O percentual de jovens do Brasil está diminuindo a um ritmo cada dia mais acelerado. Em 1960, 42,6% da população tinha menos de 14 anos. Em 1980, 38,2%. Em 2000, 29,69%. Em 2010, 24,1%. Na projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022 são apenas 20,46%. Em 2050, 15,44%.
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E mais: há uma concentração de pessoas nos ambientes urbanos. Em 1950, 36,2% da população do país morava em cidades. Em 1980, 67,6%. Agora, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), são 84,72%. Sinal de que a educação das próximas décadas vai atender a menos crianças, que estarão geograficamente mais concentradas.
A urbanização e a redução do percentual de jovens, aliás, são tendências globais: segundo a organização das Nações Unidas, até 2060, 95% dos 201 países que apresentam projeções populacionais confiáveis vão experimentar uma queda na população com menos de 30 anos.
O Censo Escolar 2021 apresenta dados alinhados com esse cenário. Desenvolvido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ele aponta que, nos anos finais do ensino fundamental, que já configuram a etapa educacional com maior participação percentual da educação básica, o número de matrículas aumentou em 53 mil estudantes. No ensino médio, foram registrados 7,8 milhões de alunos em 2021, um acréscimo de 2,9% em relação a 2020 e de 4,1% na comparação com 2019.
Por outro lado, 653.499 crianças de até 5 anos saíram da escola entre 2019 e 2021. Resultado da pandemia ou das tendências demográficas? “É mais provável que tenha caído por causa da pandemia, por causa do receito dos pais de enviar seus filhos”, responde o psicólogo e Ph.D. em educação João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto. De fato, a rede privada registrou queda expressiva nas matrículas, na ordem de 21,6%, de 2019 a 2021. É possível que, com a estabilização do cenário econômico e sanitário, parte desse movimento seja recuperado.
Mesmo com as transformações provocadas pela pandemia, as mudanças demográficas apontam para uma redução na demanda, no número de escolas e de servidores para as próximas duas décadas. Faz sentido, portanto, que as políticas públicas dedicadas à educação de crianças e adolescentes se ajustem, melhorando o desempenho da gestão e levando em consideração que a demanda está mudando rapidamente.
O problema é que não é isso que tem acontecido. Especialmente no caso do novo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (Fundeb), aprovado pelo Congresso Nacional em agosto de 2020 e entrou em vigor após a sanção da lei regulamentadora em dezembro do mesmo ano e que aumenta os valores dedicados – em especial, pelo acréscimo na contribuição feita pela União, que vai subir gradativamente de 10%, em 2019, para 23% em 2026.
Falta de gestão
O novo Fundeb despeja recursos na educação direcionados a professores, sem mirar a qualidade da gestão. Distribui o dinheiro sem exigir programas de qualidade para o seu uso, como recomenda o Banco Mundial em estudo sobre o tema - e como fazem os países com os melhores índices de qualidade. O excesso de dinheiro em caixa, sem fiscalização e sem destinar para as reais necessidades da educação, já deu margem para usos controversos, com “sobras”.
O estado do Amazonas, por exemplo, anunciou em dezembro o que chamou de “maior abono da história em valores e em servidores contemplados”, com valores pagos para a rede estadual de ensino chegando a R$ 37,8 mil, por servidor.
No formato atual do Fundeb, sem nenhum controle de qualidade ou de eficiência nos gastos, esses recursos que sobram tendem a ser mal utilizados, sem apresentar benefícios para a educação. “Os sindicatos montaram uma bancada poderosíssima no Congresso Nacional e em algumas das Assembleias Legislativas”, avalia a ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Ilona Becskehazy. “Esse tipo de lei é apenas resultado de uma super representação de uma categoria. Além de serem muito bem representados na mídia pelas organizações não governamentais (ONGs) parceiras”.
Oliveira concorda. “Infelizmente, o Congresso Nacional decidiu de maneira açodada a respeito do Fundeb. Se você analisar o perfil das mais de 100 pessoas que foram ouvidas, a maioria é de representantes de interesses corporativos e grandes ONGs associadas a esses interesses”.
Não há evidências de que vinculação de recursos seja necessária ou faça bem à educação, diz ele. “Os orçamentos da educação no Brasil cresceram em virtude da pressão por vagas, e não das leis. Mas há evidências de que subvinculações servem para assegurar interesses específicos, como no caso do percentual destinado a pessoal”.
Em outras palavras, o novo Fundeb serve a interesses escusos de agentes ligados ao setor, sem melhoras o desempenho da educação brasileira. “Existe no Brasil a crença equivocada de que o problema número 1 da educação é dinheiro”, afirma Oliveira, que já publicou um artigo para a Gazeta do Povo sobre o tema. “Talvez dinheiro venha a fazer diferença, mas só depois que outras medidas mais básicas tiverem sido tomadas. E uma delas deve ser a flexibilidade para usar recursos, e não a sua vinculação", analisa.