Já se passaram 2.343 anos desde que Aristóteles fundou um modelo de ensino ao ar livre, em que os estudantes caminhavam e interagiam com o mundo em vez de ficarem presos à teoria. Era a chamada escola peripatética. A bem-vinda massificação da educação, entretanto, forçou a criação de sistemas padronizados, onde por vezes o contato com o mundo real é reduzido. Isto é um problema sobretudo nas aulas de ciências. Sobretudo no Brasil, o 63º colocado em ciências entre os 70 países participantes do Pisa. Especialistas dizem que é hora de mudar.
Os estudiosos do tema são praticamente unânimes nas críticas a um modelo de ensino de ciências baseado em fórmulas decoradas. Como as escolas moldam os currículos para atender as exigências do vestibular, as vivências e necessidades cotidianas dos estudantes ficam em segundo plano. O desafio, portanto, é sensibilizar professores e gestores para um novo modelo de escola, baseado na abordagem das ciências direcionado à solução de problemas reais.
“O fato é que ao longo do século 20, desistimos de contar histórias para uma variedade de metodologias de ensino. Histórias de ciência, sobretudo, se transformaram em narrativas sem graça; ciência se tornou uma disciplina prática focada em fazer, não em pensar”, diz Joy Hakim, autora de The Story of Science: Aristotle Leads the Way (História da Ciência: Aristóteles guia o caminho, em tradução livre).
Proximidade com a realidade
Para José Claudio Del Pino, docente do Programa de Pós-Graduação Educação em Ciências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é necessário que o professor adapte os conceitos fundamentais da sua disciplina para o contexto de trabalho.
Em projeto de reestruturação da disciplina de ciências na oitava série do Ensino Fundamental em escolas gaúchas, Del Pino e sua equipe partiram da vontade dos alunos em estudar sobre sexo e propuseram o ensino de aspectos físicos e químicos do corpo humano.
O pesquisador também destaca a importância de espaços de troca de experiências entre os educadores. Uma das iniciativas apresentadas é de professores do interior gaúcho que levam os estudantes ao supermercado; lá, estudam os rótulos dos alimentos em relação aos conceitos fundamentais da disciplina de química.
Produzindo significados
Carolina Vidor, doutoranda em Ensino em Física na UFRGS, estuda a multimodalidade no ensino de ciências nos anos finais do Ensino Fundamental e o aprendizado dos conceitos formais da disciplina para além da linguagem escrita ou oral. Ela pede que o estudante acione suas próprias experiências para produzir significado e que o aprendizado se dá de forma socializada. “É necessário haver foco no fenômeno, não no conteúdo, para resgatar o interesse dos alunos”, diz.
Uma alternativa é mostrar às crianças que a ciência é uma atividade humana, sujeita a erros e interesses externos. Abordar a história da ciência para rever mitos como o de que descobertas científicas ocorrem por acaso e então aproximar dos alunos a experiência do autor do conceito trabalhado é um caminho. “Sabemos que as questões emocionais estão envolvidas no aprendizado dos alunos, e que há casos semelhantes na ciência: para chegar àquele resultado, o cientista precisou ter persistência”, aponta.
Carolina afirma ainda que há dois movimentos fundamentais na atualidade no ensino de ciências: mostrar ao aluno que a ciência está relacionada diretamente com a vida cotidiana e que o conhecimento é integrado.
Resgatando crianças e jovens
Reaproximar o estudante da escola também é um desafio. “O professor pode incorporar o uso da Pedagogia de Projetos, na qual todos investigam e constroem conceitos baseados em premissas iniciais”, pondera o doutor em Ciências da Educação Júlio Furtado.
Para ele, outro caminho bastante efetivo é a técnica da ‘aula invertida’, em que os alunos precisam antecipadamente assistir a vídeos e consultar sites sobre o assunto e irem para aula com questionamentos sobre o tema. “A aula gira em torno da satisfação de dúvidas e discussão sobre os pontos mais polêmicos da temática”, completa.
“Nenhum sujeito é tabula rasa”, observa Del Pino, que também defende que o professor auxilie o estudante a teorizar a partir de seu próprio conhecimento: “o professor precisa estimular a capacidade das crianças em buscar explicações lógicas para os fenômenos, mesmo que a princípio elas pareçam erradas”.
Não é preciso deixar a sala de aula para melhorar o ensino de ciências: basta trazer o mundo real para dentro dela.
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