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Universidade pública

Qual será o futuro dos cursos de “Direito do MST”? Saiba quantos são

Na UFPR, a formatura do curso de Direito para acampados, sem-terra e quilombolas, entre outros alunos, está prevista para dezembro de 2019 | André Rodrigues/Gazeta do Povo
Na UFPR, a formatura do curso de Direito para acampados, sem-terra e quilombolas, entre outros alunos, está prevista para dezembro de 2019 (Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo)

Quando o Incra criou o primeiro curso de Direito para assentados, em parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG), em 2007, com dinheiro do Pronera – recurso destinado pelo governo federal para o desenvolvimento do campo – a iniciativa recebeu um questionamento judicial e uma enxurrada de críticas. O curso passou a ser chamado pelos opositores de “curso de Direito do MST”, alcunha rebatida pelos seus organizadores. 

Os principais questionamentos vinham do medo de aparelhamento ideológico nas universidades, com seleção que facilitava o ingresso de assentados em um vestibular menos concorrido, da injustiça com outros grupos sociais mais vulneráveis que não tinham os mesmos benefícios, e de que os recursos públicos destinados à educação no campo fossem desviados para outros fins. O tempo passou e outras cinco turmas foram criadas nos estados de Goiás, Bahia, Paraná e Pará. 

Atualmente, 142 estudantes estudam em três universidades federais que sediam os cursos de Direito financiados pelo Incra, respaldados pela lei que criou o Pronera (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), em abril de 1998. As turmas estão em funcionamento na Universidade Federal de Goiás (UFG), na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). A formatura está prevista para dezembro de 2019, na UFPR; e para 2021, na UFG e na Unifesspa.

Segundo o coordenador-geral de Educação do Campo e Cidadania do Incra, Iradel Freitas da Costa, nos anos anteriores 137 estudantes se formaram em cursos de Direito por essa modalidade. Destes, 57 concluíram em 2012 na UFG relativos à primeira turma; 44 alunos foram formados em 2017 em convênio com a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e 36 alunos em 2018 pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).

O Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010 prevê que os beneficiários do Pronera são a população jovem e adulta das famílias dos projetos de assentamentos criados ou reconhecidos pelo Incra e pelo Programa de Crédito Fundiário (PNFC); alunos de cursos de especialização desenvolvidos pela Autarquia fundiária; professores e educadores que exerçam atividades educacionais voltadas às famílias beneficiárias; e demais famílias cadastradas pelo Incra, entre estes, extrativistas e acampados.

Dos 47 alunos atuais na UFG, por exemplo, 37 pessoas são beneficiárias dos programas de reforma agrária ligados ao MST e 10 são agricultores familiares. Em 2016, a Gazeta do Povo assistiu a algumas aulas com a turma de Direito do Pronera na UFPR. Na época, vários dos alunos eram vinculados ao movimento sem-terra, mas a instituição não confirmou quantos eram.

O custo por aluno, segundo o Incra, é de R$ 7,6 mil anuais.

Ação civil pública

A iniciativa de criar cursos de Direito para assentados foi questionada pelo procurador Raphael Perissé, do Ministério Público Federal (MPF) de Goiás, em 2008. O principal argumento utilizado pelo procurador para pedir a extinção do curso de Direito foi o desvio de função do dinheiro público. O Pronera, Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), criado em abril de 1998, tinha como objetivo contribuir para o desenvolvimento rural sustentável do assentamento, enquanto que os cursos de Direito estariam fora das atividades específicas para isso.

Além disso, o procurador argumentou na época que os integrantes de movimentos sociais não são considerados “desiguais” pela Constituição e, portanto, não teriam direito a compensações.

“Por que não criar um curso de Direito para trabalhadores de oficinas mecânicas? Ou para trabalhadores de lojas de conserto de bicicleta? Ou para vendedores de gêneros alimentícios de beira de estrada? Decerto que a pertinência de todos eles para com o Direito é a mesma que a dos beneficiários da reforma agrária”, escreveu na petição.

Enquanto o procurador conseguia uma vitória em primeira instância para fechar o curso, outra procuradora, Mariane Guimarães de Mello de Oliveira, também do MPF de Goiás, já tinha arquivado um procedimento que contestava a formação na turma e conseguiu um parecer positivo para o curso, homologado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.

Com essa aprovação da Procuradoria Federal, ao julgar a ação civil de Rafael Perissé, o Tribunal Regional Federal, da primeira região, levou em consideração a tramitação da outra procuradora e acabou arquivando o processo começado por Perissé.

“O tribunal não atentou para a diferença de motivos, que o arquivamento feito pela procuradora era para a questão pedagógica e não pela forma de custeio, e julgou extinta a ação dizendo que haveria a duplicidade de investigações”, contou Perissé, em entrevista à Gazeta do Povo, em 2016.

Também em entrevista para a Gazeta do Povo, em 2016, a procuradora Mariane Guimarães disse ter defendido a turma de Direito do Pronera por ser uma ação afirmativa, que não prejudicaria outros alunos, traria mais dinheiro e professores para a universidade.

“A questão do conteúdo ideológico nem chegou a mim”, afirmou na época. “Na verdade, as universidades públicas em geral elas têm uma forte tendência de esquerda, isso é uma constatação. Mas o que se buscou com a formação daquelas turmas não foi criar militantes do PT (...).O que houve lá, a finalidade foi criar, dar condições de acesso e educação para um grupo que depois iria replicar naquele segmento melhorias, dessas pessoas poderem advogar em prol desses pequenos agricultores, até em prol dos assentados, pela busca dos direitos deles, assim como acontece com a população negra, indígena, a intenção é a mesma, é criar dentro da universidade representantes dessas minorias”, completou.

MST tem exclusividade?

A coordenadora do Pronera do Incra em Goiás, Marília Barreto Souto, faz questão de ressaltar que não se trata de um curso para o MST e que pelo projeto não há, “em hipótese alguma”, exigência de vinculação a movimento social, sindical, religioso ou partidário. O objetivo é levar educação ao campo, para que o interior dos estados se desenvolva.

“Para se ter uma ideia da grande procura pelo curso, no processo seletivo de 2015 que foi aberto para todos os assentados da reforma agrária e agricultores familiares e/ou seus filhos aptos a participar deste vestibular, houve 1.522 pessoas inscritas de todo o Brasil para preencher 60 vagas, o que daria um disputa acirrada com 25 candidatos por vaga”, disse a coordenadora 

Marília explica que a seleção é de caráter universal, observados os princípios legais do direito administrativo e das normas educacionais, mediante edital público. “Desta forma, oferece oportunidades para o público do campo adquirir formação escolar e profissional, atuando na democratização do acesso à educação no meio rural brasileiro”, ressalta o professor de Direito Agrário da UFG, Vítor Sousa Freitas, que leciona para os alunos.

Futuro

Ninguém sabe ao certo se o novo governo Bolsonaro continuará a permitir que o Pronera – que já financiou quase 6 mil alunos em diversos cursos de graduação e pós-graduação, em 49 instituições públicas de ensino superior – crie novos cursos específicos de Direito só para o público-alvo da reforma agrária. 

As fontes procuradas manifestaram preocupação pela polarização ideológica vivida hoje no país. O MST, procurado, não quis falar com a reportagem. 

A coordenadora do Pronera em Goiás, Marilia Barreto, acredita que os cursos devem permanecer em funcionamento, “pois estão amparados pela ordem jurídica vigente”. Mas admite que as perspectivas deste e de outros projetos para jovens e adultos beneficiários do Plano Nacional de Reforma Agrária, em todos os níveis, dependem da boa gestão deste ou de qualquer outro governo, “do compromisso com o dever constitucional de assegurar educação formal, também, ao público da reforma agrária”.

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