dos professores. E ainda sobre o que fazer em casos em que há o vazamento de informações ou o uso de uma parte da aula, descontextualizada, destruindo a reputação do professor.
Quais seriam os direitos e deveres das instituições de ensino e dos professores nesse cenário? O que pode ou não ser considerado ilícito?
Direito à imagem e o risco de vazamentos
O inciso X ao artigo 5º da Constituição Federal prevê o direito de imagem como inviolável. A Lei de Direitos Autorais nº 9.610/1998 também é clara ao estabelecer que a gravação de uma pessoa depende da sua autorização expressa. Isso significa que ao passar das aulas presenciais para as plataformas online é necessário que haja uma permissão do professor, em termo assinado ou por um aditivo ao contrato de trabalho previamente estabelecido. Do contrário, dependendo das circunstâncias, o professor pode recorrer à justiça no futuro e não são raras as indenizações concedidas pelos tribunais. E dificilmente a pandemia seria desculpa para a ausência desse documento.
“Tudo o que se diz respeito ao direito de imagem tem uma interpretação restritiva”, explica Rodrigo Xavier Leonardo, advogado e professor de Direito Civil na UFPR. “Toda a cessão de imagem, com fins econômicos, deve ser consentida. Ainda que se possa interpretar que o contrato de trabalho com os professores abrange, em tempos de pandemia, o exercício do magistério por via online, a manipulação e exposição da imagem deve ser objeto de um consentimento específico”.
Os contratos também precisam delimitar em que plataformas o conteúdo será exibido. “Se um colégio começa a divulgar aulas feitas só para os alunos em outros canais, como o YouTube, não por maldade, mas simplesmente porque não há uma cultura no Brasil de proteção da imagem, o professor pode recorrer à Justiça”, diz Xavier.
Além disso, as instituições de ensino, tanto públicas como privadas, podem ser responsabilizadas caso haja exposições abusivas ou vazamento de dados. "Se o professor está cedendo sua imagem e conteúdo, é preciso que isso seja compartilhado apenas para os alunos inseridos no contexto educacional. O profissional não deve ser exposto fora desse meio", afirma Marcio Stival, advogado especialista em Direito de Imagem.
Comentários políticos em aula online
Outro desdobramento jurídico em relação às aulas online é a proibição do conteúdo para constranger, injuriar, caluniar ou difamar.
Recentemente, o professor de Biologia Paulo Jubilut foi alvo de críticas nas redes sociais após o conteúdo de uma de suas videoaulas, em plataforma paga, ter sido vazado. No episódio, ele criticou o presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores: "Que tipo de gente é essa? Pelo amor de Deus, onde é que a gente está vivendo? Onde é que a gente vai parar? Já passou dos limites do aceitável”, comentou o professor durante a aula. Entre os internautas, alguns indicavam que ele havia utilizado quase todo o período para fazer comentários políticos.
Neste caso, sem entrar no mérito do conteúdo da aula, duas situações são possíveis, segundo Stival. A primeira delas, no caso de um professor que teve seu conteúdo divulgado sem autorização, há possibilidade de ação judicial na esfera cível pedindo a remoção do conteúdo.
"Jubilut não permitiu que fosse divulgada a aula e é possível o pedido de remoção de conteúdo das redes", afirma. "Mas também há possibilidade de recorrer à esfera criminal, sob o argumento de que o indivíduo que compartilhou o conteúdo teve intuito de constranger o professor e, a meu ver, ele é amparado pela liberdade de cátedra. Ele pode alegar que sua imagem foi alvo de ataque".
Sobre a liberdade de cátedra, a decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) que liberou professores de universidades públicas a fazerem propaganda política em sala de aula deve ser usada para que, dificilmente, um professor receba algum tipo de punição por manifestar opiniões desse gênero. O entendimento foi dado em ação que questionava mandados de juízes que, fundamentados no artigo 37º da Lei Eleitoral, tentaram impedir que docentes distribuíssem panfletos favoráveis a Fernando Haddad (PT) em sala de aula ou dessem seminários explicando por que Jair Bolsonaro seria “fascista”.
Mesmo assim, é importante lembrar que o fato de que as aulas gravadas não possam ser veiculadas sem autorização não impede que sejam usadas como prova judicial, no caso de o professor cometer um ato ilícito.
“Uma situação que me parece verossímil: professor está dando uma aula, faz uma brincadeira que pode transbordar para uma questão de racismo”, explica Xavier, da UFPR. “Nesse caso, o aluno para defender a existência do ilícito pode usar essa prova em uma ação judicial”.