Pelo menos três (1, 2, 3, *) tentativas para tirar Paulo Freire do posto de patrono da educação tramitam no Congresso Nacional brasileiro. O esforço tem aumentado desde que Jair Bolsonaro (PSL) tomou posse da presidência.
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O presidente, inclusive, já disse em entrevista que o atual patrono "é muito chato". "Quem sabe nós temos uma patrona da educação", falou.
A última das propostas nesse sentido foi protocolada na Câmara dos Deputados por Carlos Jordy (PSL-RJ), no dia 21. O parlamentar sugere substituir Paulo Freire, a quem caracteriza como "embuste e farsa", por São José de Anchieta, que é "quem de fato deixou legado para a educação".
Os jesuítas do Santuário Nacional de São José de Anchieta, no entanto, receberam "com preocupação a notícia" do Projeto de Lei. "Não podemos aceitar que o legado de São José de Anchieta seja instrumentalizado para fins meramente ideológicos. Tanto ele como Paulo Freire caminham na mesma direção", publicaram.
Em resposta ao anúncio do Santuário, Jordy afirmou que não vai desistir do PL, e que "comparar Paulo Freire a São José de Anchieta é um escárnio, tanto para a educação quanto para o catolicismo".
A seguir, a entrevista completa com o deputado:
Deputado, o sr. pretende mudar algo na proposta após o anúncio dos jesuítas?
Não. Eu não sou católico, sou evangélico, mas não estou colocando religião nesse projeto. Eu admiro a conduta do padre e do legado que ele deixou pela educação, pois foi o primeiro professor.
Ele, sim, deixou um grande legado para a educação. Paulo Freire, não. Ele é um embuste, uma farsa.
Eles [padres do Santuário Nacional São José de Anchieta] não são padres. Eu tenho muitos eleitores católicos que são fervorosos, praticantes, e que concordam comigo que eles são hereges, teólogos da libertação. São padres ligados à uma falsa doutrina católica, criada por comunistas para desvirtuar os princípios cristãos.
Para mim, a nota deles não vale de nada. Como são teólogos da libertação, são hereges. A nota deles pra mim é a mesma coisa que uma nota da Folha de S. Paulo.
Em nota, os jesuítas dizem que Paulo Freire e São José de Anchieta "caminham na mesma direção". O que você acha dessa comparação?
Comparar Paulo Freire a São José de Anchieta é um escárnio, tanto para a educação quanto para o catolicismo. Ele [Freire] foi um comunista assumido, que defendia assassinos como Che Guevara, Lenin, Mao Tsé-Tung e diversos outros que dizimaram milhões pelo mundo.
Ele também deixou um legado para nós de destruição. Hoje, estamos em 75º lugar no Pisa. A metodologia trazida por ele, copiada de [Jean] Piaget, do construtivismo, arruinou gerações.
Os estudantes não sabem fazer regra de três e interpretar textos, não entendem nada sobre o conteúdo básico, mas sabem tudo sobre gênero, sexualidade, comunismo.
Já José de Anchieta era um verdadeiro católico, que acreditava no transcendental. Além disso, é um escárnio para a educação [a comparação com Freire] porque José de Anchieta foi um grande educador, educou diversos índios, escreveu obras em tupi.
Os péssimos índices na educação hoje são resultado do legado de Freire?
Essa educação que nos foi deixada é legado dele. Ele é patrono dessa educação destruidora, que de educação não tem nada. Então ele não merece um título se não é um educador.
Nós temos que romper com essa educação emancipadora do Freire para retornar a uma educação que realmente ensine, em que o professor transmita conhecimento, que possa formar cidadãos, pessoas capacitadas tecnicamente para ir ao mercado de trabalho. É isso que falta hoje em sala de aula.
Precisamos dar um novo rumo para a nossa educação, fazer com ela faça o Brasil prosperar e, não, criar militantes nas escolas.
Lutar para tirar Freire do posto, nesse momento, não exaltaria mais os ânimos no país? É prioridade nesse período?
Eu não acredito nisso. Realmente, a esquerda fica em polvorosa, porque falar mal do Paulo Freire, para eles, é igual falar mal da Virgem Maria, é mexer em um formigueiro. Eles endeusam esse imbecil.
Mas como nós estamos vivendo um momento de mudanças no governo, na sociedade, fazendo reformas, previdenciária, penal, temos que fazer educacional também.
Não é porque vamos deixá-los furiosos que a gente não tenha que fazer essas mudanças. Tirar Paulo Freire agora seria muito simbólico para demonstrar que nós estamos buscando uma nova educação, de acordo com o que o Brasil merece.
Fazer um projeto de lei que altera o patrono da educação não tem nenhuma perda de recursos, esforço que possa estar atrapalhando coisas importantes no contexto educacional. Acho que não tem problema não.
O sr. tem conhecimento de outros projetos e ideias legislativas que tramitam, ou já tramitaram, no Congresso, com a mesma proposta?
Os projetos anteriores eram incompletos, que simplesmente retiravam o título de Paulo Freire de patrono. Mas o nosso está completo, porque retiramos um e colocamos o legítimo educador que pode ter esse título, que é o José de Anchieta, por todo o seu legado.
A gente sabe que, às vezes, os projetos aqui que demoram anos para serem aprovados, mas ele tem grandes chances e tem apoio de diversos segmentos da sociedade. Sobretudo, os segmentos que concordam que a nossa educação está aos frangalhos.
*Projeto de Lei que substitui Paulo Freire por São José de Anchieta:
*Resposta do Santuário Nacional de São José de Anchieta ao PL:
* Nota do editor: a Teologia da Libertação surgiu na América Latina, na década de 1960, e ganhou adeptos principalmente por meio das "Comunidades Eclesiais de Base". Essa corrente de pensamento, de fundamentação marxista, tentou dar uma nova interpretação ao Cristianismo, tornando-o um caminho político e não espiritual. O documento Libertatis Nuntius, da Igreja Católica, apontou vários aspectos problemáticos dessa corrente: situar o mal apenas nas estruturas econômicas, sociais e políticas, minimizando ou negando a realidade do pecado pessoal (cap. IV); entender que a justiça e a liberdade no plano econômico e político constituem a totalidade da salvação (cap. VI); o empréstimo acrítico de elementos do pensamento marxista, tomados não como um “instrumental” à luz da fé, mas como um sistema totalizante (cap. VII); e a assunção da ótica da luta de classes, em que se põe de lado a distinção entre o bem e o mal em si mesmos e se opta por uma lógica partidarista (cap. VIII).